title
stringlengths
4
128
text
stringlengths
305
52.3k
date
stringlengths
10
19
category
stringclasses
7 values
category_natural_language
stringclasses
7 values
link
stringlengths
56
191
Obama em Hiroshima
O presidente Barack Obama visitará Hiroshima nesta sexta (27). Esse gesto inédito tem um profundo significado moral e político, que não deve passar despercebido pela consciência universal. Em abril de 2009, o próprio Obama declarou o firme compromisso de seu país com o projeto de um mundo livre de armas nucleares, o que lhe valeu o Prêmio Nobel da Paz. Esse deverá ser o principal legado de sua gestão. Os Estados Unidos sempre alegaram que o ataque atômico de 1945 a Hiroshima e Nagasaki apressou o fim da guerra no Pacífico, poupando assim as vidas de militares e civis de ambos os lados do conflito. Diversos analistas, por outro lado, argumentam que a rendição japonesa foi resultado, na verdade, do conflito do país com a Rússia. Seja como for, caberá algum dia a historiadores desvendar a verdadeira motivação e a filósofos julgar a moralidade do ataque, que deu origem à era do terror nuclear. Para a humanidade como um todo, é motivo de grave preocupação o fato de que hoje nove países possuem armas atômicas (Estados Unidos, Rússia, China, França e Reino Unido, Israel, Índia, Paquistão e Coreia do Norte). Todos eles consideram esse armamento indispensável para a própria segurança. As doutrinas militares dessas nações contemplam a possibilidade do uso dessas armas nas circunstâncias que considerarem convenientes, mesmo contra aqueles que delas não dispõem. Esses nove países não parecem dispostos a aceitar compromissos internacionais que os obriguem ao completo desmantelamento de seus arsenais. O restante da comunidade das nações, inclusive o Brasil, comprometeu-se formalmente em diversos instrumentos jurídicos regionais e globais, principalmente no Tratado de Não Proliferação de Armas Nucleares (TNP), a não obter esse armamento e a submeter-se a inspeções a cargo da Agência Internacional de Energia Atômica (AIEA). Os signatários daquele instrumento que já possuíam tais armas prometeram fazer esforços no sentido do desarmamento. Até o momento, porém, os progressos são considerados insuficientes. O direito internacional humanitário não proíbe especificamente o uso de armas nucleares. As regras gerais aplicáveis em situações de conflito armado, porém, disciplinam a forma pela qual qualquer armamento pode ser usado e definem as medidas que devem ser tomadas para limitar seu impacto sobre as populações e bens civis. As principais normas proíbem ataques diretos contra civis e o uso indiscriminado de armas. Estabelecem também regras de proporcionalidade no emprego da força, de proteção ao meio ambiente e a obrigação de tomar as precauções possíveis na condução de ataques. A presença do presidente norte-americano em Hiroshima, sem dúvida, dará incentivo aos muitos governos e movimentos que há alguns anos vêm propondo, nas reuniões das Nações Unidas, a completa eliminação de todas as armas nucleares, com base em considerações de caráter humanitário. Obama deverá ouvir depoimentos de sobreviventes da tragédia nuclear e visitar o impressionante museu que guarda o testemunho da devastação causada pela detonação de um engenho equivalente a 15 mil toneladas de TNT -uma pequena fração da potência de destruição de cada uma das 16 mil bombas atômicas ainda hoje existentes no mundo. A visita presidencial não apagará os vestígios do passado, mas poderá estimular um novo compromisso dos países armados para trabalhar em consonância com a comunidade internacional em favor do desarmamento nuclear. SERGIO DUARTE é embaixador. Foi Alto Representante das Nações Unidas para Assuntos de Desarmamento * PARTICIPAÇÃO Para colaborar, basta enviar e-mail para [email protected].
2016-05-27
opiniao
Opinião
http://www1.folha.uol.com.br/opiniao/2016/05/1775413-obama-em-hiroshima.shtml
Agora a febre amarela
Após ter superado o mais grave surto de ebola da história, a África enfrenta agora outra grande ameaça viral: a febre amarela. Trata-se da pior epidemia da doença no continente em 30 anos. O epicentro está em Angola, onde, desde dezembro, cerca de 2.500 pessoas foram infectadas e 300 morreram. Na forma silvestre, a doença é endêmica em quase toda a África, na América do Sul e Central. Causa cerca de 30 mil mortes por ano no mundo inteiro. A mortandade torna-se ainda maior quando o vírus circula em zonas urbanas, como agora. A grande concentração de pessoas possibilita surtos assustadores. No último, em 1986, 24 mil pessoas morreram em poucos países africanos. Provocando febre alta, dor de cabeça, dor muscular aguda, cansaço, calafrios, vômito e diarreia, a febre amarela tem sintomas semelhantes aos da dengue, mas é muito mais letal. Cerca de 1 em cada 7 infectados desenvolve sua versão hemorrágica, que leva à morte em metade das ocorrências. O vírus já chegou a cidades da República Democrática do Congo e do Quênia. Mais consternador, confirmaram-se 11 casos na China —em trabalhadores que voltaram de Angola. Como nunca houve disseminação da enfermidade na Ásia, a esmagadora maioria da população não está imunizada. Escaldada pelas críticas devido à demora em reconhecer a epidemia de ebola, a OMS reagiu logo desta vez. Na última semana, o órgão classificou o surto como sério e afirmou que suscita especial preocupação, mas evitou por ora declarar emergência mundial. Causada por um arbovírus da mesma família da dengue e da zika, a febre amarela é transmitida nas cidades por um conhecido dos brasileiros, o mosquito Aedes aegypti. O vetor encontra terreno fértil nas áreas urbanas da África, onde a estrutura sanitária não raro é precária. A isso se somam inadequados sistemas de vigilância e notificação, bem como porosas fronteiras nacionais, que elevam as chances de disseminação da doença. Embora não haja tratamento para a febre amarela, existe vacina. A OMS considera que os estoques são suficientes para dar conta da epidemia em seu abrangência atual. Esse quadro, todavia, pode mudar rapidamente se o surto atingir outros grandes centros. A OMS conclamou os países a aumentar a vigilância sobre viajantes e trabalhadores que retornem de Angola —onde existe uma grande comunidade internacional. Isso vale sobretudo para o Brasil, que mantém laços econômicos com o país em diversas áreas. [email protected]
2016-05-26
opiniao
Opinião
http://www1.folha.uol.com.br/opiniao/2016/05/1775158-agora-a-febre-amarela.shtml
Tempo de grave decisão
Impeachment não é convescote. Traumatiza, choca, exige respostas sensatas dos setores políticos responsáveis deste país. Não me deixa feliz. Não chego a comemorá-lo. Não o confundo com Carnaval ou a festa folclórica de Parintins. Considero-o imprescindível, nesta quadra histórica, porque o governo do PT perdeu as condições de governabilidade. Tendo a mais dramática crise econômica da história republicana deste país como pano de fundo, tudo leva a crer que, ao final do processo no Senado, Michel Temer será efetivado como presidente do país. Temer não terá direito a uma espécie de lua de mel com o Brasil nas primeiras semanas do governo interino. Ele terá de acertar desde o início. Precisará agir, como o presidente argentino Mauricio Macri fez. Ou seja, restabelecer a confiança externa e interna, nos planos econômico e político, no Brasil desacreditado de hoje. Necessitará negociar, com seus aliados de jornada, uma pauta de reformas estruturais capazes de resgatar o país do caos econômico que ora o avassala. Refiro-me aos sistemas tributário, previdenciário, das leis trabalhistas, administrativo, político (é bizarra e nociva a existência de 28 partidos atuando no Parlamento). Terá de encarar ainda a atualização do sistema financeiro nacional, a começar pela autonomia, em lei, do Banco Central. Esta última medida, até os mercados a ela se habituarem, acrescentará, por cinco ou seis anos, algo como 0,5% ao nosso PIB. Não é tarefa fácil. Reformas, que podem salvar a economia, certamente gerarão contrariedade e ativismo nos setores com elas descontentes. A nova oposição, que já se mostra dura e presente, buscará o reencontro com parte da população, negando as mudanças e indo às ruas contra elas. Temer, então, precisará de apoio parlamentar e administrativo para obter êxito frente ao desafio. O PSDB não se furtou a fazer parte, nítida e decididamente, dessa tentativa de dar uma nova oportunidade ao Brasil -tanto com apoio parlamentar quanto cedendo quadros aos ministérios para a reconstrução da máquina pública inflada, paquidérmica e ineficaz. Do governo interino, é necessário dizer, também fazem parte setores que o povo obrigou a descer do muro da indecisão e dos cochichos pouco recomendáveis. Na votação do impeachment na Câmara, ficou patente que os defensores, iniciais e obstinados, da destituição da presidente Dilma Rousseff não reuniam, eles apenas, os 342 votos que permitiriam a ida do processo para o Senado. A complementação veio de parlamentares que tinham compromisso "de honra" com Dilma e Lula, alguns até protagonistas de cenas de corrupção e escândalos que colaboraram com o descrédito que se abateu sobre o governo petista. Gente boa para votar, vá lá que seja, mas inadequada para governar de modo exigente. Daí a necessidade do apoio do PSDB ao governo interino. Eis a crença que, firmemente, nutro, e não tenho razão para esconder. Respeito as posições contrárias, porém insisto em expor as minhas com a responsabilidade que este momento de crise impõe. Responsabilidade que julgo ser de todo o PSDB. É tempo de enfrentar a crise... ou não teremos Brasil em 2018. Depressão econômica e democracia não coexistirão eternamente. Uma delas sucumbirá. Que não seja a democracia, restabelecida no Brasil a peso de sangue, suor e lágrimas. ARTHUR VIRGÍLIO NETO é prefeito de Manaus pelo PSDB. Foi deputado federal, senador e ministro-chefe da secretaria-geral da Presidência (governo Fernando Henrique Cardoso) * PARTICIPAÇÃO Para colaborar, basta enviar e-mail para [email protected].
2016-05-26
opiniao
Opinião
http://www1.folha.uol.com.br/opiniao/2016/05/1775125-tempo-de-grave-decisao.shtml
A República dos mosquitos
O PT pode nunca mais eleger um presidente da República. Enquanto, porém, o Brasil não enfrentar - e diminuir- o tamanho do Estado, outros governos petistas virão. Aí está o associado Michel Temer -escolhido a dedo por Lula- para não me deixar mentir. Vejamos Romero Jucá. Não é do PT, por certo. Mas, falseada aqui, disfarçada ali, não terá a mesma mentalidade, a mesma compreensão companheira do que seja a máquina pública -e, sobretudo, para o que serve, para quem? O Estado à disposição, a serviço. Há milhares de dilmas -e dilmos (sacrifico o texto, mas não desafio a leitura feminista)- à espera de uma chance. É como a dengue. No Brasil, tende-se à água parada e ao estatismo. A dengue é vocação nacional. O estatismo é vocação nacional. O petismo idem, muito anterior ao nascimento do PT, a durar para muito além de sua derrocada. Não falo de política, mas de cultura. A administração pública é péssima, obesa, ineficiente e corrupta -não há novidade nesse retrato, fotografia da represa monumental em que um partido como o dos Trabalhadores deita fartamente seus ovinhos. Um governo pode ser maior ou menor entrave ao desenvolvimento do país, mas nunca será solução. A tendência brasileira, no entanto, é a de combater os problemas causados pelo Estado pedindo mais Estado; a febre por meio da qual, a cada crise, entregamos a quem nos afana mais poder para nos afanar. Isso é doença. É também o paraíso cultural do petismo, milhões de poças em que se incuba o Aedes rousseff. Complementar e coerente, bem brasileira também é a pedalada segundo a qual a esquerda, uma vez no poder, deixa de ser esquerda. O pendor petista nacional manifesta-se sobretudo aí, nessa facilidade malandra e irresistível. Funciona assim: o partido chega à Presidência da República, abre o caixão que é seu programa, seu projeto, bota-o para rodar, toma o Estado e o alarga, molda, aparelha, sistematiza, enriquece aos seus e a si, investe em permanecer até ser o próprio Estado. Expõe, portanto, seu caráter, que é o caráter próprio da esquerda no poder, e então, ato contínuo, irrompe a narrativa influente -que se pode chamar de PSOL, o PT de ontem, o possível PT de amanhã, a dengue de sempre- de que aquilo seria traição às bandeiras históricas do socialismo. Lava-se a égua linda e eternamente assim, enquanto se busca a pureza da ideologia. Tem-se aí o Brasil, a sina, a doença: picado eternamente em berço esplêndido. Um país estatista e petista. Logo, um país de gerentes e profetas. O encontro entre a menor dos primeiros e o maior dos segundos resultou na malária por meio da qual, propagandeando haver avançado 50 anos, o Brasil terá regredido 20. Na República dos mosquitos, às vezes tocada pelos morcegos, não se defende outro interesse que não o patrimonialista. Não se pode privatizar a Petrobras, mas tudo tem dono -a propriedade defendida. Ou haverá outra forma de ler a disputa grampeada para saber quem, entre golpistas e golpistas, melhor consegue obstruir a Justiça? Natural, pois, que a natimorta anexação do Ministério da Cultura ao da Educação tenha merecido tal relevo, tamanha grita. Nunca duvidei do recuo. É tudo muito simbólico, de rara clareza -procure saber: nada tem mais posse no Brasil do que a cultura. Este é um país de profetas, gerentes, artistas -e sacaneados. Pois golpe mesmo é que o trabalhador, reserva de poder progressista, estimulado ao consumo enlouquecido, e que anteontem parcelara em 70 vezes a TV de última geração (para não ver filme nacional), hoje não tenha dinheiro para carne de segunda. Este país é imensidão de água parada. E eles sempre voltam. Nunca se foram. Os mosquitos. CARLOS ANDREAZZA, 36, é editor-executivo da Editora Record * PARTICIPAÇÃO Para colaborar, basta enviar e-mail para [email protected].
2016-05-25
opiniao
Opinião
http://www1.folha.uol.com.br/opiniao/2016/05/1774710-a-republica-dos-mosquitos.shtml
Avaliação ambiental em risco
Com a aprovação pelo Senado Federal da proposta de emenda constitucional (PEC) 65, que permite a realização de obras públicas sem a análise dos impactos ambientais, o Brasil adentra o necessário debate sobre o tema pela "porta dos fundos". Sob o pretexto da simplificação, o resultado catastrófico será o total esvaziamento da avaliação ambiental e da participação da sociedade na discussão dos empreendimentos com significativo impacto, contrariando o que determina a Constituição Federal de 1988. Embora se alegue que a participação pública pode tornar a licença mais lenta, estudos internacionais demonstram o contrário, desde que essa participação seja feita de forma efetiva. Com a garantia de legitimidade no processo de licenciamento ambiental, teríamos menor risco de judicialização. A avaliação ambiental foi introduzida nos EUA em 1969, por meio de uma lei cujo modelo, com pequenas diferenças, foi adotado por mais de 150 países. As principais agências multilaterais também incorporaram nas suas normas a exigência dessa avaliação. O Fundo Monetário Internacional (FMI), por sua vez, no exame de pedidos de empréstimo, tem buscado seguir padrões de proteção ambiental. Especialmente a partir da Rio-92, conferência da ONU sobre meio ambiente e desenvolvimento, a avaliação ambiental e a participação pública ganharam foro no direito internacional, além de disposições expressas nas duas mais importantes convenções lá assinadas: a Convenção da Diversidade Biológica e a Convenção de Mudanças Climáticas. Mais recentemente, a Rio + 20 reafirmou esses compromissos no documento "The Future We Want". Vale lembrar também dos Princípios do Equador, iniciativa que traz para o setor financeiro um conjunto de diretrizes para o financiamento de grandes projetos, com ênfase na identificação de riscos socioambientais. Mais de 80 instituições financeiras, em mais de 30 países, já aderiram voluntariamente aos Princípios, dentre as quais os mais importantes bancos brasileiros. Em outras palavras, é indissociável a ideia do desenvolvimento sustentável da efetiva implantação da avaliação ambiental e da participação pública. Deixar prosperar iniciativas como a PEC 65 traria ao país enorme desconforto com a comunidade internacional em termos de credibilidade, além de afetar o acesso a recursos das agências multilaterais. Quais investidores sérios aportariam recursos para empreendimentos de significativo impacto ambiental sem atender a requisitos universais de avaliação ambiental e de participação pública? Vale ressaltar que vários projetos de lei tramitam há décadas no Congresso Nacional sobre a matéria, sem que nossos parlamentares confiram importância ao tema. O primeiro deles, de autoria de Fabio Feldmann, o PL 710, tramita desde 1988 e está há anos pronto para a pauta no Plenário. Aproveitando a experiência acumulada nesses últimos 30 anos, é necessário rever o licenciamento ambiental no Brasil. Precisaríamos, contudo, primeiro conhecer a realidade desse instrumento no país. Até que ponto é verdadeira, ou não, a informação tão propalada de que o licenciamento é obstáculo para a implantação de empreendimentos de infraestrutura? O que pode ser feito para torná-lo mais ágil e eficiente, menos cartorial e burocrático? Como a experiência internacional pode nos ajudar? Para tanto, recomendamos que a Presidência da República assuma a liderança desta discussão sobre o licenciamento ambiental, com o propósito de atender as demandas da sociedade brasileira. Dessa forma, poderiam ser promovidas as mudanças necessárias para que esse instrumento cumpra os requisitos universais já mencionados, eliminando-se exigências desnecessárias. Certamente haveria um ganho inquestionável para todos. FABIO FELDMANN é membro do conselho da FBDS (Fundação Brasileira para o Desenvolvimento Sustentável). Foi deputado federal (1986-1998) e secretário estadual de Meio Ambiente de São Paulo (gestão Mário Covas) ISRAEL KLABIN é presidente da FBDS. Foi prefeito do Rio de Janeiro (1979-1980) * PARTICIPAÇÃO Para colaborar, basta enviar e-mail para [email protected].
2016-05-24
opiniao
Opinião
http://www1.folha.uol.com.br/opiniao/2016/05/1774352-avaliacao-ambiental-em-risco.shtml
Menos discurso, mais ação
Há bons argumentos favoráveis e bons argumentos contrários à existência de um ministério exclusivo para a cultura, à fusão entre o Ministério da Cultura e o da Educação, à fusão entre o Ministério da Cultura, o do Esporte e o do Turismo e a outros modelos de arranjos institucionais. Na França, referência internacional em política cultural, há o Ministério da Cultura e da Comunicação. No Reino Unido, onde se valoriza o impacto econômico e social das indústrias criativas, há o Departamento de Cultura, Mídia e Esporte, com status de ministério. Na verdade, poucos países apresentam atualmente um ministério exclusivo para a cultura. O que não significa, necessariamente, desprezo ao setor ou ausência de reconhecimento da importância da cultura em suas múltiplas dimensões. A cultura, como se sabe, é muito maior do que o Ministério da Cultura. Ter um ministério exclusivo também não significa, necessariamente, que o poder público valorize a cultura, compreenda de fato seu papel estratégico e realize uma política à altura. Os cinco anos e alguns meses de Dilma Rousseff na Presidência demonstraram um divórcio entre retórica e prática em diversas áreas, incluindo a cultura. A despeito do discurso bem-intencionado, sobretudo nas campanhas eleitorais, tivemos um período ruim para a política cultural, de muita discussão e pouca ação, em que o orçamento do MinC foi progressivamente reduzido (em termos proporcionais ao orçamento total) e diversos programas foram descontinuados, à exceção do audiovisual. Como sinal de austeridade, diante da recessão que vigora no Brasil e do gigantesco deficit fiscal herdado, o novo governo anunciou a redução do número de ministérios. Formalizou a fusão entre o Ministério da Cultura e o da Educação, provocando a ira de parte relevante do setor cultural. No último sábado (21), o presidente interino Michel Temer decidiu recriar a pasta da Cultura. Foi uma medida necessária para diminuir a temperatura da crise que se instalou. No entanto, assim como a fusão anteriormente anunciada, não representa um fato necessariamente positivo ou negativo. A questão não é institucional; o que mais importa para a sociedade é um conjunto de definições concretas que encerre o divórcio entre retórica e prática no que diz respeito à política pública de cultura. Trata-se de apontar claramente, por meio de ações, qual é o papel da cultura para a gestão Temer. A intenção, afirmou o presidente interino, é impulsionar a área. A indicação de Marcelo Calero para o cargo de ministro da Cultura indica a vontade de transformar o desejo em realidade. É um gestor experiente, que soube manter e aperfeiçoar a bem-sucedida política implementada em minha gestão à frente do Secretaria Municipal de Cultura do Rio de Janeiro, entre 2012 e 2015, no governo Eduardo Paes. É preciso formular uma política objetiva, baseada na ideia de que a cultura pertence ao campo da sociedade e acontece no plano local. Ao poder público cabe estimular, promover e proteger, e não produzir. Deve-se levar em conta a dimensão simbólica, econômica e cidadã. E ter orçamento compatível, capacidade operacional, centralidade entre as políticas governamentais e parceria com os municípios. A cultura pode ser um antídoto contra a recessão, por sua capacidade de gerar renda, emprego, inclusão e felicidade. Portanto luz, câmera ação! SÉRGIO SÁ LEITÃO é diretor-presidente da produtora AfroReggae Audiovisual. Foi chefe de gabinete do Ministério da Cultura (governo Lula) e secretário municipal de cultura do Rio de Janeiro (governo Eduardo Paes)
2016-05-24
opiniao
Opinião
http://www1.folha.uol.com.br/opiniao/2016/05/1774354-menos-discurso-mais-acao.shtml
Samu mais lento
O prefeito de São Paulo, Fernando Haddad (PT), tem o hábito de propagandear as realizações que dão à sua administração uma feição avançada, como as faixas pintadas para bicicletas e ônibus. Já quando se trata de explicar atrasos, seu governo tropeça e fica pelo meio do caminho. Um caso flagrante é o desempenho do serviço de ambulâncias de emergência, o Samu. Reportagem publicada nesta Folha na segunda-feira (23) revelou que, no ano passado, o tempo médio dos atendimentos em que há risco de morte aumentou em quatro das cinco regiões da capital em relação a 2014. No plano internacional, aceita-se que o intervalo de espera ideal fique entre 10 e 12 minutos. Com a ampliação da demora verificada em 2015, duas regiões da cidade —centro-oeste, com 13min08s, e sul, com 15min08s— ficaram acima disso; em 2014, nenhuma área ultrapassara o recomendado. A prefeitura fica devendo uma explicação mais detalhada e convincente para a piora no desempenho do Samu. Em reação à reportagem, no lugar de informações específicas sobre as equipes disponíveis, restringiu-se a afirmar que o tempo médio é determinado por fatores como as distâncias percorridas, a dificuldade de acesso a alguns locais e a velocidade média da frota. A resposta beira a obviedade e nada esclarece nem justifica. Mais ainda, o retrocesso no Samu aparece em contradição evidente com a tendência de melhora no trânsito paulistano verificada do ano passado para este. O prefeito gostaria talvez de imputar a queda na lentidão no horário de pico apenas a suas iniciativas de mobilidade urbana, como os mais de 400 km de faixas exclusivas de ônibus que alardeia ter implantado na cidade. Mas decerto ela resulta também da crise produzida por Dilma Rousseff (PT), sua correligionária e presidente afastada, com a diminuição de deslocamentos. É lícito deduzir ainda que o serviço de emergência deveria tornar-se mais eficiente —e não menos— com a diminuição da quantidade de acidentes e lesões graves no trânsito. Com menos dessas ocorrências típicas de atendimento pelo Samu, cai também a demanda pelo serviço e se espera que haja mais ambulâncias disponíveis para cada deslocamento. A piora no tempo de resposta do Samu não parece preocupante, à vista de flutuações constatadas nos anos anteriores, mas a falta de explicações objetivas pode minar a confiança que a população deposita no serviço. [email protected]
2016-05-24
opiniao
Opinião
http://www1.folha.uol.com.br/opiniao/2016/05/1774379-samu-mais-lento.shtml
Devido Valor
Os projetos de lei 0442/91 e 0186/14, prestes a serem aprovados pelo Congresso, irão garantir uma série de medidas para liberação do funcionamento de cassinos, bingos, e outros jogos de azar no país. Abrirão portas para um novo mundo a ser explorado pelos brasileiros, tanto para empresários, quanto para consumidores e turistas. No entanto, da forma como estão redigidos, os textos destes projetos não só deixam de incentivar as loterias estaduais, como praticamente as condenam. O problema está no fato de que o monopólio centralizado nas mãos do governo federal não permitirá que as loterias estaduais já existentes no país consigam aproveitar os benefícios da lei. Muito menos que novas e relevantes, como a recém-criada loteria do Piauí, continuem surgindo a partir dela. Sem falar que condena à morte investimentos locais que são fundamentais, pelo simples fato de que mais da metade do lucro das loterias estaduais hoje é destinado a organizações e instituições que atendem diretamente o cidadão, como as Apaes e outras entidades filantrópicas. Sem as loterias, não haverá esse recurso, nem os investimentos que sustentam as ações. Cabe lembrar que este possível monopólio do governo federal não está previsto na Constituição, já que o setor de jogos e loterias não aparece como exploração exclusiva da União. A União, com sua atribuição exclusiva para legislar sobre tema, deveria, sim, fazê-lo, buscando um modelo igualitário e justo para que o governo federal e os Estados possam explorar essa atividade em condições iguais. A nossa expectativa é que o Congresso Nacional altere os projetos de lei para que o Brasil não vá contra todas as experiências internacionais de sucesso no setor. Nos Estados Unidos, por exemplo, podemos encontrar a existência de loterias estaduais em 47 jurisdições: 44 estados e os distrito de Columbia, Porto Rico e Ilhas Virgens. Cada uma das jurisdições norte-americanas goza de autonomia e independência. Diferentemente do modelo proposto para o Brasil, não existe lá uma loteria nacional, e as estaduais são fontes importantes de recursos. No ano fiscal de 2014, para se ter uma ideia, as vendas das loterias estaduais norte-americanas atingiram US$ 70 bilhões, com 11 estados tendo lucro proveniente destas receitas superior ao obtido com imposto de renda devido por empresas. Para citar outro país, a Itália é provavelmente um dos cases mais exitosos quando se trata do sucesso das loterias. Hoje, a cada US$ 8 gastos pelas famílias italianas em entretenimento, US$ 1 vai para o jogo; com forte controle regulatório e de fiscalização, que praticamente eliminou o mercado ilegal controlado pelo crime organizado. Um modelo a ser seguido. Estudos feitos para subsidiar as discussões para regulamentação dos jogos de azar no Brasil indicam que a arrecadação total de loterias por aqui aproxima-se de R$ 13,9 bilhões, sendo 97,6% desses recursos concentrados na esfera federal. A venda per capita com loterias no Brasil, no início de 2015, correspondia a R$ 67, o que, em termos de percentual sobre renda por pessoa, é um valor bastante tímido quando comparado a países com modelos já consolidados de exploração de loterias. A verdade é que levamos quase cem anos para voltar a discutir a regulamentação dos jogos, um tema que, por falta de esclarecimentos, se tornou um tabu e um assunto rodeado de preconceitos. No entanto, a realidade indiscutível é que a legalização é mais uma medida para frear a crise de arrecadação, além de um grande passo. No entanto, precisa da total atenção e devido valor por parte dos deputados, senadores e da população, para que não percamos uma chance histórica de fazer o certo. SÉRGIO RICARDO DE ALMEIDA é presidente da Loteria do Estado do Rio de Janeiro (Loterj) * PARTICIPAÇÃO Para colaborar, basta enviar e-mail para [email protected].
2016-05-24
opiniao
Opinião
http://www1.folha.uol.com.br/opiniao/2016/05/1774361-devido-valor.shtml
Preconceito transgênico
Embora os organismos geneticamente modificados (OGMs) existam desde a década de 1970, a discussão sobre seus riscos e benefícios se baseia, ainda hoje, mais em preconceitos do que em fatos. Um extensa pesquisa publicada na semana passada pela Academia Nacional de Ciências, Engenharia e Medicina dos EUA deve carrear mais racionalidade ao debate. Após examinar mais de mil estudos sobre o tema, a entidade concluiu que os OGMs estão longe de ser a aberração perigosa denunciada por detratores. Não só não trazem riscos à saúde como, se usados corretamente, propiciam benefícios para agricultores e ambiente. Os dados compilados se referem a milho e algodão dotados de genes que os tornam resistentes a certos insetos, e à soja, milho e algodão resistentes a herbicidas. Juntos, compõem a vasta maioria das culturas transgênicas do mundo. Os pesquisadores não encontraram qualquer evidência de que esses OGMs tiveram impacto sobre as prevalências de câncer, obesidade, diabetes, autismo, doença celíaca ou alergias alimentares. Por outro lado, a introdução dessas sementes modificadas não trouxe ganhos significativos de produtividade nas lavouras. Deve-se considerar, porém, que os OGMs não foram desenvolvidos para esse fim, mas para gerar espécies mais resistentes, o que reduz perdas e aumenta a previsibilidade das colheitas. Boa parte dos equívocos em torno dos OGMs deriva do erro de tratar todos como se fossem a mesma coisa. A manipulação de genes permite fabricar desde plantas venenosas até alimentos mais saudáveis. O debate equilibrado exige que transgênicos sejam avaliados em sua especificidade, com análise de riscos e benefícios de cada produto. As robustas evidências sobre a segurança dos OGMs, todavia, não excluem o direito do consumidor de ser informado sobre sua presença nos produtos que deseja adquirir. A legislação brasileira já obriga essa rotulagem. Ocorre que o meio utilizado –um símbolo formado pela letra "T" dentro de um triângulo– constitui antes um sinal de alerta que um esclarecimento. Um projeto que modifica esse item encontra-se no Senado, após ter passado pela Câmara. Pretende-se alterar o emblema estigmatizante por uma frase que indique se determinado alimento é transgênico ou contém OGMs. Melhor seria se o rótulo também incluísse os genes inseridos e as proteínas codificadas pelas modificações. Isso garantirá que o consumidor seja plenamente informado –e sem a estridência que apenas estimula temores injustificados. [email protected]
2016-05-23
opiniao
Opinião
http://www1.folha.uol.com.br/opiniao/2016/05/1773981-preconceito-transgenico.shtml
Moradia, a primeira vítima de Temer
Começou a temporada de caça aos programas sociais. Alçado ao Palácio do Planalto sem ter recebido sequer um voto, Michel Temer busca implementar um programa que tampouco foi legitimado pelas urnas. A primeira vítima, junto com a cultura, foi o direito à moradia. O Ministro das Cidades, Bruno Araújo (PSDB), estreou no cargo cancelando a contratação de 11.250 casas que já estavam aprovadas. Com uma canetada irresponsável, atacou o sonho e a luta de milhares de famílias por morar dignamente. O argumento utilizado foi "estudar os documentos para saber se está tudo certo". Ora, ora, alguém precisa avisar a Araújo que dois dos últimos ministros das Cidades -e responsáveis pelos contratos do programa- são seus colegas na Esplanada, um agora como Ministro de Ciência, Tecnologia, Inovações e Comunicações (Gilberto Kassab) e o outro como presidente da Caixa Econômica Federal (Gilberto Occhi). A auditoria é neste caso um pretexto mal disfarçado para atacar conquistas sociais. É sintomático que o cancelamento dos contratos tenha se voltado principalmente contra a modalidade Entidades do programa, na qual os futuros moradores gerenciam o projeto e a obra. Impressiona a ignorância contida nos ataques ao Minha Casa, Minha Vida, na tentativa de justificar os cortes. Primeiro, o argumento orçamentário. A modalidade Entidades responde por menos de 2% de todo o recurso do programa, motivo aliás de enfrentamento constante dos movimentos com a presidente Dilma Rousseff. Não há qualquer impacto relevante nas contas públicas, o que deixa claro que a decisão de cancelar os contratos é muito mais política do que econômica. Segundo, a acusação de que o Entidades representaria uma forma de financiamento dos movimentos sociais. Alguém que conheça as regras do programa não poderia dizer isso de boa-fé. Os repasses são vinculados aos custos com terreno e obra. O pagamento do terreno é feito pela Caixa diretamente aos proprietários. E o da obra só é liberado após medições técnicas mensais que confirmem a execução do serviço. Se querem buscar irregularidades, deveriam procurar em obras gerenciadas pelas empreiteiras, com 98% dos recursos e qualidade inferior. Aí está o terceiro e mais importante ponto, o da "eficiência e qualidade". Pois bem, as moradias realizadas por gestão direta dos beneficiários, organizados em movimentos sociais, estão simplesmente entre as melhores e maiores do programa. São dados. Esperamos que o ministro os localize em sua "auditoria". Tomemos o condomínio João Cândido, na região metropolitana de São Paulo, realizado pelo MTST (Movimento dos Trabalhadores Sem Teto). É a maior unidade habitacional da faixa 1 do programa no país. Os apartamentos têm 63 m², varanda e três dormitórios, construídos com o mesmo valor com que as empreiteiras fazem "caixinhas" de 39 m². Os prédios têm elevador, salão de festas e playground. É com isso que querem acabar. Exatamente pelo que simboliza: a potência da organização popular. O ranço autoritário não admite o papel dos movimentos sociais, sua autonomia e realizações. Gostariam que não existíssemos e por isso tentam nos atacar e desmoralizar. A narrativa de Temer sobre a "pacificação do país" e a manutenção dos programas sociais não durou nem uma semana. Seu governo já enfrentaria de todo modo resistência nas ruas, por ser fruto de um golpe parlamentar. A moradia foi o primeiro alvo. Os sem-teto saberão responder à altura, com mobilizações intensas em todo o país. Não se brinca com o sonho do povo. NATALIA SZERMETA, 28, membro da coordenação do MTST (Movimento dos Trabalhadores Sem Teto) em São Paulo SÉRGIO FARIAS, 44, membro da coordenação do MTST no Ceará VITOR GUIMARÃES, 25, membro da coordenação do MTST no Rio de Janeiro * PARTICIPAÇÃO Para colaborar, basta enviar e-mail para [email protected].
2016-05-23
opiniao
Opinião
http://www1.folha.uol.com.br/opiniao/2016/05/1773690-moradia-a-primeira-vitima-de-temer.shtml
Sobre crises e abutres
É na tempestade que se conhece o marujo. Um pequeno grupo resolveu usar a crise política e econômica na qual o país está afundado para disparar contra a lei que dá punição financeira a quem se beneficia do trabalho escravo. A erradicação do trabalho análogo à escravidão é uma das principais metas da agenda de promoção dos direitos humanos no país. Não obstante essa busca por justiça social, a CNC (Confederação Nacional do Comércio de Bens, Serviços e Turismo) propôs no Supremo Tribunal Federal uma Ação Direta de Inconstitucionalidade questionando a Lei Paulista contra o Trabalho Escravo, reproduzida por diversos Estados brasileiros e considerada pela ONU a legislação mais avançada no mundo sobre o tema. A lei prevê a cassação do registro no ICMS paulista por 10 anos das empresas condenadas por utilizar trabalho escravo. Os proprietários ficam impedidos, pelo mesmo período, de abrir novas empresas no mesmo ramo de atuação. A argumentação da CNC questiona a validade das ações do Poder Judiciário ao afirmar que as condenações seriam feitas "sem ao menos considerar a culpabilidade dos comerciantes, independentemente de existir dolo ou mesmo culpa". Não é verdade. O decreto 59.170/2013, que regulamenta a norma, é taxativo ao determinar que o início do processo administrativo para efetivar a punição é feito "desde que tenha havido decisão judicial condenatória, transitada em julgado ou proferida por órgão colegiado, e esteja comprovada a responsabilidade do contribuinte em decorrência de sua vinculação com a conduta". Não é exagero exigir que uma empresa desista de lucrar com a violência de obrigar seres humanos a trocar a própria dignidade pela sobrevivência. O cidadão, tenho absoluta certeza, não compactua nem admite a prática cruel da exploração do trabalho escravo. Resta saber a quem interessaria anular a decisão de punir aqueles que lucram com o trabalho escravo e compactuam com essa prática por ação direta ou por omissão. A Ação Direta de Inconstitucionalidade proposta pela CNC se fundamenta em premissas equivocadas ao pressupor que a lei paulista viola dispositivos constitucionais. Na verdade, ela estabelece parâmetros para a realização concreta do poder de polícia que a própria Constituição Federal confere à administração para a proteção dos direitos sociais de todos os trabalhadores e de toda a coletividade. Aliás, o que tem marcado esse debate nos últimos anos são os grandes equívocos. Em meados de abril, a Comissão de Agricultura, Pecuária, Abastecimento e Desenvolvimento Rural da Câmara Federal deu mais uma pancada nos direitos trabalhistas ao aprovar, sem alarde, a definição do conceito de trabalho escravo. A comissão excluiu da definição a "jornada exaustiva" e "as condições degradantes de trabalho". Uma medida que, aliada à decisão da Justiça de suspender a divulgação da Lista Suja -único cadastro que divulga os nomes das empresas flagradas na prática do trabalho escravo-, representa mais um retrocesso, com impacto internacional, nos instrumentos de combate à escravidão contemporânea. A já tão afetada imagem do Brasil, interna e externamente, não pode ser arrastada nesse turbilhão de interesses obscuros, já que o momento clama por transparência e ações pautadas pela ética. Sabemos bem, e a história atual nos confirma, que só os que devem têm a temer. Afinal, se estamos no topo da cadeia alimentar por nossa inteligência, não podemos aceitar que abutres fiquem por cima da carne seca, zombando da cara do oprimido. É isso que as crises e a Justiça nos ensinam. CARLOS BEZERRA JR., 48, é médico, deputado estadual (PSDB-SP), presidente da Comissão de Direitos Humanos da Assembleia Legislativa de São Paulo e autor da Lei Paulista de Combate ao Trabalho Escravo * PARTICIPAÇÃO Para colaborar, basta enviar e-mail para [email protected].
2016-05-23
opiniao
Opinião
http://www1.folha.uol.com.br/opiniao/2016/05/1773689-sobre-crises-e-abutres.shtml
Refugiados, uma crise de solidariedade
Em setembro, a Assembleia Geral da ONU reunirá líderes mundiais para resolver um dos principais desafios de nosso tempo: os grandes movimentos de refugiados e migrantes. Guerras, violações dos direitos humanos, subdesenvolvimento, mudanças climáticas e catástrofes naturais estão levando um número recorde de pessoas a abandonar suas casas. Mais de 60 milhões de pessoas, metade crianças, fugiram da violência ou da perseguição. Estão agora refugiados ou deslocados internamente. Outros 225 milhões são migrantes: deixaram seus países em busca de melhores oportunidades ou simplesmente por sobrevivência. Esta não é, contudo, uma crise de números; é uma crise de solidariedade. Quase 90% dos refugiados estão em países em desenvolvimento. Oito países abrigam mais da metade dos refugiados do mundo. Apenas dez países fornecem 75% do orçamento da ONU para o tema. Com o compartilhamento igualitário de responsabilidade, não haveria problema de acolhimento. Países na linha de frente desta crise estão lutando todos os dias para enfrentar o desafio. No dia 19 de setembro, a Assembleia Geral realizará uma reunião de alto nível para fortalecer nossos esforços em longo prazo. Para ajudar a comunidade internacional a aproveitar essa oportunidade, acabo de lançar um relatório, "Com Segurança e Dignidade", no qual apresento recomendações sobre como o mundo pode desencadear uma ação coletiva mais eficaz. Precisamos começar por reconhecer nossa humanidade comum. Milhões de pessoas em movimento passam por um sofrimento extremo. Milhares morreram no Mediterrâneo, no mar de Andamão, no Sahel e na América Central. Refugiados e migrantes não são os "outros". Eles são tão diversos quanto a própria família humana. Quanto mais bem acolhidos, maior será a contribuição deles ao crescimento e desenvolvimento dos países que os recebem. Além disso, líderes políticos e comunitários têm a responsabilidade de se levantar contra a discriminação e a intolerância e de combater os que procuram ganhar votos por meio de difusão do medo e da divisão. Temos de dar, ainda, mais atenção à resolução das causas do deslocamento forçado. A ONU continua trabalhando na prevenção de conflitos, resolvendo disputas pacificamente e lutando contra as violações dos direitos humanos antes que elas aumentem. Uma nova e poderosa ferramenta é a Agenda 2030 para o Desenvolvimento Sustentável, um plano acordado no ano passado por todos os 193 membros da ONU. Inclui um forte foco na justiça, nas instituições e em sociedades pacíficas. Por fim, precisamos fortalecer os sistemas internacionais que administram grandes movimentos de pessoas, para que defendam as normas de direitos humanos e forneçam a proteção necessária. Os países devem honrar suas obrigações legais internacionais, incluindo a Convenção de Refugiados de 1951. A Cúpula Mundial Humanitária que promoveremos nesta segunda (23) em Istambul buscará novos compromissos dos governos e de outras partes para, em conjunto, proteger as pessoas. Os seres humanos têm se movimentado de um lugar para outro há milênios, por opção ou sob coação, e continuarão a fazê-lo em um futuro próximo. Somente reafirmando o nosso dever de proteger aqueles que fogem da perseguição e da violência, abraçando as oportunidades que refugiados e migrantes oferecem para suas novas sociedades, seremos capazes de alcançar um futuro mais próspero e mais justo para todos. BAN KI-MOON, 71, é secretário-geral da ONU - Organização das Nações Unidas * PARTICIPAÇÃO Para colaborar, basta enviar e-mail para [email protected].
2016-05-22
opiniao
Opinião
http://www1.folha.uol.com.br/opiniao/2016/05/1773686-refugiados-uma-crise-de-solidariedade.shtml
Renúncia fiscal concedida à Fifa na Copa de 2014 é crime de responsabilidade? SIM
ATENTADO CONTRA A CONSTITUIÇÃO A OAB (Ordem dos Advogados do Brasil) lista entre os crimes de responsabilidade que justificam o impeachment da presidente da República o uso do cargo para dar a um aliado político prerrogativas especiais de ministro de Estado, a tentativa de interferir no Poder Judiciário e a concessão de renúncia fiscal para a Fifa em contrariedade à Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF). São três novos itens no debate sobre a cassação de mandato que não constam do processo em curso no Senado. Os dois primeiros pontos são de mais simples compreensão, porque evidenciam o aparelhamento do Estado contra o interesse público. O terceiro demanda mais conhecimento técnico e, por esse motivo, tem sido alvo de agentes políticos que tentam deturpar a análise jurídica feita pelos integrantes das OABs estaduais e do Conselho Federal da entidade, legitimados pelo voto direto de todos os advogados do país. É pública a denúncia entregue pela OAB à Câmara dos Deputados. O documento não afirma, de modo algum, que a renúncia fiscal seja procedimento ilegal. A ilegalidade apontada está no descumprimento da Lei de Responsabilidade Fiscal ao conceder as vantagens para a Fifa. A LRF é um valioso instrumento normativo criado para, justamente, evitar que benefícios fiscais sejam permitidos de acordo com critérios particulares dos governantes, em detrimento do interesse social. A Constituição Federal é clara ao enunciar, no artigo 85, que o presidente da República pratica crime de responsabilidade ao atentar contra a lei orçamentária. A punição para esse crime é o impeachment. Com a LRF, qualquer renúncia fiscal só pode ser concedida se for acompanhada de estimativa do impacto que terá no Orçamento, se atender ao disposto na Lei de Diretrizes Orçamentárias e se houver demonstração de que a renúncia foi considerada na estimativa de receita da lei orçamentária e não afetará as metas fiscais. Sem essa demonstração, o governo deve exigir medidas compensatórias, como aumento de receita, elevação de alíquotas, ampliação da base de cálculo, majoração ou criação de tributos. Os incentivos à Fifa foram aprovados no governo Lula, mas coube à gestão de Dilma Rousseff implementá-los. A presidente deixou de fora das estimativas de receita encaminhadas ao Congresso qualquer consideração sobre a renúncia em favor da Fifa. Não há demonstração de que essa medida não tenha afetado as metas fiscais previstas nas leis de diretrizes orçamentárias (LDOs) de 2011 e 2012 (os dois exercícios seguintes à aprovação do benefício fiscal, como exigido pela LRF). Não há também qualquer compensação associada à vantagem fiscal em questão. O plenário do Tribunal de Contas da União, provocado pela OAB, já reconheceu, no acórdão 529/2015, a irregularidade da operação. As leis de diretrizes orçamentárias de 2011 e 2012 continham dispositivos para compatibilizá-las com a LRF, mas eles foram vetados pela presidente Dilma. A Nota Técnica 3/2011, elaborada em conjunto pelas consultorias de Orçamento da Câmara e do Senado, chama a atenção para a ilegalidade do veto à lei de 2011. Fica evidente que Dilma, a quem cabia a iniciativa da Lei de Diretrizes Orçamentárias, segundo estabelece o artigo 84 da Constituição Federal, possibilitou a concessão das renúncias fiscais em desacordo com a lei, sem incluir estimativa do impacto orçamentário, sem considerar as desonerações na receita e sem, tampouco, indicar medidas compensatórias à perda de rendimentos. Houve, portanto, ofensa ao dispositivo constitucional. Por essa razão, justifica-se o processo de impeachment também devido às renúncias fiscais para a Fifa. ERICK VENANCIO LIMA DO NASCIMENTO, 37, conselheiro federal da OAB (Ordem dos Advogados do Brasil) pelo Acre, foi autor do relatório que recomendou o apoio da ordem ao impeachment * PARTICIPAÇÃO Para colaborar, basta enviar e-mail para [email protected].
2016-05-21
opiniao
Opinião
http://www1.folha.uol.com.br/opiniao/2016/05/1773683-renuncia-fiscal-concedida-a-fifa-na-copa-de-2014-e-crime-de-responsabilidade.shtml
Ler, escrever, clonar
Causou surpresa e certa controvérsia a revelação, pelo jornal "The New York Times", de que cerca de 150 pesquisadores se reuniram em sigilo na Universidade Harvard, em 10 de maio, para debater o projeto de sintetizar um genoma humano. Até aqui, a ciência se limitou a decifrar a sequência de moléculas de DNA que compõem a coleção de genes da espécie. A empreitada de ler esses 3 bilhões de "letras químicas" coube ao Projeto Genoma Humano (PGH), que consumiu 13 anos e terminou em 2003. O estabelecimento desse código de referência deu grande impulso à pesquisa biomédica, ainda que não tenha produzido os avanços portentosos com que se contava. A capacidade de soletrar o conteúdo dos genes de cada pessoa permite, em alguns casos, realizar diagnósticos e ministrar tratamentos mais precisos. Como o PGH ajudou a baratear as novas tecnologias, tornou-se factível incorporá-las ao cotidiano da clínica. O PGH2 —como foi apelidado—, mais que ler o DNA, pretende escrevê-lo a partir do zero. Já existem métodos para enfileirar as moléculas que exprimem as instruções contidas nos cromossomos, mas eles ainda são laboriosos e caros. Os custos, no entanto, caíram de maneira vertiginosa, de US$ 4 por letra em 2003 para US$ 0,03 hoje. Ainda assim, escrever um genoma humano inteiro consumiria US$ 90 milhões —valor muito elevado para um feito técnico que, a rigor, não tem aplicação imediata. O plano seria colocar o genoma sintético numa célula humana e verificar se funcionaria normalmente. Não muito mais que uma prova de princípio. Um subproduto esperado seria o barateamento da tecnologia pela experiência acumulada. Quem escreve pode também definir o conteúdo do texto, ou seja, escolher as variantes de genes que comporiam o genoma artificial, por exemplo evitando aquelas associadas a doenças. E, depois, usar procedimentos de clonagem para inseri-lo num óvulo e gerar um ser humano sem pai nem mãe. Tal possibilidade está mais próxima da ficção científica do que de realidade nos laboratórios, mas se revelou suficiente para deflagrar questionamentos e objeções de fundo ético, a começar pelo caráter sigiloso da reunião em Harvard. Não é de hoje que as tecnologias da vida esbarram em inquietações —legítimas ou não— do público. Proceder com suas piruetas à vista de todos é a melhor maneira de evitar tombos desnecessários. [email protected]
2016-05-21
opiniao
Opinião
http://www1.folha.uol.com.br/opiniao/2016/05/1773630-ler-escrever-clonar.shtml
Reorientação
Entre tropeços de seus ministros e elevada tolerância a personagens envolvidos em corrupção, o governo de Michel Temer (PMDB) dá ao menos um sinal positivo ao formar um dique de proteção técnica em cargos de direção da economia, de estatais e de órgãos públicos. A chegada de Pedro Parente ao comando da Petrobras talvez seja o melhor símbolo dessa mudança de orientação. Gestor de reconhecida competência, o ex-ministro de Fernando Henrique Cardoso (PSDB) aceitou a tarefa sob condição até outro dia impensável: "Não haverá indicação política". Profissionalizar a gestão da petrolífera é fundamental para recuperar uma empresa marcada pelo maior escândalo de nossa história. O esforço para reerguê-la terá papel fundamental na reativação de vários setores acoplados à cadeia de fornecimento, com impacto na geração de empregos. Igualmente importante é a escolha de Maria Silvia Bastos Marques para a presidência do BNDES. Assim como a Petrobras, o banco necessita de uma revisão geral e de uma nova posição estratégica –preservado, naturalmente, seu papel de órgão de fomento. Nos governos petistas, buscou-se dinamizar o capitalismo brasileiro com a seleção de "campeões nacionais" alimentados com crédito subsidiado. Depois de R$ 523,8 bilhões em aportes do governo, o resultado é bastante questionável. Afirma-se, de um lado, que o investimento teria caído ainda mais sem isso e que o banco supriu a falta de um mercado de financiamento privado de longo prazo. Por sua vez, críticos apontam para a dívida pública aumentada em cerca de 9% do PIB, sem que se note um impulso ao investimento capaz de compensar os subsídios pagos pelo contribuinte, que podem chegar a R$ 323 bilhões até 2060. O debate precisa se dar em novos termos. O BNDES deve estimular, mas não substituir o setor privado. Tome-se a infraestrutura. Detendo evidente competência técnica, o banco deve atuar em projetos e concessões no setor. Não faz sentido, no entanto, que continue a financiar 70% das empreitadas. Tal participação serviu em grande medida para compensar as reduzidas taxas de retorno arbitradas pelos governos petistas, bem como minimizar os riscos oriundos da falta de confiabilidade dos projetos e da regulação setorial. Desenhos melhores decerto permitiriam atrair mais recursos privados. Seja na Petrobras, seja no BNDES, a reorientação precisa necessariamente incluir a adoção de conduta mais responsável, transparente e atenta às limitações no uso de recursos do contribuinte. Terá como condição necessária, ademais, o total afastamento dos esquemas de pilhagem que vinham sendo utilizados pelo PT, pelo PP e, não custa lembrar, pelo PMDB do presidente interino. [email protected]
2016-05-21
opiniao
Opinião
http://www1.folha.uol.com.br/opiniao/2016/05/1773631-reorientacao.shtml
A virada da Virada Cultural
Na década passada, a Virada Cultural renovou a cena artística e urbana brasileira. Na contracorrente de tendência conservadora e higienista das gestões paulistanas de 2005 a 2012, transformou o espaço público do centro em um palco para manifestações artísticas. Desfrutamos um prazer inédito: andar 24 horas a pé no centro, circulando entre um piano pendurado a 20 metros de altura numa praça, uma banda em um largo, uma performance artística iluminada no meio da rua, um equilibrista atravessando o Anhangabaú em um cabo pendurado, um artista renomado reunindo multidões em um palco... Em uma São Paulo carente de atrações, refratária ao uso do espaço público e avessa à sociabilidade descontraída das ruas, a Virada foi um alento, mostrou que outra cidade era possível. Atraindo um público cada vez maior, revelou o desejo por trocar a privacidade da moradia pelo convívio cultural a céu aberto. O crescimento trouxe problemas e críticas. Aos poucos, as ocorrências policiais da madrugada ganharam mais destaque que as atrações artísticas, afastando o público. O gasto concentrado em apenas um dia no centro (que cresceu de R$ 4,2 milhões a R$ 12,5 milhões, de 2005 a 2012) passou a ser questionado. Sensível aos problemas, mas consciente da relevância da Virada, a gestão de Fernando Haddad vem aperfeiçoando a programação cultural para alcançar todas as regiões da cidade o ano todo. Criou-se o Circuito Municipal de Cultura, que utiliza a rede de 130 equipamentos culturais para realizar a maior programação de espetáculos do Brasil, em todas as linguagens artísticas. A Virada deixou de ser única e passou a integrar um calendário de eventos em espaços públicos, que inclui, entre outros, o aniversário de São Paulo, o Carnaval de Rua, o Mês do Hip-Hop, as festas juninas, o Mês da Cultura Independente, as Viradinhas Infantis, o Mês da Consciência Negra e a Jornada do Patrimônio. Seguindo o Plano Diretor, que defende a valorização do espaço público, a cidade passou a ser um cenário para a cultura. A regulamentação dos artistas de rua, a criação de 32 ruas abertas (como a avenida Paulista) e a proliferação de eventos promovidos pelos próprios artistas no espaço público levaram o espírito original da Virada para toda a cidade, ao longo de todo o ano. A própria Virada está sendo repensada. Em 2015, a descentralização foi uma das marcas do evento, processo que se acentua neste ano. Todas as subprefeituras receberão atrações e viradinhas infantis. No centro, o evento foi ampliado para 48 horas, começando às 17h desta sexta (20) com o "esquenta virada", favorecendo os trabalhadores da região. Em compensação, os palcos serão reduzidos durante a madrugada de domingo (22), quando o público se reduz significativamente. Nesse período, as muitas atrações previstas se concentrarão em um perímetro menor, com mais segurança. Além de ocupar o centro e permitir uma circulação segura do público entre as várias atrações, a Virada chegará para toda a cidade, diversificando as plateias e gerando uma melhor relação custo/benefício. Em um momento de grande tensão política no país, espera-se uma Virada Cultural mais democrática e segura, uma virada de paz. MARIA DO ROSÁRIO RAMALHO, 53, é secretária municipal de Cultura de São Paulo NABIL BONDUKI, 61, professor titular na Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da USP e vereador de São Paulo (PT), foi secretário municipal de Cultura (2015-2016) * PARTICIPAÇÃO Para colaborar, basta enviar e-mail para [email protected]. Os artigos publicados com assinatura não traduzem a opinião do jornal. Sua publicação obedece ao propósito de estimular o debate dos problemas brasileiros e mundiais e de refletir as diversas tendências do pensamento contemporâneo
2016-05-20
opiniao
Opinião
http://www1.folha.uol.com.br/opiniao/2016/05/1773142-a-virada-da-virada-cultural.shtml
Apocalipse do jornalismo
A ruptura institucional em via de ser completada no Brasil é resultado direto da degradação do jornalismo posto em prática por quase todos os meios de comunicação no país. Os cuidados éticos foram sacrificados a tal ponto que o jornalismo promove a derrubada de uma presidente até agora considerada honesta. Jornalismo deve informar os fatos de pontos de vista diferentes e contrários, encarnar ideias em disputa, canalizar o entrechoque de versões, sublimar antagonismos. Veículos brasileiros, ao contrário, quase todos em dificuldades financeiras e assediados pelos novos hábitos do público, uniram esforços na defesa de uma ideia única. Compactaram-se em exageros, catastrofismo e idiossincrasias. Agruparam-se de um lado só da balança, fortes para nocautear um governo, mas fracos para manter sua própria razão de existir, a autonomia. Poderia ser diferente. As denúncias de corrupção da Operação Lava Jato deveriam mesmo merecer toda a atenção de uma imprensa aguerrida. Deveriam mobilizar controles e cuidados na mesma proporção. No entanto, se a justiça da Lava Jato tem alvo preferencial, o jornalismo não deveria ter. Quem defende o equilíbrio quando justiça seletiva e jornalismo discricionário se fundem? Normas e técnicas jornalísticas não são meros enfeites para códigos ou lições esquecidas nos bancos da escola. São peças essenciais para a sobrevivência da democracia. Na Lava Jato, o que deveria motivar uma custosa operação de checagem independente e edição autônoma derivou numa repetição inglória dos piores momentos do jornalismo do passado. A audição generosa e justa do chamado outro lado das denúncias, tanto na apuração das informações como em sua edição, não existiu. O abuso de reportagens baseadas exclusivamente em fontes mantidas em sigilo tornou-se a regra. Vazamentos com objetivo manipulatório foram a tônica. Quando informações em "off" dão as cartas e o outro lado é uma formalidade, o jornalismo não existe senão como contrafação. O que foi feito do esforço de convivência de tantos profissionais de ponta com outras culturas jornalísticas mais avançadas, tolerantes e variadas? Onde estão as intenções de controle técnico, equidistância, sobriedade e isenção? Os ombudsmans, os rigores autonomistas das técnicas de investigação independentes e as autocríticas não serviram para nada. Virou pó o empenho de ao menos uma geração de profissionais para que o jornalismo, depois do infame apoio majoritário ao golpe de 1964, viesse a seguir melhores padrões. Não pode haver fracasso maior para quem ao longo dos anos aspirou a se legitimar como instituição pilar de uma jovem democracia. Veículos de mídia cederam ao populismo que inflama os ódios de classe e leva o país a vivenciar mais um golpe contra as instituições. Fica para conferir se a mídia terá no governo Temer a mesma obsessão higienizadora e incriminatória que exibe contra a ordem petista. Já se diz que a queda do governo Dilma marca o ocaso do arranjo democrático da Constituição de 1988. Corporifica também o fim do breve ensaio de jornalismo surgido no bojo do movimento que levou à Nova República. Parodiando o poema trágico de Murilo Mendes, essa mídia nativa, em busca da sobrevivência, nasceu para a catástrofe. MARIO VITOR SANTOS é jornalista. Na Folha, foi diretor da sucursal de Brasília, secretário de Redação e ombudsman (1991-93 e 97). É mestre em drama antigo pela Universidade de Exeter (Inglaterra) e doutor em letras clássicas pela USP * PARTICIPAÇÃO Para colaborar, basta enviar e-mail para [email protected]. Os artigos publicados com assinatura não traduzem a opinião do jornal. Sua publicação obedece ao propósito de estimular o debate dos problemas brasileiros e mundiais e de refletir as diversas tendências do pensamento contemporâneo
2016-05-18
opiniao
Opinião
http://www1.folha.uol.com.br/opiniao/2016/05/1772331-apocalipse-do-jornalismo.shtml
Florestas plantadas na Integração Lavoura, Pecuária e Florestas
Ainda que incipiente no Brasil, o interesse pelo modelo de produção integrada sustentável (integração lavoura, pecuária e floresta - IPLF), em que produção agrícola, criação de gado e manejo de florestas plantadas ocorrem em uma mesma propriedade rural, vem crescendo; e está entre as contribuições brasileiras para o acordo do clima, feito em dezembro de 2015 durante a COP21, em Paris. Há muito a se fazer para que a IPLF atinja a meta de cerca de 5 milhões de hectares (contra os atuais 2 milhões de hectares, segundo a Embrapa) de forma a contribuir para melhorar o quadro socioeconômico e ambiental das propriedades; aumentar os estoques de carbono na pecuária brasileira pelo cultivo de árvores; além de promover a mudança do sistema de uso do solo e aumentar o índice de produtividade. Dos 851 milhões de hectares do território nacional, cerca de 66% estão cobertos por hábitats naturais, 23% ocupados por pastagens, 6,2% por agricultura e 3,5% por redes de infraestrutura e áreas urbanas, além de 0,9% de florestas plantadas. Portanto, é um mercado que tem muito para crescer e benefícios a gerar. A diversificação da produção contribui para o aumento da renda dos produtores, que tem possibilidade de colheita em diferentes épocas, e favorece a proteção do solo, com culturas de diferentes idades em mosaico. O eucalipto é uma das espécies de árvores mais utilizadas na ILPF devido ao seu crescimento rápido e a disposição de sua copa que permite a insolação para as culturas agrícolas e pastagens. As florestas plantadas representam uma estratégia de aproveitamento de áreas marginais que beneficiam tanto a agricultura quanto a criação de gado, além de promover a inclusão dos produtores nos programas de fomento, iniciativa que oferece assistência técnica e garantia de compra da matéria-prima produzida pelo produtor rural. Com estudos, pesquisas e tecnologia de produção sendo desenvolvidos nesta área, entende-se que a ILPF pode ser uma alternativa relevante para aumentar a produção de alimentos e a pecuária, sem necessitar de novas áreas, pela sinergia e forma complementar de uso da terra entre os componentes vegetais e animais. Os passos nesta direção já foram dados, com a Embrapa (Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária) criando redes de fomento e parcerias com o setor privado para acelerar a adoção por produtores rurais da integração lavoura-pecuária-floresta. Os incentivos do País exigirão muita pesquisa para entender as demandas de cada região onde a ILPF será adotada, como o tipo de pecuária, as culturas agrícolas, as espécies florestais e se há mercado para os diversos usos da madeira A Integração Lavoura, Pecuária e Florestas representa um grande compromisso do país e deve gerar diversos benefícios. O sistema planejado é ecologicamente adequado, pois melhora a forma de uso da terra; economicamente viável, uma vez que é praticado de acordo com o perfil e os objetivos de cada produtor rural; e socialmente justo, pois dá a oportunidade de diversificar a produção e agregar valor a qualquer tamanho de propriedade. As áreas de fomento florestal, onde muitas vezes as empresas apoiam a ILPF, possibilitam uma maior independência dos produtores rurais, que deixam de ter sua renda e atividade vinculada a uma única atividade, além de contribuírem decisivamente para a fixação do homem no campo, pelos ciclos mais curtos das culturas agrícolas. Para chegar à meta proposta pelo governo e obter os benefícios do uso do sistema ILPF, faz-se necessária a implementação de políticas públicas de incentivos à produção, como aumento de crédito, diminuição de taxas de juros, seguro agrícola amplo e eficiente e remuneração por serviços ambientais. ELIZABETH DE CARVALHAES é presidente-executiva da Ibá (Indústria Brasileira de Árvores) * PARTICIPAÇÃO Para colaborar, basta enviar e-mail para [email protected]. Os artigos publicados com assinatura não traduzem a opinião do jornal. Sua publicação obedece ao propósito de estimular o debate dos problemas brasileiros e mundiais e de refletir as diversas tendências do pensamento contemporâneo
2016-05-18
opiniao
Opinião
http://www1.folha.uol.com.br/opiniao/2016/05/1772350-florestas-plantadas-na-integracao-lavoura-pecuaria-e-florestas.shtml
Batalhas duras
Hesitações, recuos e tropeços marcaram não só a montagem do gabinete do governo Michel Temer (PMDB) como também as primeiras manifestações de alguns de seus ministros, mas a crítica geral não se aplica quando se trata especificamente da equipe econômica. O time escalado para enfrentar a preocupante crise compõe-se de nomes de notória competência e, ao menos por enquanto, alinhados em relação ao diagnóstico dos problemas do país e das medidas mais urgentes para resolvê-los. O ministro da Fazenda, Henrique Meirelles, surpreendeu ao abordar logo de início temas espinhosos. Definiu como prioridades colocar um freio sustentável nas despesas públicas, encaminhar uma reforma da Previdência com uma regra de idade mínima e período de transição razoável e deixar o Banco Central cuidar da inflação. Meirelles ainda mencionou outro ponto controverso: uma reforma trabalhista, possivelmente para que acordos coletivos prevaleçam sobre a legislação, desde que garantidos os direitos fundamentais. A chegada de técnicos respeitados ao segundo escalão, como Mansueto Almeida e Marcelo Caetano, traz algum alento. Eles conhecem os temas em pauta e têm experiência no setor público. Quanto ao BC, a nomeação de Ilan Goldfajn é positiva. Seu nome não sinaliza guinada na gestão da política monetária, mas a simples troca encerra uma gestão percebida como subserviente demais ao Planalto. De resto, espera-se que a redução da inflação e o aperto no Orçamento em breve possibilitem queda substancial da taxa Selic. Os principais desafios, de todo modo, estão nas contas públicas. Será preciso levar o Congresso a aprovar as necessárias medidas impopulares quanto antes, num período agitado por causa da Olimpíada e das eleições municipais. Em uma das frentes mais importantes, a da Previdência, ao menos já se iniciou um debate com as centrais sindicais. As possíveis fontes de conflito, no entanto, vão muito além dessa questão. A negociação sobre dívidas de Estados e municípios ainda vai começar. Não há definição sobre o tamanho do rombo no Orçamento –a última estimativa aponta para um deficit de R$ 120 bilhões. Por fim, dificilmente o país escapará de aumentos de impostos, ainda que por um período curto e bem definido, para além dos cortes que o Executivo precisa promover. Seriam batalhas duras mesmo para um governo que, por hipótese, tivesse sido eleito com tais bandeiras. Para o presidente interino Michel Temer o desafio resulta ainda maior —e talvez se torne insuperável caso os integrantes de sua administração continuem desperdiçando o escasso capital político em polêmicas desnecessárias. [email protected]
2016-05-18
opiniao
Opinião
http://www1.folha.uol.com.br/opiniao/2016/05/1772338-batalhas-duras.shtml
Da pedagogia à didática
Ganhou destaque, na divulgação do último relatório "Formação de Professores no Brasil" (2013-14), do movimento Todos pela Educação, a disparidade constatada na formação dos professores de educação básica nas redes pública e privada. Para surpresa de muitos, ela é melhor na primeira, onde o ensino tem sabidamente pior desempenho. Enquanto 88,4% dos docentes em escolas públicas possuem diplomas de nível superior, nas particulares o índice cai para 80,8%. Seria precipitado, contudo, concluir que o dado invalida o reconhecido nexo entre qualificação dos professores e eficiência do aprendizado. Há que fazer algumas observações sobre esses percentuais. A primeira seria assinalar que a superioridade na rede pública só se verifica nos níveis iniciais, a educação infantil e o ensino fundamental 1 (do 1º ao 5º ano). No ensino fundamental 2 (do 6º ao 9º ano), os estabelecimentos privados (92,7% dos docentes com ensino superior) ultrapassam os públicos (89,3%). No ensino médio ocorre virtual empate –97,2% e 97,8%, respectivamente. Em resumo, os colégios da rede particular são mais exigentes ao contratar professores para a fase mais decisiva de preparação de sua clientela para o ciclo universitário ou para o mercado profissional. Além disso, o elo consagrado entre qualificação docente e qualidade de ensino pressupõe que a capacitação ofertada nas faculdades de pedagogia seja eficaz. Ou seja, que efetivamente preparem os bacharéis e licenciados para serem bons professores em sala de aula. Não é essa a realidade, lamentavelmente. Como ressaltou no relatório artigo de Fernando Abrucio, da FGV, elas dão muito mais ênfase a teorias educacionais do que à didática propriamente dita —vale dizer, às competências e ferramentas úteis na realidade da classe. Não se trata só de uma deficiência acadêmica, mas também da falta de articulação institucional. As universidades, em especial as públicas, estão desligadas da rede de ensino. Não produzem estudos empíricos sobre o que ali se aplica de técnicas de ensino, se funcionam ou não, de modo a informar o que elas próprias ministram. A formulação de uma base curricular comum nacional ajudará a definir melhor o conteúdo do que precisa ser abordado e aprendido em cada disciplina e cada ano do ensino básico. Mas não fará muita diferença, no resultado final, se as faculdades não se empenharem mais em transmitir aos futuros docentes os meios de ensiná-lo. [email protected]
2016-05-18
opiniao
Opinião
http://www1.folha.uol.com.br/opiniao/2016/05/1772339-da-pedagogia-a-didatica.shtml
Rombo estatal
Muito se fala, neste início de governo Michel Temer (PMDB), acerca do deficit primário deixado pela administração da presidente Dilma Rousseff (PT). Consideradas todas as despesas e receitas (sem contar gastos com juros), estima-se um rombo superior a R$ 120 bilhões. Como a equipe petista admitia valor bem menor, R$ 96,7 bilhões, a diferença será usada pela nova gestão para solicitar ao Congresso a revisão da meta orçamentária. Há outro buraco, porém, que deveria merecer iguais doses de atenção. Trata-se do desfalque, cuja real dimensão ainda precisa ser conhecida, nas contas financeiras e patrimoniais do governo, de suas empresas e de seus fundos de pensão. Tome-se a Eletrobras, vítima de uma das mais truculentas e desastradas intervenções setoriais do governo Dilma. A estatal sujeita-se a ter interrompida a negociação de suas ações na Bolsa de Nova York se não esclarecer as ressalvas de auditoria referentes a 2014 e 2015. Haveria risco, nessa hipótese, de vencimento antecipado de dívidas, em montantes que podem ficar entre R$ 20 bilhões e R$ 40 bilhões, segundo o ministro do Planejamento, Romero Jucá. Quanto aos fundos de pensão, o relatório de conclusão da CPI sobre o tema apontou perdas de R$ 113 bilhões nos últimos cinco anos —dos quais R$ 6,6 bilhões decorreriam diretamente de corrupção. A comissão calcula que as empresas e os contribuintes dos planos terão de aportar R$ 58 bilhões, ainda que de modo espaçado no tempo, para cobrir o prejuízo. Passou da hora, como se vê, de o país adotar mecanismos que evitem o uso político de estatais e seus fundos de pensão —uma necessidade escancarada pelo dirigismo obsceno das administrações petistas. Felizmente, começam a ser dados alguns passos nesse sentido. Tramitam no Congresso dois projetos com vistas a reforçar a eficiência e afastar conflitos de interesse. Um deles determina a presença de conselheiros independentes nos fundos de pensão, numa composição paritária com representantes dos contribuintes e das empresas patrocinadoras. O outro, a chamada Lei da Responsabilidade das Estatais, entre outras medidas reforça o profissionalismo na contratação de membros do conselho e de direção, proibindo pessoas com cargos em sindicatos, partidos ou governo. As estatais decerto precisam atender o interesse público que justifica sua existência. Isso não significa, contudo, que se confundam com o governo ou que possam conviver com gestões perdulárias. Ao contrário, devem estar subordinadas às mesmas leis e, sobretudo, seguir os mesmos critérios de eficiência das empresas privadas. [email protected]
2016-05-17
opiniao
Opinião
http://www1.folha.uol.com.br/opiniao/2016/05/1771972-rombo-estatal.shtml
Respeitar a lista
Causaram grande estranhamento, e por vários motivos, as declarações do ministro da Justiça, Alexandre de Moraes, a respeito do processo de escolha do procurador-geral da República. Em entrevista a esta Folha, Moraes afirmou que o chefe do Ministério Público Federal deveria ser selecionado pela Presidência entre todos os integrantes da carreira, como dispõe a Constituição, e não entre aqueles indicados em lista tríplice elaborada pelos procuradores, como é a prática desde 2003. Horas depois, o presidente interino Michel Temer (PMDB) desautorizou seu subordinado, dizendo que manteria a tradição. Moraes, então, divulgou nota para explicar que fizera somente uma análise constitucional do assunto, sem defender mudanças na nomeação. O estrago, contudo, estava feito. Ainda que Temer tenha reagido de imediato —algo que não ocorreu a Dilma Rousseff (PT) quando Eugênio Aragão tentou intimidar a Polícia Federal—, várias questões incômodas permaneceram no ar. Em tempos de Lava Jato, como Moraes —que não é neófito na administração pública— se permitiu cometer deslize dessa natureza? Se de fato ele jamais conversou com Temer sobre a escolha do procurador-geral, por que emitiu opinião em relação a tema tão delicado? E que sentido faz tropeçar nesse tópico agora, mais de um ano antes de se encerrar o mandato de Rodrigo Janot à frente do MPF? Moraes, por força de sua reconhecida competência acadêmica em direito constitucional, sem dúvida sabe que a lista tríplice no MPF representou formidável avanço para a instituição, por limitar o espaço de interferência política e aumentar a independência funcional. A associação dos procuradores passou a promover votação no final do segundo mandato de Fernando Henrique Cardoso (PSDB), quando o então chefe do MPF, Geraldo Brindeiro, tinha o apelido de "engavetador-geral da República". Na disputa interna realizada em 2001, ele ficou em sétimo lugar, mas foi reconduzido mesmo assim. Se Lula e Dilma não tivessem se obrigado a nomear o preferido dos procuradores, poderiam ter buscado alguém que aceitasse arquivar o mensalão e o petrolão na pasta dos escândalos não investigados. Ainda bem que Michel Temer divergiu de seu ministro da Justiça. Melhor fará se, no intuito de afastar todas as desconfianças, bancar uma proposta de emenda à Constituição para que a escolha do procurador-geral dentre os indicados em uma lista tríplice da categoria se torne uma regra, e não uma simples opção do presidente de turno. [email protected]
2016-05-17
opiniao
Opinião
http://www1.folha.uol.com.br/opiniao/2016/05/1771943-respeitar-a-lista.shtml
Carta ao presidente
Presidente Michel Temer, desejo-lhe sucesso porque o seu sucesso será também o sucesso do Brasil. Sei da tensão do momento e da responsabilidade que está assumindo. Os brasileiros estão olhando com ansiedade, preocupação e ceticismo, mas também com esperança de transformação. Você é um político experiente e parte agora, aos 75 anos, para o maior desafio de sua vida. Tenho a certeza de que irá enfrentá-lo com determinação e garra. Eu adoro desafios. Eles são revigorantes; oportunidades de pôr em prática tudo o que se aprendeu na vida e mostrar realmente o que somos. Mas tem um ponto vital -é preciso lutar e vencer. Presidente, temos coisas em comum, como idade próxima e filhos pequenos. Pensar neles lhe dará ainda mais força para lutar e construir o país do qual se orgulharão. O mundo e o Brasil são carentes de líderes, e você tem a chance histórica de assumir papel de liderança. As expectativas são grandes, e as dificuldades também. O Brasil teve muitas conquistas na década passada, com crescimento e redução das desigualdades. Mais de 30 milhões de pessoas saíram da pobreza. Essa dinâmica virtuosa, contudo, foi perdida, e entramos num ciclo vicioso no qual as crises econômica e política e a corrupção se entrelaçaram numa espiral negativa. O saldo é desemprego a 10% e a maior recessão em décadas. Presidente, a tarefa é árdua, mas você e equipe podem realizá-la. Como afirmou no discurso inaugural, o resgate da confiança é fundamental. Para isso, é preciso atacar em três frentes. Primeiro, garantir a continuidade da Lava Jato. O Brasil e o mundo não suportam mais a corrupção. Segundo, reequilibrar urgentemente as contas públicas, afastando de vez os temores de insolvência que geram insegurança e travam investimentos. Terceiro, é indispensável encaminhar as reformas estruturais, como a previdenciária, a tributária, a trabalhista e a política, defendidas pelos seus antecessores, mas jamais realizadas. Essas tarefas não são só de seu governo. Para tirar o país desse sofrimento e olhar à frente com esperança e confiança, precisamos estar todos engajados. O remédio pode ser amargo, desde que tire o país dessa situação crítica. Somos uma democracia vibrante, com instituições sólidas. Os Três Poderes e a população precisam se engajar nessa retomada, inclusive com críticas, mas sempre dentro das regras do jogo democrático. Tenho muito orgulho de ser brasileiro e sei que o nosso povo será capaz de superar mais essa crise. É urgente destravar a economia, voltar a crescer, investir, gerar emprego e aumentar a produtividade. Restabelecendo a confiança e o equilíbrio político e sinalizando que as dificuldades serão superadas, os investimentos voltarão. O Brasil tem muitas oportunidades, com mercado imenso e empresas, empreendedores e trabalhadores competentes. As dificuldades não desaparecerão da noite para o dia, todavia a esperança e a vontade de fazer as coisas certas podem começar a transformar o país. Meu apoio, acima de tudo, é e sempre será ao desenvolvimento do Brasil. Como foi o meu apoio a governos anteriores e a suas políticas que nos ajudaram a crescer e a reduzir desigualdades. Infelizmente, pouca coisa deu certo nos últimos anos. É preciso reconhecer isso e olhar à frente pensando no país. Não se deve praticar oposição destrutiva ou questionar a legitimidade do governo. A legitimidade virá de seu trabalho, presidente, e da aprovação e reconhecimento que os brasileiros venham a lhe dar. Creio que terá apoio no Congresso às reformas, mas é preciso trabalhar duro para unir as forças políticas no objetivo maior de recuperar o Brasil. O momento é de pensar menos em si e mais no país. Força, vá em frente. Seja o presidente de todos nós. Governe para todos, dos mais pobres aos mais ricos, dos trabalhadores aos empresários. Você pode. A gente é aquilo que escolhe ser na vida. Escolha ser o presidente que o Brasil anseia. Como faço sempre comigo, peço a Deus que ilumine o seu caminho e o daqueles que estão com você. E que um novo Brasil, melhor, esteja surgindo para todos os brasileiros. ABILIO DINIZ é presidente do Conselho de Administração da companhia de alimentos BRF * PARTICIPAÇÃO Para colaborar, basta enviar e-mail para [email protected]. Os artigos publicados com assinatura não traduzem a opinião do jornal. Sua publicação obedece ao propósito de estimular o debate dos problemas brasileiros e mundiais e de refletir as diversas tendências do pensamento contemporâneo
2016-05-17
opiniao
Opinião
http://www1.folha.uol.com.br/opiniao/2016/05/1771920-carta-ao-presidente.shtml
Cultura em risco
Um impasse foi criado no imenso território da cultura. A reintegração do Ministério da Cultura ao MEC, como proposto pelo governo Michel Temer, não daria vida a uma letra morta há 31 anos. O Ministério da Educação manteve a sigla, após a emancipação da Cultura, em 1985, porque o "C" não tivera maior significação. Havia ali representado apenas uma secretaria comprimida pelo peso das tarefas educacionais e a força das universidades. O ex-presidente Fernando Collor errou ao transformar o Ministério da Cultura (MinC), em 1990, em uma secretaria entregue a Ipojuca Pontes e à mestria dos caricaturistas, em meio a protestos de todas as procedências. A maioria dos setores culturais posicionou-se radicalmente contra o governo. Restaurado pelo presidente Itamar Franco, o MinC rendeu-lhe a simpatia da classe artística e o apoio do cinema nacional. Instalar novamente uma Secretaria da Cultura diretamente vincula à Presidência da República levaria ao palácio uma ação que não é benesse do chefe do Executivo, mas política de Estado. Emenda à Constituição consagrou o Sistema Nacional de Cultura, que prevê um órgão gestor, o Fundo Nacional e o Conselho Nacional de Política Cultural, entre outros pontos inerentes à ação sistêmica. Todos os Estados da Federação dispõem de um Plano Estadual de Cultura -Minas Gerais se prepara, na Assembleia Legislativa, para votar o último deles. Numerosos municípios igualmente aderiram ao sistema da Cultura. A extinção do ministério está em conflito com a normativa prevista na Carta Magna. A verba do Ministério da Cultura em 2015 correspondeu a 0,12% do Orçamento da União. Com recursos relativamente módicos, o governo poderia reavivar os programas contingenciados e aquecer a agenda da cultura, obtendo a atenção de artistas, autores, produtores, grupos e movimentos. Os chamados Pontos de Cultura e Pontos de Memória, numerosos país afora, são núcleos combativos que podem, caso atendidos após os cortes, estabelecer um processo político de opinião positiva em relação ao novo momento, após uma primeira primeira impressão bastante desfavorável. O Fórum Nacional dos Secretários e Dirigentes Estaduais de Cultura já se posicionou reativamente à proposta do governo. Da mesma forma, o Fórum Nacional dos Secretários de Cultura das Capitais. Há ainda vários outros fóruns da área de patrimônio histórico e criação artística. Muitos municípios possuem secretarias de cultura. Há cerca de 700 Conselhos Municipais de Patrimônio Cultural só em Minas. O governo Temer quer fazer da Cultura apenas um acessório dentro da gigantesca estrutura da Educação, como ocorreu até 1985, ou apêndice palaciano no Planalto, sem meios eficientes de interlocução, pondo fim a um diálogo que concorreu para com o fortalecimento do campo, cuja notável projeção na economia nacional mais uma vez é desconsiderada. Entre tantos cortes, não se há de abolir a sensibilidade intelectual e artística numa hora tão grave como a que atravessa o Brasil. ANGELO OSWALDO DE ARAÚJO SANTOS é secretário de Estado de Cultura de Minas Gerais. Foi presidente do Instituto Brasileiro de Museus (Ibram) e chefe de Gabinete de Celso Furtado no Ministério da Cultura (1986-1988) * PARTICIPAÇÃO Para colaborar, basta enviar e-mail para [email protected]. Os artigos publicados com assinatura não traduzem a opinião do jornal. Sua publicação obedece ao propósito de estimular o debate dos problemas brasileiros e mundiais e de refletir as diversas tendências do pensamento contemporâneo
2016-05-17
opiniao
Opinião
http://www1.folha.uol.com.br/opiniao/2016/05/1771921-cultura-em-risco.shtml
Poluição mundial
É sombrio o cenário traçado pela Organização Mundial da Saúde a respeito da qualidade do ar no planeta. Dados coletados em cerca de 3.000 cidades de 103 países mostram que mais de 80% dos moradores desses locais estão expostos a níveis de poluição que excedem os limites recomendados. Em nações de renda baixa e média, nada menos que 98% dos municípios com mais de 100 mil habitantes estão nessa situação. As estatísticas do órgão da ONU baseiam-se nas concentrações de dois tipos de material particulado, o PM2.5 e o PM10 —uma combinação tóxica de sulfatos, nitratos, amônia, poeira e outros compostos químicos, a maioria deles originária de atividades humanas como a queima de combustíveis fósseis. Embora o mundo inteiro seja afetado, o maior impacto ocorre no Oriente Médio, na África e no sudeste da Ásia, onde o processo de crescimento acelerado está por trás de índices de poluição de cinco a dez vezes acima do aceitável. Das 30 cidades com maior concentração de PM2.5, por exemplo, 16 estão na Índia. A China vem em seguida, com cinco. Nove outros países, incluindo Camarões, Irã e Paquistão, completam a lista. No Brasil, o cenário não é tão dramático, ainda que inspire cuidados. A poluição média na Grande São Paulo é cerca do dobro do aconselhado pela OMS. A recordista do país é Santa Gertrudes, pequena cidade paulista que concentra o maior polo ceramista nacional, cujos índices de concentração de PM2.5 e PM10 são, respectivamente, quatro e nove vezes acima do considerado saudável. A má qualidade do ar impõe enormes custos. A poluição constitui o maior risco ambiental à saúde, aumentando a prevalência de doenças coronárias e pulmonares e provocando diretamente mais de 3 milhões de mortes. São efeitos que reduzem a produtividade do trabalho e oneram os sistemas de saúde. O problema tende a se agravar no futuro. Hoje, aproximadamente 55% da população mundial vive em meios urbanos, percentual que deve atingir 70% em 2050. Tal processo leva ao incremento das fontes poluidoras industriais e ao aumento do tráfego de veículos. A melhora da qualidade do ar passa inevitavelmente pelo controle das emissões de gases do efeito estufa. Trata-se, portanto, de motivo a mais para que todos procurem cumprir as metas estipuladas no Acordo de Paris sobre o clima. [email protected]
2016-05-16
opiniao
Opinião
http://www1.folha.uol.com.br/opiniao/2016/05/1771595-poluicao-mundial.shtml
Na base da ideologia
A educação pública no Brasil padece de muitos males, a começar por sua ineficiência na missão fundamental de dar aos alunos o domínio da língua e da matemática. A ela se soma, em muitos centros, a predominância entre educadores de uma cultura esquerdista que os leva a confundir seu papel em sala de aula com o de doutrinadores. Como definiu sem rodeios um sindicato do ramo, o professor seria um "personagem indispensável nas lutas de classe". Contra isso se insurge o Escola sem Partido. Ocorre, porém, que o movimento vem fomentando a edição de leis municipais e estaduais que não só não resolvem o problema como também suscitam suspeita pertinente quanto a seu caráter autoritário. Legislação dessa natureza acaba de ser adotada em Alagoas. Na Câmara dos Deputados, em pelo menos nove Assembleias Legislativas e 17 Câmaras Municipais tramitam projetos contra "doutrinação ideológica" em matéria política, religiosa ou sexual. A norma alagoana estipula como dever do professor "abster-se de introduzir (...) conteúdos que possam estar em conflito com as convicções morais, religiosas ou ideológicas dos estudantes ou de seus pais ou responsáveis". Com essa generalidade, qualquer um poderia exigir a punição do docente que ensinar aos alunos os princípios do evolucionismo darwiniano, a anatomia da genitália humana, o pensamento de Karl Marx ou o reconhecimento legal de relações homoafetivas. Tais conteúdos factuais decerto conflitam com crenças e valores de alguns pais de alunos; no mundo atual, contudo, não haveria por que vedá-los, inclusive em escolas públicas. O Estado é leigo e não pode se pautar pelas convicções morais de indivíduos. Ao vedar "a prática de doutrinação política e ideológica", a legislação defendida pelo Escola sem Partido incorre num paternalismo em contradição com a orientação liberal que diz inspirá-la. Não se combatem eventuais abusos da liberdade docente com leis vagas e punitivas. Nenhuma norma será capaz de definir de modo operacional o que seja ou não seja ideologia em sala de aula, nem substituirá o diálogo dos pais e dos alunos com professores e diretores. Espera-se que a Base Curricular Comum ora em discussão, ao fixar o conteúdo mínimo que todo aluno tem direito de aprender, venha a dar mais clareza sobre o que nenhum professor pode omitir e nenhum pai tem o poder de censurar baseados apenas em suas inclinações particulares. [email protected]
2016-05-15
opiniao
Opinião
http://www1.folha.uol.com.br/opiniao/2016/05/1771333-na-base-da-ideologia.shtml
A Confeitaria do Custódio
Em política, a incompetência é quase sempre criminosa, e pelo menos em um ponto, aos gritos ou sussurros, praticamente todos concordam: o governo Dilma Rousseff foi muito ruim. É claro: se depois de seis anos de poder uma Presidência é incapaz de encontrar 172 deputados que lhe defendam, o problema maior não está nos deputados. A ideia de que houve um golpe não é só absurda -é ofensiva. Para quem viveu 1964, 1968 e acompanhou a ditadura militar nos anos 1970, chamar de golpe um mecanismo constitucional de que, aliás, nas últimas décadas o Partido dos Trabalhadores lançava mão gozosamente por qualquer "dá aqui aquela palha", agride a inteligência. Também não houve nenhuma revolução: o Brasil continua do mesmo tamanho, que é, infelizmente, pequeno. Estamos diante da placa da Confeitaria do Custódio, da cena de Machado de Assis no romance "Esaú e Jacó"(1904). Com a queda da Monarquia, troca-se a inscrição "Confeitaria do Império" por "Confeitaria da República" -mas vamos que dê uma reviravolta?! Um Maranhão qualquer? Melhor colocar "Confeitaria do Custódio", este cidadão brasileiro. Não vou me meter nessa história, ele diria -o país não é meu. Passei meses tentando escapar da histeria que se instalou no vácuo simbólico da Presidência, um vazio que se arrastava penoso. Como ficcionista, o que me interessa são muito mais as pessoas do que as ideias, tomadas abstratamente. Na abstração, com boa retórica, todos têm razão, e quando todos têm razão, é melhor ficar calado. Pouco se fala do caráter simbólico do poder político, e do quanto ele é importante -sua ausência produz histeria. O vazio estava demasiado e gritou-se muito para preenchê-lo. Tudo bem: virou-se a página -muito parecida com a anterior, o mesmo elenco de sempre, mas pode reservar surpresas, e isso, à falta de tudo, parece provisoriamente bom. A questão que me interessa agora é mais retrospectiva do que prospectiva: por que Dilma Rousseff, por um mágico estalo de dedos -"fiat Dilma!"- foi eleita duas vezes? Por que uma pessoa tão inextricavelmente inepta para a dimensão do cargo, por todas as evidências mais gritantes, foi ungida à condição de tocar o país? Duas vezes -na primeira, com sobra de votos; na segunda, raspando o travessão e às custas de uma campanha grotesca. Derrotada na vitória, tentou colocar em prática a política econômica de "direita" (para ficar nesses termos já sem sentido), porque, afinal, um país quebrado precisa com urgência produzir riqueza e a esquerda, infelizmente, ainda não descobriu a fórmula. Nada deu certo, e uma inesgotável maré de corrupção continua a exalar um invencível mau cheiro em torno do governo que saiu, onde quer que se aponte o nariz. O chavão diz que o Bolsa Família elegeu Dilma, como se fôssemos uma Suazilândia constituída de hordas de miseráveis atrás de um prato de sopa. Obviamente, não -quem elege presidente no Brasil é a nossa imensa e bruta classe média urbana, rebatedora de opinião, sob o sopro onipresente do que se pode chamar de moderna consciência social. É uma nuvem difusa, um poderoso Brasil nefelibata que, desde Cabral, de alto a baixo, ama o Estado. Nos auditórios acadêmicos de prestígio, o país vive renitentemente o sonho de Platão. No fundo da caverna de sombras, a realidade é só uma lembrança paradisíaca a ser resgatada, de acordo com um sagrado modelo em sépia. Boa parte da inteligência brasileira, como o filósofo em Siracusa, achou que havia tomado o poder, doravante seu irmão e seu companheiro, e o fim da história estava próximo, pela confortável força das ideias. O intelectual talvez tenha-se imaginado governo, e viu que aquilo era bom. O pobre do Custódio da Confeitaria nem precisava se afligir com a mudança -para nossa felicidade, mais uma vez houve apenas o simples triunfo da política sobre o vazio. CRISTOVÃO TEZZA, 63, é escritor. Publicou, entre outros, os romances "Trapo"(1988), "O Fotógrafo" (2004),"O Filho Eterno" (2007) e "O Professor" (2014) * PARTICIPAÇÃO Para colaborar, basta enviar e-mail para [email protected]. Os artigos publicados com assinatura não traduzem a opinião do jornal. Sua publicação obedece ao propósito de estimular o debate dos problemas brasileiros e mundiais e de refletir as diversas tendências do pensamento contemporâneo
2016-05-15
opiniao
Opinião
http://www1.folha.uol.com.br/opiniao/2016/05/1771273-a-confeitaria-do-custodio.shtml
Governo Temer será capaz de unir o país e superar a crise? NÃO
TENSÕES POLÍTICAS MARCARÃO GESTÃO Com o afastamento de Dilma Rousseff do governo por até 180 dias, Michel Temer tornou-se presidente interino da República com o propósito de constituir um governo de união nacional. Entretanto, algumas razões já antecipam que a tensão política, e não um pacto, deve marcar a gestão do PMDB. A primeira razão decorre da inabilidade política na montagem da equipe ministerial, sem que houvesse diálogo com os diversos setores de políticas públicas. A composição anunciada não reflete a pluralidade do país, o que dificulta a formação de um governo de união nacional. Um exemplo é a ausência feminina à frente dos ministérios, agravada pelo fato de a Secretaria de Políticas para as Mulheres, assim como a de Igualdade Racial e de Direitos Humanos, terem sido incorporadas ao Ministério da Justiça. Desde o presidente Ernesto Geisel (1974-1979) não se registrava um governo sem a presença feminina em primeiro escalão. Temer também abre um convite à crise política ao nomear citados na Operação Lava Jato, fator que pode ainda provocar grande instabilidade em seu governo. A segunda razão refere-se à baixa credibilidade social do presidente interino. Em todas as pesquisas de opinião, o padrão de rejeição a Temer é bem próximo ao de Dilma. Isso decorre dos inúmeros escândalos de corrupção envolvendo políticos do PMDB e do fato de Temer estar vinculado à trágica herança econômica do governo petista. A terceira razão tem a ver com os conflitos que podem ser causados pela escolha de determinadas soluções para problemas urgentes do país. O governo precisa melhorar o ambiente econômico e reverter o crescimento do desemprego. Isso implicaria a redução da taxa de juros -medida que parece paradoxal quando se lembra que a elevação da Selic foi uma estratégia de controle inflacionário muito utilizada por Henrique Meirelles, hoje ministro da Fazenda, quando esteve à frente do Banco Central durante o governo Lula. Outro risco de conflito decorre da necessidade de adoção de medidas urgentes para elevar a arrecadação do governo federal. Temer se comprometeu com setores empresariais a não elevar ou criar tributos. No entanto, é quase unânime entre os economistas a certeza de que não há saída para o ajuste que não passe pela elevação ou criação de impostos. A proposta de incluir a Previdência Social no Ministério da Fazenda sinaliza que o governo deverá tratar a questão prioritariamente pelo viés do equilíbrio financeiro. De fato sendo assim, um número significativo de sindicatos, inclusive ligados a partidos que apoiam o presidente interino, deve engrossar protestos em todo o país. Uma oposição vigorosa de partidos e movimentos sociais de esquerda, encabeçada pelo PT, também pode se tornar outro forte entrave para o novo governo. Por outro lado, é inegável que Temer criou condições de governabilidade que possibilitam, ao menos neste momento, uma boa relação com o Congresso. A negociação congressual, contudo, é apenas uma das vias para minimizar os conflitos. O governo precisará dialogar com grupos que têm ativos a perder com as mudanças enunciadas até agora. Resta saber o quanto o PMDB apostará em projetos de repactuação nacional ou se acreditará que apenas a maioria no Congresso será condição para garantir a legitimidade pública de medidas que prometem ser amargas. MARCO ANTONIO CARVALHO TEIXEIRA, 51, é cientista político, vice-coordenador do curso de administração pública e professor da Escola de Administração de Empresas de São Paulo da Fundação Getulio Vargas * PARTICIPAÇÃO Para colaborar, basta enviar e-mail para [email protected]. Os artigos publicados com assinatura não traduzem a opinião do jornal. Sua publicação obedece ao propósito de estimular o debate dos problemas brasileiros e mundiais e de refletir as diversas tendências do pensamento contemporâneo
2016-05-14
opiniao
Opinião
http://www1.folha.uol.com.br/opiniao/2016/05/1771272-governo-temer-sera-capaz-de-unir-o-pais-e-superar-a-crise-nao.shtml
Catálogo planetário
Esta foi uma grande semana para os astrônomos que buscam planetas fora do Sistema Solar. A Nasa, agência espacial norte-americana, anunciou a descoberta de 1.284 novos mundos. De uma só vez, o catálogo dos planetas encontrados pela sonda espacial Kepler mais que dobrou, passando de 1.041 para 2.325 (ao todo, são conhecidos cerca de 3.300). Todos orbitam estrelas localizadas numa fresta do céu entre as constelações de Cisne e Lira, onde a sonda, lançada em 2009, passou quatro anos escrutinando cerca de 150 mil astros brilhantes. Essencialmente um telescópio com câmera supersensível acoplada, o Kepler registrou de forma contínua a luz emitida por essas estrelas. Corpos que transitam diante delas provocam pequenas variações em seu brilho, base do método para detecção de planetas. Como outros fenômenos interferem no brilho das estrelas –caso de variação natural da atividade estelar ou da presença de outra estrela próxima–, os astrônomos precisavam recorrer a novas observações, feitas a partir da Terra, para ter certeza de que de fato avistavam novos planetas. Graças a um novo método desenvolvido pela equipe da sonda Kepler, tornou-se possível validar muitos candidatos de uma vez. Basicamente, analisa-se a interferência provocada no brilho da estrela levando-se em conta a probabilidade de ela resultar de outro fenômeno que não um planeta. Se a chance de ser um planeta superar 99%, ele será confirmado. A nova técnica acelera a análise dos dados coletados e torna dispensáveis observações adicionais. Dentre os astros anunciados nesta semana, destacam-se aqueles cuja distância de suas estrelas é compatível com a existência de água líquida e, presume-se, de seres vivos. Aos 12 encontrados previamente pela sonda juntaram-se nove. Com os novos dados, os astrônomos estimaram quantos planetas em zona habitável existem na Via Láctea: nada menos que 10 bilhões. Chegar até eles, porém, não é algo para essa geração. O mais próximo estaria a 11 anos-luz daqui, numa jornada que levaria milhares de anos com as atuais tecnologias. Após inaugurar uma nova era na astronomia, a missão Kepler deve ser encerrada neste ano. A sonda deixa um inestimável legado para os futuros telescópios, como o Tess, a ser lançada pela Nasa em 2017, e que irá ampliar para todo o céu a busca por novos mundos. [email protected]
2016-05-14
opiniao
Opinião
http://www1.folha.uol.com.br/opiniao/2016/05/1771217-catalogo-planetario.shtml
O dia seguinte de Dilma
Temos hoje no Brasil uma situação política rara em qualquer República: um presidente provisoriamente afastado de suas funções por até 180 dias. Nesse período, Dilma Rousseff poderá ser reconduzida à Presidência ou perder de vez o cargo. Na prática, o que muda com a suspensão da presidente? Dilma continuará a residir no Palácio da Alvorada e terá direito a uma equipe de assessores e seguranças, além de avião oficial, pois afastamento não é o mesmo que perda de cargo. E sim, isso está correto, é bastante republicano que se mantenha inalterada a rotina de quem se defende de impeachment. Apesar de continuar no Alvorada, Dilma perderá todos os poderes de presidente, inclusive os de despachar, assinar decretos, nomear/exonerar ministros. Também não poderá mais, na condição de presidente, representar o país em evento oficial. É esperado que Dilma, cada dia mais isolada mesmo entre os governistas, tente arquitetar com os aliados que lhe restarem uma frente de resistência. Essa construção político-social é positiva para as instituições, sendo desejável que Dilma, além de apresentar efetiva defesa jurídica, movimente o plano político em busca de recondução às suas funções, por mais improvável que isso nos pareça. Essa mobilização contribui para o jogo democrático. Não poderá, contudo, a presidente afastada valer-se de sua condição para achincalhar e difamar instituições em pleno funcionamento. Atravessamos grave crise político-econômica e ética, mas não institucional. Por mais turvas que estejam as águas, é no mínimo leviano, para não dizer criminoso, que alguém da estatura de um chefe de Estado brade aos quatro cantos que existe um golpe em marcha no país. Eventuais investigações que vierem a ser iniciadas contra a presidente nos próximos 180 dias serão ainda de competência do STF (Supremo Tribunal Federal). Dilma só perderá o foro privilegiado com a destituição definitiva do cargo, mas não poderá mais ser defendida pela Advocacia Geral da União. Como não houve vácuo de poder institucional, Michel Temer pôde assumir plena e legalmente a Presidência, com todos os direitos e deveres inerentes à função, inclusive prerrogativa de nomear e exonerar ministros de Estado. A expectativa é que o presidente interino tenha uma folgada maioria no Congresso. Apesar disso, precisará ser hábil para aproveitar a lua de mel parlamentar e estabilizar a economia. Fará o que sempre fez de melhor, um governo de conciliação, ajeitando interesses, acomodando agendas. Quem sabe, se realmente não for candidato em 2018, como tem dito, tome meia dúzia de medidas impopulares, mas necessárias, para iniciar imprescindíveis reformas. Talvez até ouse fazer um bom governo. Isso caso não sofra, ele mesmo, cassação ou processo de impeachment. Tudo nesse capítulo é novo, página em branco. Muitos serão os recursos, as consultas e a gritaria aos presidentes do Senado e do STF. Diante desse imbróglio político, já será um enorme ganho se restar para nós, enquanto nação, o modestíssimo desejo de sermos melhores que nossos governantes. MARINA TOTH, 31, advogada criminalista sócia do escritório Toth Advogados Associados, é mestre em processo penal pela University of Michigan Law School (EUA) * PARTICIPAÇÃO Para colaborar, basta enviar e-mail para [email protected]. Os artigos publicados com assinatura não traduzem a opinião do jornal. Sua publicação obedece ao propósito de estimular o debate dos problemas brasileiros e mundiais e de refletir as diversas tendências do pensamento contemporâneo
2016-05-13
opiniao
Opinião
http://www1.folha.uol.com.br/opiniao/2016/05/1770800-o-dia-seguinte-de-dilma.shtml
Corrida contra a zika
O surto de casos de microcefalia associados com o vírus da zika, no Brasil e noutros países, impulsionou um vagalhão de publicações científicas. A associação é nova e extraordinária, e a emergência por ela criada também imprime feições extraordinárias à onda de pesquisas sobre o assunto. A Organização Mundial da Saúde (OMS) declarou a microcefalia como emergência internacional em 1º de fevereiro. Em seu plano de ação, propôs acelerar a publicação de estudos e o desenvolvimento de vacinas, diagnósticos e terapias. Desde então, já editou 15 artigos em seu boletim especial, "Open Zika". A celeridade se justifica pelo imperativo de fazer circular mais rapidamente informações que possam ser úteis a outros pesquisadores e a profissionais de saúde no front de tratamento dos afetados. Para tanto, abre-se mão, temporariamente, da principal salvaguarda da qualidade científica, a revisão por pares ("peer review"). Em situação normal, o que decerto não se aplica à zika, pesquisas podem demorar vários meses para sair em periódicos. Isso em geral só ocorre depois de respondidas todas as questões suscitadas por revisores especializados. O vírus zika, embora isolado há sete décadas, é um grande desconhecido. Toda revelação sobre seu modo de atuação no organismo, com consequências tão devastadoras sobre o sistema nervoso humano, torna-se potencialmente valiosa e não pode dormir nas gavetas. Pesquisadores do mundo todo, e notadamente no Brasil, atenderam ao chamado da OMS e vêm publicando seus artigos de modo imediato, sem esperar pela chancela dos pares. Utilizam para isso repositórios eletrônicos de estudos preliminares, não auditados, como "bioRxiv" e "PeerJ Preprints". Assim procedem, entre outros os grupos de Paolo Zanotto, da USP, e de Stevens Rehen, da UFRJ. Eles têm veiculado por esse atalho estudos de grande repercussão, dos efeitos do vírus zika em minicérebros cultivados em laboratório à presença do vírus em saguis e macacos-prego do Ceará. A pressa, no entanto, não torna obsoleto o controle de qualidade, ainda que a posteriori. A zika engendrou uma situação excepcional, impondo a agilidade na divulgação de resultados. Leigos e especialistas, contudo, não podem perder de vista seu caráter preliminar e a necessidade de tomá-los pelo valor de face apenas depois de submetidos ao teste do tempo. [email protected]
2016-05-13
opiniao
Opinião
http://www1.folha.uol.com.br/opiniao/2016/05/1770822-corrida-contra-a-zika.shtml
Carta aberta ao presidente Temer
Senhor presidente Temer, O Brasil está prestes a assistir a um momento histórico: o afastamento da presidente da República. Mais importante ainda, um afastamento originado e motivado pela sociedade civil brasileira. Há 24 anos, a ideia do impeachment de Fernando Collor nasceu numa reunião de políticos e foi depois encampada com euforia pelos "caras pintadas", cheios de esperança. De lá para cá, pouco mudou. Dez anos depois, a República foi tomada por um grupo com um plano maquiavélico, ilegal e egoísta. Após a revelação do mensalão, mesmo com o esforço corajoso de alguns juízes e de provas inequívocas de como o poder era tratado por Lula, pouco aconteceu além de alguns empresários e políticos presos. A sociedade comemorou em casa. O impeachment de Collor e o mensalão não foram capazes de mudar o Brasil. Agora, sr. presidente, na iminência de sua posse, temos uma nova chance. E essa chance vem de um processo bem diverso do de 1992. Um relatório técnico, elaborado pelo TCU (Tribunal de Contas da União), escancarou uma tenebrosa face da prática política do governo Dilma. Entretanto, desta vez, indignado pelas descobertas da Operação Lava Jato, o povo decidiu tomar o destino em suas mãos e exigir justiça. Milhões de pessoas foram às ruas de forma pacífica, ordeira e constitucional, no que se configurou como as maiores manifestações sociais da história do Brasil. Aos poucos, um pequeno grupo de parlamentares, que se alinhara com a população desde o início, ganhou corpo e cresceu até atingir a significativa maioria do Congresso. Essa maioria, por fim, implementou a vontade das ruas no Parlamento. Foi assim, sr. presidente, que chegamos à sua posse. Desta vez, não podemos falhar. Já sabemos as consequências. Aprendemos que um mandato de dois anos pode fazer diferença, mas pode não ser suficiente. É imperativo que o novo governo trate não apenas da economia, mas de decência, ética, representatividade e gestão pública eficiente. O movimento Vem Pra Rua teve o privilégio de atuar com protagonismo neste processo. Nasceu com objetivos de médio e longo prazo, dentre os quais o afastamento da presidente e do estilo lulopetista de governar. Diante da iminência desse fato histórico, é crucial que tanto o senhor como a população saibam o que esperamos de sua administração e pelo que lutaremos. O fim da impunidade e o combate sistemático à corrupção são demandas inegociáveis. Elas incluem um posicionamento político inequívoco a favor da aprovação das dez medidas contra corrupção apresentadas pelo Ministério Público Federal e endossadas pela população brasileira, a serem aprovadas pelo Congresso Nacional. Além disso, é fundamental o apoio irrestrito à Operação Lava Jato e a outras da mesma natureza. No campo político, são urgentes medidas de aumento de representatividade. Voto distrital misto e recall são instrumentos fundamentais para o bom funcionamento da nossa democracia. O fim da reeleição e das coligações partidárias fecham o quadro necessário para iniciarmos um processo de renovação. No campo administrativo, demandamos eficiência e transparência da gestão pública. A redução imediata e significativa da máquina administrativa federal e a diminuição radical do número de ministérios e de cargos comissionados constituem um primeiro passo. Não toleraremos fisiologismos. Senhor presidente, o povo foi às ruas por mudanças e conta com seu comprometimento e sua coragem para implementá-las. A reconstrução da nação terá de considerar necessariamente o que se ouviu em uníssono nas ruas do Brasil. ROGERIO CHEQUER, 47, é empresário, líder e porta-voz do movimento Vem Pra Rua * PARTICIPAÇÃO Para colaborar, basta enviar e-mail para [email protected]. Os artigos publicados com assinatura não traduzem a opinião do jornal. Sua publicação obedece ao propósito de estimular o debate dos problemas brasileiros e mundiais e de refletir as diversas tendências do pensamento contemporâneo
2016-12-05
opiniao
Opinião
http://www1.folha.uol.com.br/opiniao/2016/05/1770359-carta-aberta-ao-presidente-temer.shtml
Constituição e o vale-tudo político
O Brasil está prestes a passar, mais uma vez, pela lamentável experiência de ter um chefe do Executivo impedido de suas funções devido a desvios cometidos no desempenho do cargo. O país pode se dar, no entanto, a chance de adotar melhores rumos e, no futuro, não ver repetidos os erros já cometidos. Colher os benefícios da ruptura legítima e necessária que representa a cassação de mandato de Dilma Rousseff depende do esforço e do compromisso de toda a sociedade e dos que optaram por liderá-la. Assim, será possível que a Constituição prevaleça sobre o vale-tudo político. Exemplo do tipo de problema, decorrente do vale-tudo, que espera a sociedade depois do impeachment foi dado nesta segunda (9) pelo presidente interino da Câmara, o deputado Waldir Maranhão. De forma despótica, ele anulou a sessão em que os deputados decidiram que pedaladas fiscais devem ser punidas com o impeachment. Com essa atitude, o deputado passou o recado de que a política baixa insistirá em existir. Por isso a OAB (Ordem dos Advogados do Brasil) exerce, de forma ativa, o papel que lhe foi atribuído pela Constituição: o de ser guardiã da própria Carta e também dos direitos e garantias individuais. A OAB não se furtou em cobrar o afastamento do deputado Eduardo Cunha e do senador Delcídio do Amaral, levando requisições ao Congresso e ao STF (Supremo Tribunal Federal). O mesmo ocorreu quando a Ordem, após ampla consulta aos representantes legítimos da advocacia, deu resposta jurídica à sociedade, afirmando que as pedaladas fiscais justificam a cassação da presidente. A OAB ainda viu outras razões para o impeachment: renúncias fiscais ilegais para a Fifa, tentativa de interferência no Judiciário e uso do cargo para beneficiar um aliado. Agora, entra em uma forte campanha sobre conscientização eleitoral. É uma forma de não discutir os problemas apenas durante crises. O deputado Waldir Maranhão pode ser desconhecido pelo grande público, mas está no terceiro mandato, tem histórico de problemas com a Justiça Eleitoral e é investigado pela Operação Lava Jato. São imensos os prejuízos causados pelo fato de Maranhão ter um mandato. Sozinho, ele decidiu afrontar a solidez das instituições. Quis ser maior do que o plenário da Câmara (que é formado por 513 deputados e aprovou o impeachment), do que o Supremo Tribunal Federal (composto por 11 ministros e que definiu as regras para a condução do processo no Congresso) e do que a comissão especial do Senado (integrada por 21 senadores titulares e 21 suplentes, também ratificou a decisão do plenário da Câmara). Já os benefícios temporários da canetada, aparentemente, são extensíveis ao grupo político contrário ao impeachment e também a especuladores que ganharam dinheiro no mercado financeiro. Inexistem na Constituição, na Lei 1.079/50 e no Regimento da Câmara as hipóteses usadas pelo deputado para justificar a anulação da sessão. Além disso, com o processo já no Senado, ele não tem competência para decidir sobre a questão. Antes de votar para prefeitos e vereadores neste ano, os eleitores devem pesquisar sobre os candidatos. É preciso cobrar coerência dos agentes públicos de forma constante, não apenas nas crises. Não é possível, por exemplo, que o próximo governo queira, como aventado pela imprensa, formar um ministério com investigados pela Lava Jato. Esse tipo de nomeação contraria as necessidades do Brasil. O resultado da sessão prevista para esta quarta (11) no Senado inaugurará um novo momento na política. Todavia, com a presidente Dilma afastada ou mantida em suas funções, os problemas do país não desaparecerão magicamente. A sociedade civil não pode deixar de ser vigilante. E a classe política terá que mostrar mais eficiência e adequação aos novos tempos. CLAUDIO LAMACHIA, 55, é presidente nacional da OAB - Ordem dos Advogados do Brasil * PARTICIPAÇÃO Para colaborar, basta enviar e-mail para [email protected]. Os artigos publicados com assinatura não traduzem a opinião do jornal. Sua publicação obedece ao propósito de estimular o debate dos problemas brasileiros e mundiais e de refletir as diversas tendências do pensamento contemporâneo.
2016-10-05
opiniao
Opinião
http://www1.folha.uol.com.br/opiniao/2016/05/1769542-constituicao-e-o-vale-tudo-politico.shtml
Abaixo as intolerâncias!
Vivemos um tempo marcado pela intolerância religiosa, pela xenofobia, pela homofobia, pelos racismos de todo tipo, pelo machismo e por conservadorismos de toda espécie. Vivemos hoje no Brasil uma fase de acirramento de rivalidades ideológicas que podem acabar nos conduzindo à exclusão, à marginalização, à negação da liberdade de comunidades inteiras. Nosso dever é conclamar para a sensatez. Nosso dever é ressaltar a importância da convivência pacífica e respeitosa entre as diferenças, e estimular as atitudes de respeito mútuo. Nosso dever é defender a democracia e o Estado de direito. É parte deste contexto assunção de uma posição firme contra a intolerância religiosa que tem tomado proporções alarmantes entre nós. Especialmente quando acontece em um país que tem procurado se distinguir pela alegria e possibilidade de construir uma convivência harmoniosa, fundada na justiça social. A religião, tal como a ciência, tanto pode ser usada para oprimir o ser humano quanto para libertá-lo. A religião que liberta é a religião que expande a esfera do humano, tanto no rumo da redenção espiritual quanto no rumo de uma vida voltada para tornar o mundo um lugar melhor. As religiões nasceram para unir as pessoas num só impulso de transcendência, não podem se permitir ser instrumento de dominação política ou econômica. Quem se aproxima do Deus em que acredita deve necessariamente aproximar-se também dos seus semelhantes. Para ajudar, nunca para explorar. Para salvar, nunca para oprimir. A convivência harmoniosa entre as religiões deve se basear no que as une: todas buscam explicações divinas para o sentido da vida. Todas as culturas convergem quando dialogam com o divino, cada uma de acordo com sua própria história e sua própria linguagem. Todas elas buscam explicações para o início e o fim dos tempos. Por tudo isso, temos que respeitar os rituais alheios e respeitar neles o mesmo impulso de fé e de amor ao próximo que alimenta a crença de cada um. Defendemos não apenas o direito de cultuar sua fé religiosa, mas o direito de fazê-lo publicamente, sob a proteção de um Estado imparcial que assegure a todos os cultos o mesmo respeito e o mesmo espaço. O mesmo direito de estudar e ensinar publicamente as suas tradições, e também de poder acolher livremente todos os que livremente forem ao seu encontro. As religiões de matriz africana são bons exemplos do que digo, testemunhos vivo dessa ação, exemplo para uma democracia das crenças no Brasil. Exemplo de uma imensa riqueza espiritual e única. E de uma capacidade enorme de diálogo com outras culturas. Ainda não conseguimos apagar as marcas da escravidão em nós, algo facilmente constatável em nosso cotidiano, em nossa maneira de ser e em nossa organização social. Grande parte destas marcas, é bom que se diga, se naturalizam culturalmente. Mesmo assim, a sórdida experiência escravista não conseguiu apagar o brilho dos saberes que os negros trouxeram da África. As casas de santo são hoje símbolos de nossa nacionalidade. Além de constituírem sítios sagrados para amplas parcelas da população brasileira, os terreiros de candomblé mais antigos e tradicionais constituem marcos urbanos e paisagísticos e importantes testemunhos históricos da resistência cultural dos povos de origem africana e de suas lutas. Nas condições adversas da escravidão, construir o espaço religioso e de transmissão cultural lhes era negado na maioria das vezes. Os terreiros de candomblé são, ainda, lugares privilegiados de transmissão de conhecimentos tradicionais religiosos e medicinais, de produção cultural, de preservação de memórias ancestrais e de preservação das línguas africanas que já não têm uso cotidiano. Lembremos também que o reconhecimento de terreiros de candomblé como patrimônio cultural não foi um processo fácil no Brasil. Num tempo em que vemos aumentar impulsos irracionais de exclusão, de marginalização, de negação da liberdade do outro, nada mais importante do que prestigiar iniciativas de afirmação das diferenças, da convivência pacífica e respeitosa com os contrários, do gesto de respeito com que uma comunidade saúda e homenageia os valores de outra. Iniciativas essenciais para a formação de uma mentalidade que tenha a liberdade, a autodeterminação e a justiça social como ideais fundadores de uma sociedade plural como a nossa. JUCA FERREIRA é sociólogo e ministro de Estado da Cultura * PARTICIPAÇÃO Para colaborar, basta enviar e-mail para [email protected]. Os artigos publicados com assinatura não traduzem a opinião do jornal. Sua publicação obedece ao propósito de estimular o debate dos problemas brasileiros e mundiais e de refletir as diversas tendências do pensamento contemporâneo.
2016-10-05
opiniao
Opinião
http://www1.folha.uol.com.br/opiniao/2016/05/1769567-abaixo-as-intolerancias.shtml
Por eleições já!
A crise política e econômica brasileira não será resolvida sem a participação do povo, legítimo detentor do poder nos regimes democráticos. Essa crise que derrete nossa economia e destrói conquistas alcançadas recentemente é resultado de erros na condução do modelo econômico e de dificuldades de articulação política. Em abril de 2015, foi designado ao PMDB, com a liderança do vice-presidente Michel Temer, o desafio de melhorar a qualidade da coalizão que governa o Brasil. Temer foi escalado para intermediar a relação do Planalto com o Congresso Nacional. A articulação era, naquele momento, a palavra de ordem, como perdura até os dias de hoje. Mesmo com resistências pontuais, o Congresso não deixou de aprovar nenhuma das medidas do ajuste fiscal que tinham sido apresentadas em 2014, antes mesmo do início do segundo mandato da coalizão. Já em 2015, sob a mesma gestão, o Parlamento foi cobrado a não impedir a retomada do crescimento e respondeu entregando as medidas. Diante das críticas da base governista e da oposição, o vice-presidente chegou a afirmar, em junho de 2015, que "o ajuste fiscal que o [então ministro da Fazenda Joaquim) Levy está levando adiante, em um primeiro momento, parece uma coisa difícil, complicada, mas que vai dar os melhores resultados". O grupo de senadores que apoia este artigo vem apontando, em diversos episódios, os riscos acarretados pela tenebrosa situação em que nos encontramos. Em agosto do ano passado, a presidente Dilma Rousseff recebeu parte deste grupo de senadores "independentes". Entregamos na ocasião uma carta com sugestões. Nosso propósito era que o governo reconhecesse seus erros e adotasse nova postura para superar a crise. Um dos pontos de nossa carta tratava da dificuldade de relação entre os partidos da base governista. Defendíamos no documento que a condução do país deveria ser assumida com uma postura suprapartidária, repactuando a nação. No lugar da disputa entre siglas por cargos e verbas, deveríamos buscar na base a formação de um "partido do Brasil". Nossas propostas foram bem recebidas, mas nunca foram de fato encampadas pelo Planalto. Os frutos do desajuste político não demoraram a ser colhidos: a infraestrutura do país em frangalhos, a paralisação de obras, a segurança pública em verdadeiro colapso, a deterioração da saúde, o desemprego crescente e Estados em situação de calamidade financeira. A gravidade do momento só será superada por atos de grandeza e coragem de nossas lideranças políticas. Por isso, entendemos que a condução da nação não pode ser feita por apenas um dos membros da chapa eleita nas urnas, agora dividida. O país reclama um novo pacto, que só terá legitimidade com respaldo do voto popular. Devemos dar aos cidadãos a oportunidade de colocar o Brasil novamente nos trilhos. Nesse sentido, apresentamos à Mesa do Senado Federal a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) Nº 20/2016, que pede a realização de eleições diretas para presidente e vice da República no dia 2 de outubro deste ano, juntamente com as eleições municipais. A proposta foi subscrita por 30 senadores. O pacto por novas eleições é uma solução para o país e devolve ao povo o direito de opinar e de escolher os chefes da nação. Por eleições já! JOÃO CAPIBERIBE é senador (PSB) por Amapá PAULO PAIM é senador (PT) pelo Rio Grande do Sul WALTER PINHEIRO é senador (sem partido) pela Bahia * PARTICIPAÇÃO Para colaborar, basta enviar e-mail para [email protected]. Os artigos publicados com assinatura não traduzem a opinião do jornal. Sua publicação obedece ao propósito de estimular o debate dos problemas brasileiros e mundiais e de refletir as diversas tendências do pensamento contemporâneo.
2016-10-05
opiniao
Opinião
http://www1.folha.uol.com.br/opiniao/2016/05/1769555-por-eleicoes-ja.shtml
Surpresa grotesca
Para empregar um dos bordões mais celebrados pelo PT em seus anos de bonança no governo federal, nunca antes na história do país se viu uma crise tão marcada pelo imponderável quanto esta. Das revelações no âmbito da Operação Lava Jato às decisões sem precedentes do Supremo Tribunal Federal, passando pelas deploráveis manobras conduzidas pelo deputado Eduardo Cunha (PMDB-RJ) quando ainda comandava a Câmara, não foram poucos os episódios imprevisíveis que redefiniram o curso do processo político. Para o deputado Waldir Maranhão (PP-MA), entretanto, era necessário alargar ainda mais o campo do improvável. Talvez procurando rivalizar em autoritarismo com aquele a quem substitui no cargo, o presidente interino da Câmara resolveu nesta segunda-feira (9) protagonizar uma farsa grotesca. Aceitando recurso apresentado pelo governo Dilma Rousseff (PT), Maranhão achou que seria boa ideia declarar nula a sessão em que 367 deputados votaram a favor do impeachment da presidente. Entre os argumentos alinhavados, só um mereceria alguma consideração: o de que os partidos não poderiam ter orientado a manifestação de seus integrantes. A lei que regula o tema de fato desautoriza encaminhamento de votação. O aparente respaldo legal não torna a alegação menos ridícula. Na prática, o próprio Maranhão, por exemplo, contrariou a posição majoritária de sua sigla. Além disso, do ponto de vista formal, não houve encaminhamento de votação propriamente dito, mas simples exposições dos partidos. Debater nesse termos, porém, já é levar a sério demais uma resolução descabida, amparada no mero desejo de conquistar alguns minutos de fama e de prolongar os estertores de um governo que, há muito sem saber o que propor ao país, luta somente por apego ao poder. Diante das circunstâncias, não se pode condenar o presidente do Senado, Renan Calheiros (PMDB-AL), por ter simplesmente ignorado o ato de Maranhão. Decerto haveria menos atrito se ele esperasse que o plenário da Câmara ou o STF revogasse a decisão esdrúxula. Seria absurdo, por outro lado, dar legitimidade a uma bizarria monocrática, como se esta pudesse se sobrepor à vontade de mais de 70% dos deputados. Para que não fique aberta essa brecha para questionamentos, todavia, é imperativo que o plenário da Câmara aprecie quanto antes a decisão de seu presidente interino —que seguramente não reflete o pensamento da Casa. Personagens burlescos como Waldir Maranhão até podem servir a um governo em desespero; ao país, porém, interessa que sejam contidos pelas instituições da República, sob pena de a cada vez mais desgastada imagem do país sofrer danos irreparáveis. [email protected]
2016-10-05
opiniao
Opinião
http://www1.folha.uol.com.br/opiniao/2016/05/1769565-surpresa-grotesca.shtml
Chega de golpes na América Latina
A democracia, cuja conquista nos custou tanto, está novamente em risco na América Latina. A situação que o Brasil vive hoje afeta a todos os povos da região. Em minha passagem recente pelo Brasil, reuni-me com a presidente Dilma Rousseff para oferecer meu apoio e o de muitas organizações, dado que a oposição no Congresso procura destituí-la do cargo, que ela assumiu pelo voto majoritário, por meio de impeachment baseado em um delito inexistente. A oposição aponta contra Dilma procedimentos contábeis já praticados por governos anteriores, e inclusive por muitos dos acusadores da presidente. Trata-se de uma situação semelhante aos golpes brancos que já vimos recentemente em Honduras e no Paraguai. Todos motivados por procedimentos ilegais para violentar a vontade popular, com um aumento da repressão e das políticas contra o povo. Há, por trás desse processo de destituição, um projeto econômico explícito de maior dependência, privatização e desnacionalização. Provável futuro presidente da República, Michel Temer já manifestou sua intenção de impor ao Brasil políticas econômicas contrárias às escolhidas pelos eleitores, como privatizar tudo o que for possível da infraestrutura do país e reduzir as políticas sociais das quais dependem os setores mais vulneráveis. O Senado Federal do Brasil convidou-me cordialmente a oferecer uma mensagem na sessão do dia 28 de abril, e ali transmiti minhas saudações e a preocupação com a possibilidade de um golpe de Estado no Brasil. Lamentavelmente, a resposta dos senadores da oposição não foi levantar dúvidas sobre o processo que promovem, mas pedir que as palavras "possível golpe", contidas em minha breve mensagem, fossem cortadas da versão estenografada. Após a sessão, tivemos um encontro com dom Leonardo Steiner, secretário-geral da CNBB (Conferência Nacional dos Bispos do Brasil), que nos manifestou sua preocupação com a situação do país, com o aumento do ódio, da intolerância e da descrença na política e na institucionalidade. Steiner mostrou-se também aflito com a atitude da direção política opositora, que, na sessão da Câmara dos Deputados que aprovou o impeachment, permitiu que parlamentares fizessem apologia da ditadura e da tortura, sem sofrerem qualquer reprimenda. Ele teme que o clima exaltado das ruas transcenda os limites do respeito. Por sua parte, o presidente do Supremo Tribunal Federal, Ricardo Lewandowski, de maneira muito respeitosa, transmitiu-nos sua inquietação diante de uma crise política de tal magnitude, que não se imaginava mais possível após a redemocratização do Brasil. Encerrei minha visita compartilhando o Dia do Trabalho com os movimentos sociais que lutam para defender os direitos de nossos povos à terra, ao teto, ao trabalho e à democracia. A ansiedade desses grupos não é pouca, levando em conta que os deputados da Frente Parlamentar da Agropecuária já estão pedindo a Temer que use as Forças Armadas para reprimir protestos sociais e desalojar assentamentos rurais e indígenas. As organizações sociais brasileiras resistem com esperança, pois sabem que a luta é justa. Elas contam com a solidariedade de várias entidades internacionais. Não queremos mais golpes de Estado na América Latina. ADOLFO PÉREZ ESQUIVEL, 85, argentino, é arquiteto, escultor e ativista dos direitos humanos. Recebeu o Prêmio Nobel da Paz em 1980 Tradução de CLARA ALLAIN * PARTICIPAÇÃO Para colaborar, basta enviar e-mail para [email protected]. Os artigos publicados com assinatura não traduzem a opinião do jornal. Sua publicação obedece ao propósito de estimular o debate dos problemas brasileiros e mundiais e de refletir as diversas tendências do pensamento contemporâneo.
2016-09-05
opiniao
Opinião
http://www1.folha.uol.com.br/opiniao/2016/05/1769218-chega-de-golpes-na-america-latina.shtml
Por cidades mais limpas e amigáveis
O Acordo de Paris de Mudanças Climáticas, já assinado por mais de 175 países, deve boa parte de seu sucesso ao reconhecimento, por parte dos governos nacionais, do progresso feito pelas cidades na redução das emissões de carbono. Hoje, quando líderes mundiais se reúnem em Washington para discutir como alcançar as metas estabelecidas em Paris, devem se concentrar em como ajudar as cidades a reduzir ainda mais essas emissões. Atualmente, mais da metade da população mundial vive em grandes centros urbanos. Todos os dias, as cidades do mundo crescem cerca de 60 km² -uma área equivalente ao distrito de Manhattan, em Nova York. A forma como esse crescimento se dará nos próximos anos determinará se conseguiremos evitar os piores impactos das alterações climáticas. Também terá grandes implicações na economia e na saúde pública. Planejar as cidades em torno de transportes de massa acessíveis expande as oportunidades econômicas e, ao mesmo tempo, limpa o ar que respiramos. Edifícios inteligentes, dotados de tecnologia para racionalizar o consumo de energia, e o uso da terra poupam os recursos naturais e protegem seus habitantes de eventos climáticos extremos. Os governos nacionais podem fazer muito para ajudar a aceleração desse processo. Esse também é um objetivo central da Coligação para Transições Urbanas, uma nova iniciativa da comissão global New Climate Economy lançada na semana passada em Washington. A coligação, composta por líderes financeiros e empresariais mundiais, autoridades municipais e especialistas em planejamento urbano, irá ajudar a alcançar as metas climáticas acordadas em Paris. Proporá, entre outros pontos, ênfase maior no planejamento econômico nacional, na melhora do acesso ao financiamento de infraestruturas de baixo carbono, na defesa das vantagens econômicas de um crescimento urbano amigável ao clima, especialmente nos países em desenvolvimento. Ações para reduzir as emissões de carbono devem gerar uma economia de US$ 17 trilhões (R$ 59 trilhões) até 2050. Esses esforços salvarão vidas, pois a poluição do ar contribui para mais de 10 mil mortes prematuras a cada dia. O transporte de massa pode ajudar a reduzir acidentes de trânsito e também aumentar a atividade econômica, limitando os congestionamentos. E tornar algumas áreas mais amigáveis aos pedestres, tais como as margens de um rio em Paris no verão, pode melhorar a qualidade de vida dos moradores. Ter cidades mais fortes é do interesse de todas as nações -afinal, elas representam 85% do PIB global e são fortes indutoras do processo tecnológico e inovação política. Muitos governos reconhecem isso e já estão adotando medidas para integrar melhor as cidades ao planejamento econômico nacional. Ainda assim, muito mais precisa ser feito. O relógio está correndo. Dando às metrópoles o poder de agir e inserção no centro das estratégias econômicas nacionais, poderemos proteger o nosso planeta, ao mesmo tempo em que construiremos um futuro melhor para o crescente número de pessoas que chamam as cidades de lar. ANNE HIDALGO é prefeita de Paris EDUARDO PAES é prefeito do Rio de Janeiro MICHAEL BLOOMBERG empresário e ex-prefeito de Nova York (2002-2013), é enviado especial para Cidades e Mudanças Climáticas da ONU (Organização das Nações Unidas) * PARTICIPAÇÃO Para colaborar, basta enviar e-mail para [email protected]. Os artigos publicados com assinatura não traduzem a opinião do jornal. Sua publicação obedece ao propósito de estimular o debate dos problemas brasileiros e mundiais e de refletir as diversas tendências do pensamento contemporâneo.
2016-08-05
opiniao
Opinião
http://www1.folha.uol.com.br/opiniao/2016/05/1768952-por-cidades-mais-limpas-e-amigaveis.shtml
Senado deve instaurar processo de impeachment da presidente Dilma? SIM
VAI PASSAR O remédio para quem pratica crimes de responsabilidade é o impeachment. É o que diz a Constituição. Os defensores da presidente Dilma Rousseff sustentam, como mero discurso retórico, que estamos diante de uma denúncia sem crimes. Perguntam, ao vento: que crimes ela cometeu? Ora, a denúncia apresentada perante a Câmara dos Deputados é clara: Dilma está sendo acusada da prática de condutas ilegais que atentaram contra a responsabilidade fiscal, as leis orçamentárias e o devido emprego do dinheiro público. Em primeiro lugar, sustenta-se que a presidente editou seis decretos, abrindo créditos suplementares sem a autorização do Congresso Nacional. No total, foram cerca de R$ 96 bilhões. Ocorre que o artigo 4º da Lei Orçamentária exige, para a edição desses decretos, que se mantenha o montante global de despesas e que não se altere a meta fiscal, já previamente autorizados. Qualquer mudança que importe em descumprimento dessas condições necessita passar novamente pelo Congresso. Não o tendo feito, o governo cometeu crimes contra as leis orçamentárias. Em segundo lugar, a presidente praticou as chamadas "pedaladas fiscais", que nada mais são do que contratações ilegais de operações de crédito. Dilma é acusada de ter contraído operações de financiamentos em favor da União com bancos públicos federais (Banco do Brasil, BNDES e Caixa) e o FGTS. Em 2015, o governo federal deixou de repassar ao Banco do Brasil os valores desembolsados para subsidiar as taxas de juros subvencionadas do financiamento agrícola (Plano Safra). Contraiu, assim, operação de crédito: até junho daquele ano, a dívida com o banco alcançava R$ 13 bilhões. Só veio a ser paga quando o governo foi compelido pelo Tribunal de Contas da União. Ocorre que a Lei de Responsabilidade Fiscal proíbe operação de crédito entre ente público e banco de que seja controlador em seu benefício financeiro. Portanto, Dilma incorreu também em crime contra a guarda e o legal emprego do dinheiro público. São essas as acusações. Conforme apuração da comissão especial do Senado, há indícios suficientes para apontar a responsabilidade da presidente da República. A irresponsabilidade fiscal teve consequências nefastas para o povo brasileiro: 10,7% de inflação em 2015, 11 milhões de desempregados, queda sucessiva de renda per capita e previsões desanimadoras. Somos hoje um dos países que menos crescem no mundo, a lanterna da América Latina, ao lado da Venezuela. Esses dados são mais do que suficientes para convencer o Senado Federal da gravidade dos crimes de responsabilidade e, portanto, da necessidade de aprofundar a investigação sobre a presidente. Nada há que se falar em golpe, portanto. Isso não passa de mera retórica do discurso de manipulação social. Nenhuma ação concreta se tomou até agora contra tal golpe. Isso jamais será feito, pois o foro adequado para tanto é o próprio Poder Judiciário, que, afinal, tem chancelado todo esse processo. Trata-se, enfim, simplesmente de julgar se o gestor público deve cumprir ou não as leis. E não quaisquer leis, mas leis do equilíbrio fiscal e financeiro do Estado. Conquistas valiosas da sociedade que integram o patrimônio democrático e jurídico da nação. ALOYSIO NUNES FERREIRA, 70, é senador pelo PSDB de São Paulo e membro titular da comissão especial do impeachment * PARTICIPAÇÃO Para colaborar, basta enviar e-mail para [email protected]. Os artigos publicados com assinatura não traduzem a opinião do jornal. Sua publicação obedece ao propósito de estimular o debate dos problemas brasileiros e mundiais e de refletir as diversas tendências do pensamento contemporâneo.
2016-07-05
opiniao
Opinião
http://www1.folha.uol.com.br/opiniao/2016/05/1768840-senado-deve-instaurar-processo-de-impeachment-da-presidente-dilma-sim.shtml
Ciência e educação, políticas de Estado
Se numa transição governamental normal (via eleições) a ciência e a educação devem ser entendidas e tratadas como política de Estado, a assunção de um novo governo pelo afastamento, temporário ou definitivo, do anterior não pode negar essa condição aos temas que mais dizem respeito ao futuro do país. A notícia de que um bispo licenciado da Igreja Universal do Reino de Deus (Marcos Pereira, presidente nacional do PRB) é cotado para assumir o Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação, em eventual governo Temer, mostra que a barganha política está acima dos critérios de competência, afinidade e compromissos com a área. Não temos nada contra religiões, nem contra a pessoa do político cotado para o posto, mas não se pode misturar preceitos religiosos com a ciência. Precisamos de um ministro empenhado no progresso científico, com conhecimento a acrescentar, e não de um político com agenda religiosa. Durante décadas, repetimos exaustivamente que os rumos da ciência e tecnologia e da educação não poderiam continuar submetidos exclusivamente aos interesses do governante que estivesse ocupando o Palácio do Planalto. O Brasil caminhou e podemos dizer que, nos últimos anos, ciência e tecnologia e educação vêm avançando progressivamente para atingir o status de políticas de Estado. Portanto, não podemos admitir a possibilidade de retrocessos. Conseguimos, a partir do momento em que a educação passou a superar a condição de política de governo, universalizar o acesso ao ensino básico, estabelecer mecanismos de avaliação em todos os níveis do sistema e envolver a sociedade nas lutas pela melhoria da escola. Ainda precisamos universalizar a qualidade do ensino, especialmente na escola pública. O tamanho dessa tarefa nos faz exigir, na iminência de um novo governo, que as questões educacionais tenham tratamento à altura deste desafio: gente competente no Ministério da Educação (do ministro aos chefes de programas), orçamento condizente com a importância da pasta, eficiência administrativa e diálogo com a comunidade educacional. Com a ciência, o quadro é o mesmo: avançamos nos últimos anos, mas há chão pela frente -principalmente porque o conhecimento científico está associado a três níveis de desenvolvimento indispensáveis ao Brasil de hoje e de amanhã. Um nível é o da ciência como base do desenvolvimento tecnológico e da inovação, ferramentas cada vez mais utilizadas para a promoção da competitividade das empresas e das economias nacionais. O outro nível é o de desenvolvimento humano. Por exemplo, ao potencializar a funcionalidade de alimentos; ao pesquisar doenças, suas causas, comportamento e remédios; ao desenvolver equipamentos de alta tecnologia para diagnóstico e cura de enfermidades. O terceiro nível é o da sustentabilidade ambiental com desenvolvimento econômico. Conhecer e explorar nossos recursos naturais são dois aspectos que se interligam. Não há outra alternativa que não seja recorrer à ciência para termos as respostas que nos indiquem os caminhos corretos para utilização das riquezas da nossa biodiversidade. Nesses três níveis, a ciência brasileira já caminhou consideravelmente, mas ainda tem muito a contribuir com o país. Portanto, para o Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação também deve haver pré-requisitos: escolha de um ministro compromissado com o saber científico, seu desenvolvimento e sua aplicação; orçamento que acompanhe a curva histórica de crescimento; investimento equilibrado em ciência básica e na sua aplicação. Precisamos de ações e pessoas à altura do Estado brasileiro. HELENA NADER, 68, biomédica e professora titular de biologia molecular da Unifesp, é presidente da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC) * PARTICIPAÇÃO Para colaborar, basta enviar e-mail para [email protected]. Os artigos publicados com assinatura não traduzem a opinião do jornal. Sua publicação obedece ao propósito de estimular o debate dos problemas brasileiros e mundiais e de refletir as diversas tendências do pensamento contemporâneo.
2016-06-05
opiniao
Opinião
http://www1.folha.uol.com.br/opiniao/2016/05/1768304-ciencia-e-educacao-politicas-de-estado.shtml
Saúde mental espera por dias melhores
Quando Valencius Wurch assumiu a Coordenação Nacional de Saúde Mental do Ministério da Saúde, iniciaram-se manifestações, em todo o país, lideradas pelo chamado movimento antimanicomial. A indignação em relação ao novo coordenador deve-se ao fato de que Wurch dirigiu a Casa de Saúde Dr. Eiras, fechada em 2012 por apresentar irregularidades. Apesar de também discordar desse formato, a Associação Brasileira de Psiquiatria (ABP) decidiu conhecer a proposta da nova gestão antes de partir para julgamentos. Durante tempos, essa coordenação negligenciou a importância do tratamento do doente mental, a ponto de nos fazer pensar que não tinha como piorar. No Brasil, o cenário atual é gravíssimo. Só na cidade de São Paulo, por exemplo, dos 15 mil moradores de rua, 70% têm transtornos psiquiátricos. Já no Estado, dos 230 mil presos, ao menos 12% possuem transtornos mentais graves, como esquizofrenia, deficiência mental ou depressão. Questionamos se nesses casos, respectivamente, eles vivem na rua por opção ou se a cadeia é o local apropriado. Somos todos antimanicomiais e a favor da combinação das melhores técnicas e tecnologias em prol da recuperação, reabilitação e reinserção dessas pessoas na sociedade. O modelo de assistência centrado no hospital (hospitalocêntrico) é obsoleto e desnecessário. Mas o hospital psiquiátrico especializado tem o seu espaço, assim como as unidades especializadas em cardiologia e em oncologia são indispensáveis. O Sistema Único de Saúde (SUS) precisa se tornar uma rede abrangente, de fácil acesso, com opções coerentes de tratamento. Ao invés disso, faltam ambulatórios e leitos em hospitais gerais e psiquiátricos. A antiga coordenação não tinha sensibilidade para compreender que o paciente com transtorno mental necessita de um atendimento diferenciado. Ao contrário, insistiu apenas no Centro de Atenção Psicossocial (CAPS), o que chamamos de capscêntrico, modelo que só existe no Brasil, e que notoriamente é insuficiente e falido. Enquanto no sistema público há tantos problemas, no privado o nosso país é referência em psiquiatria - o que é bastante contraditório, pois os mesmos profissionais atuam em ambos. A diferença é que, no público, médicos e outros profissionais não têm condições de trabalho. Esse desequilíbrio ocorre há quase 30 anos e não pode continuar. Não suportamos mais ser vítimas dessa inquisição governamental. A situação atual é tão desoladora para médicos, profissionais de saúde mental, pacientes e familiares que nossos votos são de esperança. A ABP espera que a nova coordenação crie uma política pública de assistência em saúde mental que privilegie a promoção da saúde, a prevenção da doença e o tratamento ideal. Buscando dias melhores, preferimos nos colocar à disposição para ajudar. Optamos por conhecer a proposta e, se nada acontecer, teremos argumentos para cobrar. Pedimos ao ministro da Saúde que a coordenação mudasse e fomos ouvidos. Não foi uma indicação nossa, mas acreditamos que a estratégia do Ministério da Saúde trará melhorias, e não retrocessos. Há anos, a nossa luta é chamar a atenção para o paciente psiquiátrico, que vem sendo estigmatizado, excluído, sem o direito a um atendimento digno condizente com o seu real problema. Hoje a nossa maior preocupação é que, finalmente, o Brasil tenha uma assistência em saúde mental efetiva, igualitária e qualificada. Não permitiremos que nossos pacientes sejam esquecidos. ANTÔNIO GERALDO DA SILVA é presidente da Associação Brasileira de Psiquiatria * PARTICIPAÇÃO Para colaborar, basta enviar e-mail para [email protected]. Os artigos publicados com assinatura não traduzem a opinião do jornal. Sua publicação obedece ao propósito de estimular o debate dos problemas brasileiros e mundiais e de refletir as diversas tendências do pensamento contemporâneo.
2016-05-05
opiniao
Opinião
http://www1.folha.uol.com.br/opiniao/2016/05/1767907-saude-mental-espera-por-dias-melhores.shtml
Vamos resistir ao golpe
Um 1º de Maio histórico, de defesa da democracia, dos direitos sociais e trabalhistas, contra o golpe do impeachment em tramitação no Senado. Esse foi o sentimento que tomou conta de milhares de trabalhadores em todo o país no último domingo, em especial dos que estavam no Vale do Anhangabaú, em São Paulo, para comemorar o Dia do Trabalho. Convidada pelas organizações sociais, a presidente Dilma Rousseff anunciou no ato em São Paulo algumas medidas de interesse da classe trabalhadora, como a correção da tabela do Imposto de Renda, o aumento no valor do Bolsa Família e a construção de mais unidades do Minha Casa, Minha Vida. Mais do que as propostas em si, o que empolgou o povo foi a declaração de Dilma de que vai resistir ao golpe. Ela reforçou a importância da aliança que vem sendo construída entre artistas, intelectuais, juristas e movimentos sindicais e populares em defesa da democracia. Está claro para todos que o golpe desrespeita as regras democráticas constitucionais. Lula só foi eleito presidente em sua quarta tentativa. O PSDB perdeu as quatro últimas eleições e, desde então, vem articulando o golpe, contando com a traição do PMDB e o apoio de todos os que são contrários às políticas públicas dos governos Lula e Dilma. O projeto político que ganha as eleições desde 2002 foi novamente escolhido pelo povo em 2014, por ser o que mais interessa aos trabalhadores e ao Brasil. No 1º de Maio, a CUT e os movimentos sociais colocaram milhares de trabalhadores nas ruas para dialogar sobre essas questões com a população e a própria presidente. Vamos resistir ao golpe. Engana-se quem pensa que a crise econômica será resolvida com o acirramento da crise política e o golpe de Estado. As medidas econômicas do PMDB, de cunho patronal e conservador, pressupõem um caminho trágico para a nação: o fim da política de valorização do salário mínimo, uma reforma da Previdência que imponha idade mínima para homens e mulheres, redução ou extinção dos programas sociais, corte de direitos trabalhistas, diminuição dos orçamentos da saúde e da educação, arrocho salarial e desemprego. Neste momento, a prioridade da CUT e dos movimentos sociais é defender a decisão das urnas. Combater o golpe é também não aceitar a antecipação de eleições apenas para a Presidência da República, nem tampouco a renúncia de Dilma. Isso seria capitular, legitimar o golpe. A resistência será nas ruas. Vamos continuar denunciando os golpistas em todo o mundo e lutando para que o Senado não aprove o impeachment. Para a CUT e os movimentos sociais, o golpe violenta a democracia, as conquistas dos trabalhadores e a Constituição. Resistir é o dever de todos. Onde houver um trabalhador, uma dona de casa, um jovem estudante, um beneficiário das políticas públicas, haverá um defensor do mandato da presidente Dilma e do projeto democrático e popular. VAGNER FREITAS é presidente nacional da CUT - Central Única dos Trabalhadores * PARTICIPAÇÃO Para colaborar, basta enviar e-mail para [email protected]. Os artigos publicados com assinatura não traduzem a opinião do jornal. Sua publicação obedece ao propósito de estimular o debate dos problemas brasileiros e mundiais e de refletir as diversas tendências do pensamento contemporâneo.
2016-04-05
opiniao
Opinião
http://www1.folha.uol.com.br/opiniao/2016/05/1767457-vamos-resistir-ao-golpe.shtml
A imprensa estrangeira está denunciando um golpe no Brasil?
Você deve ter ouvido alguém dizer que a imprensa estrangeira teria afirmado que há um golpe de Estado em curso no Brasil. Esse fato ratificaria o argumento governista de que há uma conspiração da mídia e das elites para derrubar o governo - e que a imprensa internacional, um observador externo neutro, rapidamente percebeu isso. A emergência dessa narrativa decorreu da combinação de dois fatores: a confusão entre colunas de opinião e editoriais; e a atual segmentação das mídias em nichos políticos. De fato, algumas colunas de opinião a favor do governo Dilma foram publicadas na imprensa internacional. Celso Rocha de Barros, por exemplo,escreveu para o "New York Times" dizendo que o processo de impeachment seria um modo de afundar a Lava-Jato. Com ainda mais impacto, o premiado jornalista americano Glenn Greenwald e David Miranda, ativista político e militante do PSOL, utilizaram do reconhecimento internacional que detêm para fazer avançar a tese do golpe em jornais e na TV. Ao mesmo tempo, diversos órgãos publicaram colunas de opinião argumentando que o processo não é um golpe - tanto na Europa quanto nos Estados Unidos. O objetivo da imprensa em trazer colunistas que pensam de forma distinta é dar uma visão mais ampla para o leitor. Já a opinião dos órgãos de imprensa em si não se encontra nesses espaços de debate - e sim em seus editoriais. Estes, por sua parte, não confirmam a narrativa de que a imprensa estrangeira estaria denunciando um golpe em curso no país. Em seu editorial, o jornal francês "Le Monde"afirmou peremptoriamente que a situação brasileira "não é um golpe" e que falar de golpe constitucional é uma contradição em termos. Já o "Washington Post" argumentou que, apesar de eles preferirem novas eleições ao impeachment, o processo é constitucional e "definitivamente não é um golpe". A tradicional revista "The Economist" disse que golpe é "a tomada do poder pelo uso inconstitucional da violência" e que esse "não é o caso do Brasil". O "The Guardian e o "New York Times demonstraram preocupações de que o impeachment possa ameaçar o prosseguimento da Lava Jato, mas destacaram que vários aliados de Dilma são acusados de corrupção e não questionaram a legalidade do processo de impedimento. Mesmo o "El País", que escreveu um editorial contrário ao impeachment, não afirmou que o processo é um golpe. Se a tese do golpe não prosperou nos editoriais internacionais, como essa falsa percepção se disseminou? Ocorre que, na era das redes sociais, a informação circulada tende a ter o que cientistas sociais chamam de "viés de confirmação". Ou seja: você e eu tendemos a reproduzir aquilo que confirma nossa visão, e a ignorar aquilo que a confronta. Você já deve ter percebido isso intuitivamente, ao observar a explosão de blogues e outros veículos que, longe de tentarem trazer uma visão plural, servem para confirmar o que já pensa a direita ou a esquerda. Em termos mais científicos, pesquisadores da Universidade da Indiana, ao estudarem estatisticamente a interação política no Twitter,confirmaram a existência dessa dissonância informativa. O maior problema dessa segmentação é que as pessoas passam a ter não somente visões de mundo distintas - o que é saudável e necessário em uma sociedade democrática -, mas de fatos distintos. Cada um de nós tem o direito a nossa própria opinião. Mas nós não temos direito a nossos próprios fatos. E, independentemente de sua opinião sobre o impeachment da presidente, o fato é que os principais veículos da imprensa internacional não disseram que o processo em curso é um golpe. CARLOS GÓES é mestre em economia internacional pela Universidade Johns Hopkins (EUA) e pesquisador-chefe do Instituto Mercado Popular * PARTICIPAÇÃO Para colaborar, basta enviar e-mail para [email protected]. Os artigos publicados com assinatura não traduzem a opinião do jornal. Sua publicação obedece ao propósito de estimular o debate dos problemas brasileiros e mundiais e de refletir as diversas tendências do pensamento contemporâneo.
2016-04-05
opiniao
Opinião
http://www1.folha.uol.com.br/opiniao/2016/05/1767493-a-imprensa-estrangeira-esta-denunciando-um-golpe-no-brasil.shtml
A inevitável CPMF
Aumentar impostos é o pior instrumento para realizar o ajuste fiscal. Infelizmente, dadas a urgência e gravidade da situação, é a única alternativa disponível no Brasil. Explico. Um eventual governo Temer não assumiria em condições normais. Tanto as expectativas quanto os ressentimentos acham-se exacerbados. Qualquer hesitação ou equívoco implicará frustração e desarranjos institucionais profundos. Neste ambiente, imaginar que o ajuste fiscal poderá ser feito em tempo hábil, mediante cortes imediatos de gastos e desvinculação de receitas, é pura ingenuidade. Em geral, a sociedade brasileira gosta e defende a presença do governo e resiste ao desatrelamento parasitário entre os setores público e privado. O "contrato social" inscrito na Constituição busca implantar um Estado de bem-estar social sem respaldo econômico para financiá-lo. Ademais, grupos corporativos de todos os setores estão eficientemente organizados para deter qualquer redução de privilégios. Todos apoiam cortes de gastos -desde que não afetem seus interesses específicos. Nestas condições, o futuro governo Temer não disporá de tempo para fazer valer sua capacidade negociadora e convencer a sociedade acerca dos méritos das reformas estruturais necessárias para colocar o país de volta em trajetória de crescimento sustentado. Há que se evitar a infausta experiência do ex-ministro da Fazenda Joaquim Levy, que, ao invés de adotar de imediato medidas draconianas e incisivas de ajuste orçamentário, enquanto ainda dispunha de capital político para tanto, acabou se perdendo em medidas tópicas, de curto alcance, que apenas multiplicaram os focos de oposição às suas propostas. Está certo o possível futuro ministro Henrique Meirelles quando diz que poderá ser necessário aumentar impostos para reequilibrar o orçamento, abrindo-se, assim, espaço e ambiente mais propícios às discussões de fundo acerca das reformas estruturantes. Se o aumento é inevitável, quais seriam os alvos preferenciais? Neste ponto, faço a defesa da tributação sobre a movimentação financeira, no estilo CPMF, mas diferente dela, uma vez que, além de sua característica arrecadatória, o tributo seria um substituto de contribuições atuais, conforme explicitei em artigo publicado no jornal "Correio Braziliense", em 2 de março. A CPMF (Contribuição Provisória sobre Movimentação Financeira) virou palavrão no léxico economês nacional. Contudo, caso implantada juntamente com a simplificação, racionalização e redução de outros tributos, pode tornar-se plenamente aceitável. Comparativamente ao aumento de tributos existentes -como o Imposto de Renda sobre distribuição de lucros, a Cide (Contribuição de Intervenção no Domínio Econômico) ou ganhos de capital-, um imposto sobre a movimentação financeira arrecada mais e causa menor impacto sobre a economia e as famílias. O efeito é difuso, universal. Não elege setores específicos para suportarem o peso do ajuste. É o caminho que minimiza resistências. Acompanhado de algumas medidas simplificadoras e substitutivo de outros tributos, poderá angariar apoios significativos para sua implantação. No momento, o que importa de imediato é garantir a solvência do setor público, e um tributo nos moldes arrecadatórios de um imposto geral sobre movimentação financeira é a opção menos ruim. Há como provar que essa forma de tributação não é regressiva e nem ineficiente como se alardeia. O pior que se poderia fazer neste momento é excluir esta alternativa do rol de medidas a serem consideradas pelo futuro governo por mero preconceito, modismo político ou desconhecimento. MARCOS CINTRA é doutor em economia pela Universidade Harvard (EUA) e professor titular de economia na FGV - Fundação Getulio Vargas. Foi deputado federal (1999-2003) e autor do projeto do Imposto Único * PARTICIPAÇÃO Para colaborar, basta enviar e-mail para [email protected]. Os artigos publicados com assinatura não traduzem a opinião do jornal. Sua publicação obedece ao propósito de estimular o debate dos problemas brasileiros e mundiais e de refletir as diversas tendências do pensamento contemporâneo.
2016-04-05
opiniao
Opinião
http://www1.folha.uol.com.br/opiniao/2016/05/1767456-a-inevitavel-cpmf.shtml
Gastar bem
Seja qual for o rumo que o governo federal adotará nos próximos meses, sob o comando do vice-presidente Michel Temer (PMDB), duas emergências assomarão ao horizonte: a penúria dos Estados e o desequilíbrio das contas públicas. Resolver o problema no nível estadual será crucial para evitar um colapso na prestação dos serviços. A solução provavelmente envolverá uma mistura de alívio financeiro de curto prazo em troca de contrapartidas de melhorias gerenciais e, assim se espera, negociações para dar cabo da guerra fiscal. Quanto às contas públicas, é preciso, de início, encaminhar reformas para tapar rombos no longo prazo, como o da Previdência. Isso não basta, porém; é necessário mexer na rigidez do Orçamento, que faz o impacto negativo do ajuste recair quase exclusivamente sobre investimentos e atendimento à população. Eis um cálculo simples: como quase 90% dos gastos são obrigatórios por lei (aposentadorias, funcionalismo e dotações constitucionais para saúde e educação), o restante sofre reduções desproporcionais. Em 2015, a despesa federal em investimentos caiu 34%, mas itens mandatórios cresceram 7,5% (ambos ajustados pela inflação). O problema também atinge os Estados. Em anos de bonança, gastos obrigatórios aumentam na mesma proporção que as receitas, sem que sejam feitas análises de custo-benefício. Ou seja, recursos são desembolsados apenas por força de lei, em detrimento da eficiência. A ninguém escapa que o setor público brasileiro gasta muito mal. Não é preciso ser especialista para constatar quão precários são os serviços oferecidos, mesmo sem considerar que os impostos chegam a 35% do PIB, nível muito superior ao de países com renda similar. Um estudo do banco Credit Suisse confirmou essa impressão generalizada. Posicionou o Brasil na 28º colocação entre 39 países em eficiência do gasto público. Os desequilíbrios dessa situação vão além da questão da qualidade. Não são raros os casos em que o desembolso público irrefletido leva proporcionalmente mais benefícios aos mais ricos. Segundo dados da equipe do economista Ricardo Paes de Barros, do Insper, o aumento da frequência em creches públicas de 2001 a 2014 foi maior na classe alta e média do que na baixa, num problema de focalização. Ampliar ao máximo o número de vagas ajuda a propaganda, mas não necessariamente constitui boa alocação de recursos. Passou da hora de os muitos grupos de pressão aceitarem que aumentar despesas nem sempre representa boa opção —aperfeiçoar a eficiência dos gastos, contudo, sempre será um caminho desejável. [email protected]
2016-04-05
opiniao
Opinião
http://www1.folha.uol.com.br/opiniao/2016/05/1767502-gastar-bem.shtml
Merenda fora da vista
A julgar pelas declarações públicas do governador Geraldo Alckmin (PSDB), o escândalo da máfia da merenda no Estado de São Paulo merece apuração rigorosa, célere e independente. Imagina-se que o tucano se refira não só às investigações judiciais mas também às frentes administrativas e políticas. Nesse caso, ou bem os integrantes da Assembleia Legislativa (Alesp) dão de ombros para o governador, ou sabem que ele se esforçará pouco para ver suas palavras transformadas em realidade. É que a base de apoio de Alckmin tem feito o que pode para impedir que os deputados estaduais reforcem o combate à corrupção. A Polícia Civil e o Ministério Público estadual até cumprem seu papel. Embora não com a mesma presteza dos órgãos federais que comandam a Operação Lava Jato, esquadrinham contratos celebrados entre a Cooperativa Orgânica Agrícola Familiar (Coaf) e dezenas de prefeituras, além da Secretaria da Educação do Estado. Suspeita-se de um esquema de superfaturamento na distribuição de suco de laranja para a merenda da rede pública, garantido por propinas que oscilavam de 10% a 30% dos valores acertados. Por meio de delações premiadas, alguns investigados implicaram membros do governo Alckmin, além de deputados federais e estaduais —entre eles, Fernando Capez (PSDB), presidente da Alesp. Apesar disso —ou por causa disso—, a Assembleia Legislativa não demonstrou interesse em criar uma CPI. Como alternativa, a oposição, liderada pelo PT, tenta convocar suspeitos para prestar esclarecimentos em outras comissões. Apresentaram-se 15 requerimentos, mas nenhum foi apreciado. A fim de evitar a análise das petições, os trabalhos têm sido esvaziados. Na Comissão de Educação, por exemplo, não houve quorum em quatro das seis sessões do ano. Nas outras duas, deputados do PSDB se revezaram nos pedidos de vista, evitando convocações. Não se trata de atitude nova no âmbito parlamentar. Mas, se o "governo é vítima" da máfia da merenda, conforme declarou Geraldo Alckmin na semana passada, seu partido deveria ser o maior interessado em esclarecer o episódio. Ao se valerem de manobras regimentais para adiar as investigações, os tucanos sugerem que as declarações do governador não passam de jogo de cena. [email protected]
2016-03-05
opiniao
Opinião
http://www1.folha.uol.com.br/opiniao/2016/05/1767126-merenda-fora-da-vista.shtml
Os estudantes não podem esperar
Quarenta e cinco milhões. Esse é o tamanho do sistema educacional brasileiro. São 45 milhões de crianças e jovens nas salas de aula do país, todos os dias. Em meio a mais um período de instabilidade política e econômica, não é demais lembrar a urgência dos desafios que esses milhões de alunos enfrentam para ter educação de qualidade. Se é consenso que as crianças não podem sofrer as consequências da crise, deve ser prioridade de todos, hoje e no futuro, preservar avanços e perseguir melhorias necessárias. Um dos pontos fundamentais para a melhoria da qualidade da educação no Brasil é a construção de uma Base Nacional Comum Curricular -documento que estabelece com clareza o que é essencial a ser ensinado nas escolas. Com isso, deve funcionar como uma espinha dorsal do sistema educacional, dando mais coerência para a formação de professores e a produção de materiais didáticos e avaliações, hoje desconectados. Na ponta, os professores anseiam por uma base: 93% concordam que saber o que os alunos devem aprender a cada ano facilita o trabalho. Por meio do Movimento pela Base, diferentes grupos da sociedade, com visões plurais, defendem a causa há mais de dois anos. Consed (Conselho Nacional de Secretários de Educação) e Undime (União Nacional dos Dirigentes Municipais de Educação) elegeram a base como tema prioritário. Prevista desde a Constituição de 1988, a base entrou em 2014 no Plano Nacional de Educação (PNE), com prazo para ser concluída: 2016. Como resultado, o Ministério da Educação construiu uma primeira proposta, aberta à consulta pública em setembro passado. Frágil e com muitos pontos a melhorar, ficou claro que a versão preliminar da base necessitava de revisão, fato reconhecido inclusive pelos apoiadores da causa. Centenas de especialistas, gestores, educadores e entidades sugeriram mudanças, indispensáveis para a qualidade do documento. Além do amplo debate, a consulta resultou em mais de 12 milhões de sugestões, vindas de cerca de 300 mil pessoas -a maioria professores. A partir das críticas e sugestões, uma segunda versão será divulgada nesta terça (3). Esperamos que avanços relevantes ocorram. O passo posterior será a realização de seminários nos Estados, seguidos de novos ajustes que levarão à versão final. Em todos os países, a elaboração de padrões curriculares é assim: um processo complexo. Para que efetivamente seja relevante ao sistema educacional, o documento precisa ser claro, ter altas expectativas a respeito da aprendizagem, ser fruto de entendimento entre visões diversas e dialogar com a realidade das escolas e redes (sob pena de não sair do papel). Consultas públicas, debates acalorados, ajustes e validações sucessivas são parte do processo. O fato de estarmos caminhando nessa direção, discutindo de forma ampla e madura propostas concretas, é um grande avanço para o Brasil. Seguir com a construção e implementação da base a partir daí, sem paralisações ou iniciativas que nos levem de volta à estaca zero, é um compromisso que deve ser assumido por todos que têm responsabilidade com o futuro de crianças e jovens, além de representar o cumprimento da legislação. A responsabilidade com a qualidade da educação dos 45 milhões de estudantes brasileiros deveria ser sempre uma prioridade para o país, mesmo, e sobretudo, em momentos como este. CLEUZA REPULHO foi presidente da União Nacional de Dirigentes Municipais de Educação MARIA ALICE SETUBAL, a Neca, é presidente dos conselhos do Centro de Estudos e Pesquisas em Educação, Cultura e Ação Comunitária - Cenpec e da Fundação Tide Setubal MARIA HELENA GUIMARÃES DE CASTRO, é presidente da Fundação Seade (Sistema Estadual de Análise de Dados). Foi presidente do Inep (Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais). As três integram o Movimento pela Base com outras 39 pessoas SUBSCREVEM ESTE ARTIGO: Alice Andrés (Movimento pela Base Nacional Comum), Ana Inoue (Itaú BBA), André Stábile, Angela Dannemann, Anna Helena Altenfelder (Cenpec), Anna Penido (Instituto Inspirare), Antonio Augusto Batista (Cenpec), Camila Pereira (Fundação Lemann), Claudia Costin, David Saad (Instituto Natura), Denis Mizne (Fundação Lemann), Egon Rangel, Fernando Almeida, Guiomar Namo de Mello, Joane Vilela, Kátia Smole, Lucia Couto (Instituto Unibanco), Luis Carlos de Menezes, Magda Soares, Miguel Thompson (Instituto Singularidades e Instituto Península), Maria Inês Fini, Mário Jorge Carneiro, Mariza Abreu, Mônica Pinto (Fundação Roberto Marinho), Mozart Neves Ramos (Instituto Ayrton Senna), Naercio Menezes Filho, Natacha Costa, Nilma Fontanive (Abave), Osvaldo Tietê, Pilar Lacerda, Priscila Cruz (Todos Pela Educação), Raph Gomes, Ricardo Martins, Ricardo Henriques (Instituto Unibanco), Ricardo Paes de Barros (Instituto Ayrton Senna/Insper), Ruben Klein (Abave), Suely Menezes (Fórum Nacional dos Conselhos Estaduais de Educação), Teresa Pontual e Tereza Perez (Cedac). * PARTICIPAÇÃO Para colaborar, basta enviar e-mail para [email protected]. Os artigos publicados com assinatura não traduzem a opinião do jornal. Sua publicação obedece ao propósito de estimular o debate dos problemas brasileiros e mundiais e de refletir as diversas tendências do pensamento contemporâneo.
2016-03-05
opiniao
Opinião
http://www1.folha.uol.com.br/opiniao/2016/05/1767087-os-estudantes-nao-podem-esperar.shtml
Temer em seu tabuleiro
Embora a presidente Dilma Rousseff (PT) ainda não tenha sido afastada da Presidência da República, Michel Temer (PMDB) já joga com as brancas. O vice sabe que não pode esperar o Senado abrir o processo de impeachment para mover suas peças. Não se trata apenas de chegar ao Planalto com um gabinete definido. Temer tem pouco tempo a perder também porque as bancadas de deputados e senadores que votaram e votarão pela deposição de Dilma estão ansiosas para ocupar posições centrais no tabuleiro. Partidos como PP, PR, PSD e PRB deixaram a base de apoio de Dilma para endossar o impeachment e agora querem a recompensa. Por sua vez, PSDB, DEM e PPS, siglas que se opõem ao governo petista, supõem merecer espaços generosos na administração do PMDB. Conhecedor das negociações fisiológicas tão valorizadas pelos deputados, Temer saberá utilizar os milhares de cargos federais disponíveis para retribuir o esforço da maioria. Encontra maiores obstáculos, porém, ao tentar alocar aliados no futuro primeiro escalão. O peemedebista havia manifestado a intenção de promover redução radical no número de ministérios, passando dos atuais 32 para cerca de 20. A medida teria cunho sobretudo simbólico, pois a economia de gastos dela resultante não vai além do irrisório. Seja como for, Temer parece admitir que a radicalidade do corte será abandonada. Pelas contas atuais, precisará de pelo menos 26 pastas para acomodar os indicados de sua provável base –uma realidade que um político experiente como ele jamais terá ignorado. O PSDB, por exemplo, provavelmente demandará três ministérios, correspondendo cada um deles aos interesses do governador de São Paulo, Geraldo Alckmin, e aos dos senadores Aécio Neves (MG) e José Serra (SP). Naturalmente farão do Executivo uma alavanca para suas pretensões presidenciais de 2018. Essa disputa por protagonismo, todavia, não há de estar entre as maiores preocupações de Temer. Tendo definido um nome de peso para comandar a economia (Henrique Meirelles), e flertando com quadros de indiscutível capacitação técnica para áreas como saúde e educação, o vice-presidente patina no Ministério da Justiça. A pasta de maior visibilidade em tempos de Lava Jato ainda não tem um favorito, e Temer começou suas buscas de forma tortuosa. Sondou um advogado criminalista crítico das operações –mas soube sair-se bem do episódio logo desautorizando o comentário inapropriado. Ainda assim, a posição mais vulnerável no tabuleiro do vice-presidente continua ligada ao flanco investigativo. Parece inevitável que peças cruciais para a estratégia do peemedebista sejam derrubadas pela Lava Jato –e mesmo um político profissional como Michel Temer terá dificuldades para resolver os problemas desse xadrez. [email protected]
2016-03-05
opiniao
Opinião
http://www1.folha.uol.com.br/opiniao/2016/05/1767127-temer-em-seu-tabuleiro.shtml
Como seria um governo Temer?
Como seria um eventual governo Michel Temer? Essa é a pergunta mais ouvida nestes dias de intenso debate sobre o processo de impeachment que tramita no Senado. A resposta aponta para o conhecido enunciado que imortalizou Georges-Louis Leclerc, o conde de Buffon, expresso em 1753 na Academia Francesa: "o estilo é o homem". O estilo Michel Temer é recortado por uma linha que se chama prudência, essa virtude que abriga a capacidade de dosar coisas, o bom senso de distinguir conveniências e inconveniências, o que é bom e mau para as pessoas. Por conseguinte, deve ser o lume de uma possível experiência no comando da nação. Esse traço se faz presente no dia a dia do vice-presidente. Quando presidiu a Câmara dos Deputados (cargo que ocupou por três vezes), tirou da cachola a ideia de desobstruir a pauta travada pelas (mal) afamadas medidas provisórias (MP). Como se recorda, de acordo com o parágrafo 6º do artigo 62 da Constituição Federal, se a MP não é apreciada em até 45 dias contados de sua publicação, entra em regime de urgência e impede "todas as demais deliberações legislativas da Casa em que estiver tramitando". Professor de direito constitucional, esta foi sua interpretação: se as MPs só podem tratar de matérias reservadas à lei ordinária, apenas nas sessões ordinárias a pauta do Congresso fica trancada. Nas demais sessões, os parlamentares podem deliberar. A expressão "todas as demais deliberações legislativas", contida no referido dispositivo constitucional, entendida de forma sistêmica e restritiva, acabou convalidada pelo Supremo Tribunal Federal. Aferindo a vida do homem público Michel Temer pela régua de Max Weber, é razoável concluir que ele se guia pela "ética da responsabilidade", no entendimento de que os atos devem ser analisados por suas consequências, positivas e negativas. Seria essa a bússola para direcionar a matriz econômica, a cobertura social, a coalizão política que deve compor, as pressões e contrapressões que cairão sobre sua mesa, esteja ele na condição de presidente provisório ou com mandato até o último dia de 2018. Ao popular ditado "é impossível assoviar e chupar cana ao mesmo tempo", aduz-se a hipótese de que o estilo Temer agrega condições de arrumar uma saída para a equação: atender demandas partidárias advindas de mais de 20 siglas; compor um ministério de perfis de qualidade; oferecer respostas imediatas aos anseios sociais; fazer refluir assustadores índices, 10 milhões de desempregados, PIB negativo de 3,8% neste ano e outras taxas do descalabro. Não haverá tempo para experimentação. Assumindo o posto de presidente, terá de se valer dos primeiros 45 minutos do jogo para fazer gols. O clamor maior virá das margens. Como recompor o bolso vazio de milhões de brasileiros, cujos ganhos se transformaram em perdas nos últimos anos? Uma pedrinha no tabuleiro do xadrez sugere a resposta. Chama-se confiança. Sob um novo governo, o resgate da credibilidade perdida é uma provável hipótese. Empreendedores nacionais e internacionais, desejosos de voltar a investir, encontrariam segurança para religar a máquina econômica. O novo governante seria instado a manejar os cinco motores da vida produtiva, a começar pelo pacto federativo, ao qual se atrela a engrenagem da redistribuição de deveres/recursos entre União, Estados e municípios. O arranque deslancharia a reforma tributária/fiscal, avançaria no caminho da reforma previdenciária, desfaria o nó legislativo do trabalho e trilharia na vereda da reforma política. Sob essa teia, 2018 abriria horizontes mais claros. Por último, a índole pacífica deste paulista de Tietê é bem vista neste tormentoso momento. Tensões se multiplicam. O ódio entre alas se intensifica. Temer domina a química da lã entre vidros. Capaz de administrar fricções. Mais ouve que fala. Sinal animador em tempos de Torre de Babel. GAUDÊNCIO TORQUATO, jornalista, é professor titular da USP (aposentado) e consultor político de Michel Temer * PARTICIPAÇÃO Para colaborar, basta enviar e-mail para [email protected]. Os artigos publicados com assinatura não traduzem a opinião do jornal. Sua publicação obedece ao propósito de estimular o debate dos problemas brasileiros e mundiais e de refletir as diversas tendências do pensamento contemporâneo.
2016-02-05
opiniao
Opinião
http://www1.folha.uol.com.br/opiniao/2016/05/1766455-como-seria-um-governo-temer.shtml
Internet, direito de todos os brasileiros
A banda larga, que promove o acesso à internet de alta velocidade, está no centro das discussões em função de um ponto central: a franquia de dados. Nesse sentido, ressalto que não basta analisar somente o consumo, é essencial falar do acesso e da participação. Há décadas dependíamos, por exemplo, de enciclopédias ou livros específicos para ter contato com informações sobre qualquer assunto, por mais simples que fosse. Para expressar sua opinião, o cidadão dispunha de poucos espaços em veículos de comunicação ou canais de debate na sua localidade. Despontava a temerária segregação do conhecimento e do espaço. Atualmente, milhões de cidadãos, não importa a classe social, podem aprender, debater e se manifestar sobre qualquer tema no Brasil, sem as barreiras que as gerações passadas enfrentaram. Tanto faz se o jovem está no interior do Nordeste ou no centro de São Paulo. Esse panorama será universalizado em todas as regiões pelo programa Brasil Inteligente, que explicarei em seguida. A internet tornou-se uma ferramenta essencial para toda a população. A sociedade não consegue mais prosperar sem estar conectada de uma maneira ampla, eficiente e democrática. Por todo esse significado, uma eventual e inoportuna limitação de acesso gera justificada apreensão entre os usuários. Ao longo dos últimos dias, reafirmei que a internet é um direito de todos. E como poderia ser diferente? Defender uma conexão de qualidade, com preços justos, está no centro das políticas públicas do Ministério das Comunicações, que segue atuando na reformulação do marco regulatório das telecomunicações. Além disso, por meio do programa Brasil Inteligente, que substituirá o Programa Nacional de Banda Larga (PNBL), com o slogan "Internet Ligando a Gente", o Ministério das Comunicações implementará um pacote de ações que levará conexão de alta velocidade, via fibra óptica ou satélite geoestacionário, para cidades, escolas, residências do Minha Casa, Minha Vida e órgãos públicos. Nossa meta é proporcionar conexão para 70% dos municípios, o que corresponde a 95% da população. A iniciativa permitirá que a inovação tecnológica seja, efetivamente, uma marca do Brasil. Por todas as regiões existem centros de estudo que trabalham debruçados sobre ferramentas que colocarão o país na vanguarda do desenvolvimento. Por meio de acordo com a União Europeia, os cientistas brasileiros poderão atuar no desenvolvimento do 5G, que é a base para a "internet das coisas", possibilidade de conexão à Web a partir de objetos utilizados no dia a dia. Pode parecer um mundo distante, mas está virando realidade, ao mesmo tempo, para todos nós da América Latina. Neste cenário, as operadoras de telefonia e internet do país possuem, é claro, total abertura para buscar rentabilidade nos seus interesses comerciais. Isso não significa, entretanto, que aceitaremos os abusos. Existe um forte interesse social envolvido nesse debate. A Anatel, como agência reguladora, tem a função de evitar essas práticas a partir da regulação do Serviço de Comunicação Multimídia (SCM), que engloba a prestação do serviço de internet fixa. Declarações equivocadas ocorreram e foram revistas. As conquistas já estabelecidas não serão reformuladas. Reafirmo, por fim, nosso posicionamento de sempre: a internet é absolutamente essencial para mantermos a construção de um país mais igual para todos. ANDRÉ FIGUEIREDO é ministro das Comunicações. Foi deputado federal em 3 legislaturas (PDT-CE)
2016-01-05
opiniao
Opinião
http://www1.folha.uol.com.br/opiniao/2016/05/1766450-internet-direito-de-todos-os-brasileiros.shtml
Mais direitos e empregos
O Brasil atravessa um período repleto de incertezas políticas. A crise econômica e o impasse institucional paralisaram o país e penalizam, fundamentalmente, os menos favorecidos, vide a taxa de desemprego -que já ultrapassou a casa dos dois dígitos-, a inflação acumulada e os juros proibitivos. Para piorar ainda mais um cenário já bastante desolador, a recessão é a maior da história, o PIB despencou e faltam perspectivas para novos investimentos. Vale destacar que, nos últimos meses, foram fechadas cerca de 5.000 indústrias só no Estado de São Paulo e 100 mil lojas cerraram definitivamente suas portas por todo o Brasil. A Força Sindical, como faz todos os anos, realizará atos do Dia Internacional do Trabalho em centenas de cidades brasileiras neste domingo (1º). Em São Paulo, o já tradicional evento será na praça Campo de Bagatelle, na zona norte. O 1º de Maio é uma data para celebrarmos as conquistas dos trabalhadores e apresentarmos nossas bandeiras de luta em defesa do Brasil. Nossas demandas estão expressas na carta aberta que entregamos, no dia 26 de abril, juntamente com dirigentes da UGT (União Geral dos Trabalhadores), da Nova Central Sindical de Trabalhadores e da CSB (Central dos Sindicatos Brasileiros), ao vice-presidente da República, Michel Temer. Juntas, as quatro centrais sindicais representam cerca de 4.500 entidades. No documento, destacamos uma série de propostas voltadas, principalmente, para o crescimento econômico e a geração de empregos. Destacamos a importância de uma política de desenvolvimento nacional, de mudanças no comando da economia, da correção da tabela do Imposto de Renda, da redução drástica da taxa de juros, da manutenção da política do salário mínimo, do fortalecimento do Ministério do Trabalho, da renovação da frota automotiva e de uma política voltada à valorização de aposentados e servidores públicos. Reiteramos ainda nossa posição contrária à retirada de direitos na reforma da Previdência. O Brasil precisa voltar aos eixos do crescimento e do desenvolvimento econômico, tarefa que só se viabilizará com um novo governo, portador de uma nova política econômica capaz de criar um ambiente que resgate a credibilidade e garanta a retomada dos investimentos, com geração de emprego e mais distribuição de renda. Para tanto, devemos mudar a matriz da economia e ampliar o diálogo com o conjunto da sociedade, com os movimentos sociais e com o Congresso Nacional, via essencial para um novo ciclo de crescimento econômico e desenvolvimento social. Precisamos fomentar o mercado interno, melhorar os serviços prestados pelo Estado (saúde, educação, segurança, transporte), dar um basta à corrupção e ao uso indevido do dinheiro público, fortalecer a atividade sindical, ampliando sua organização e representatividade com nova forma de financiamento. Queremos mais democracia, justiça social, desenvolvimento econômico, mais saúde, moradia digna, emprego e renda para todos. O 1º de Maio é, por excelência, a data perfeita para unir nossas vozes por um Brasil melhor, para reafirmar o protagonismo dos trabalhadores neste histórico e inevitável processo de transformação. PAULO PEREIRA DA SILVA, 60, é deputado federal, presidente da Força Sindical e do partido Solidariedade * PARTICIPAÇÃO Para colaborar, basta enviar e-mail para [email protected]. Os artigos publicados com assinatura não traduzem a opinião do jornal. Sua publicação obedece ao propósito de estimular o debate dos problemas brasileiros e mundiais e de refletir as diversas tendências do pensamento contemporâneo.
2016-01-05
opiniao
Opinião
http://www1.folha.uol.com.br/opiniao/2016/05/1766452-mais-direitos-e-empregos.shtml
Armadilha estadual
Alguns dos Estados mais ricos do país procuram resolver seus problemas financeiros por meio de um subterfúgio de baixo nível técnico e político. Na prática, requereram ao Supremo Tribunal Federal o recálculo de suas dívidas com a União, sob o pretexto de que pagaram juros indevidos. Alegam que seus débitos devem ser corrigidos por taxas simples de juros. No limite do absurdo, deixariam de dever cerca de R$ 400 bilhões ao caixa federal. Decisões provisórias de ministros concederam aos Estados o direito de pagar somente o que consideram devido, segundo a tese exótica dos juros simples. Na quarta-feira (27), o STF absteve-se, mas legitimou o pleito estadual e politizou um assunto técnico. Adiou seu voto final sobre a questão, sugerindo que União e Estados cheguem a um acordo. Quanto ao que está em causa, no entanto, não há o que ser negociado. Trata-se de princípios excludentes: as dívidas são reajustadas por taxas de juros simples ou compostas. O que o Supremo fez, na verdade, foi pelo menos dar força política a um pleito genérico de redução da dívida estadual. Como parece haver o risco de a demanda estapafúrdia ser aceita na Justiça, o governo federal é compelido a discutir a barganha. Evita-se a extravagância legal em troca de concessões maiores na renegociação dos débitos. Ocorre que a demanda judicial agride a elementar técnica financeira e econômica; é um ardil para romper contratos da renegociação de dívida que salvou Estados da insolvência há 20 anos. Ademais, pretende-se transferir problemas dos governadores para a União -em suma, para todo cidadão, de qualquer Estado, rico ou pobre. As unidades federativas decerto não foram responsáveis pela recessão e a decorrente queda de receitas. Mas foram partícipes da gastança quando pleitearam e conseguiram autorização federal para tomar empréstimos. Como se não bastasse, nos anos de bonança, elevaram gastos permanentes. Seja como for, a emergência está criada; há Estados falidos. Um acordo com vistas a evitar o colapso de serviços públicos básicos é necessário. O governo federal havia proposto um plano de alongar os prazos de pagamento e de descontos para a dívida, exigindo como contrapartida responsabilidade nas contas estaduais. Esses são os termos razoáveis da negociação: atenuar as agruras do presente em troca de um plano de arrumação das contas públicas. A disparatada polêmica das taxas de juros, por ora aceita pelo STF, nada tem a ver com isso. Trata-se de um ardil. No pior dos casos, de um instrumento de chantagem. [email protected]
2016-01-05
opiniao
Opinião
http://www1.folha.uol.com.br/opiniao/2016/05/1766515-armadilha-estadual.shtml
Flexibilizar legislação trabalhista traria benefícios ao país? SIM
NEGOCIAÇÃO COLETIVA Há muitos indicadores de que precisamos de uma nova legislação trabalhista. O nosso direito sobre o tema está hoje mais pautado pelo Judiciário –os quase 1.300 verbetes editados pelo Tribunal Superior do Trabalho– do que pelo Legislativo –os 922 artigos da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT). Temas de grande relevância –como dispensa coletiva, assédio moral e terceirização– ainda não foram objeto de norma aprovada após debate legislativo. Acabaram norteados por pronunciamentos judiciais diversos. A reforma trabalhista não se tornou necessária em razão da atual crise econômica e não será a responsável por nossa saída dela. Conduzida de forma irresponsável, poderá, inclusive, aumentá-la. É ilusório imaginar que apenas reduzindo salários e benefícios trabalhistas poderemos superar as atuais dificuldades econômicas. Os empregados representam um relevante grupo de consumidores. Empobrecê-los impactará o consumo e, por conseguinte, a produção. As normas trabalhistas devem ser mais flexíveis para valorizar a construção do direito do trabalho a partir da negociação coletiva entre sindicatos de trabalhadores e de empregadores. Eles conhecem as peculiaridades de suas categorias melhor do que qualquer parlamentar. Precisamos de um direito do trabalho que tenha seu esqueleto construído por leis trabalhistas gerais, inflexíveis, de cunho protetivo aos trabalhadores, mas com musculatura formada por normas coletivamente negociadas por quem sabe das necessidades e dos anseios próprios, por vezes exclusivos, das categorias econômicas e profissionais. É ingênuo, contudo, acreditar que apenas a aprovação de uma norma que permita a sobreposição do negociado coletivamente sobre o legislado solucionará tudo. A negociação coletiva deve ser um instrumento de adaptação das regras gerais e irrevogáveis às particularidades das atividades e da realidade. Não deve servir para prevaricar as relações de trabalho e garantir o lucro dos empregadores. Para que isso se viabilize, é necessário reformar a estrutura sindical, de modo a tornar os sindicatos efetivamente representativos de suas categorias. Não podemos permanecer com um modelo como o atual, no qual dirigentes mantêm os quadros de filiados reduzidos para ser mais fácil vencer a próxima eleição. Precisamos de mais liberdade sindical para termos sindicatos mais legítimos e representativos, que não se acomodem com as receitas garantidas por lei e lutem efetivamente por melhorias sociais para os trabalhadores por meio da negociação e do diálogo social. Reformas dessa magnitude são mais bem conduzidas em momentos de estabilidade econômica e política. Na década passada, quando vivíamos um cenário favorável, foi organizado, com esse fim, o Fórum Nacional do Trabalho, com participação de representantes de empregados, empregadores e de diversas esferas do aparato estatal. É lamentável que, naquele momento, quando tudo conspirava a favor, não tenhamos conseguido empreender a reforma necessária na nossa legislação sindical e trabalhista. A discussão inevitavelmente retornará num cenário em que uma crise econômica grave pressiona em direção a medidas socialmente ruins, com o país dividido e uma instabilidade política sem precedentes. Será fundamental muita engenhosidade para implementar as mudanças necessárias sem provocar retrocesso social. O arrependimento pela oportunidade perdida é inevitável. JORGE CAVALCANTI BOUCINHAS FILHO, 36, é professor de direito do trabalho na Escola de Administração de Empresas de São Paulo da Fundação Getulio Vargas e pesquisador do Neop (Núcleo de Estudos em Organizações e Pessoas) * PARTICIPAÇÃO Para colaborar, basta enviar e-mail para [email protected]. Os artigos publicados com assinatura não traduzem a opinião do jornal. Sua publicação obedece ao propósito de estimular o debate dos problemas brasileiros e mundiais e de refletir as diversas tendências do pensamento contemporâneo.
2016-04-30
opiniao
Opinião
http://www1.folha.uol.com.br/opiniao/2016/04/1766406-negociacao-coletiva.shtml
Compromisso com o país
Entre os extremos de nossa crise política, os que denunciam um golpe contra o governo e os que exaltam o regime militar, estão a vida e o destino de mais de 200 milhões de brasileiros ameaçados seriamente pelas crises política e econômica. O Brasil não vai dar a volta por cima se não criarmos um ambiente político de diálogo, mais construtivo e que, com a imperativa urgência, estabeleça consensos para o crescimento. O PSD está pronto a colaborar. E a saída é o exercício responsável da política. Apoiamos a reeleição de Dilma Rousseff em 2014 por maioria, não por unanimidade. Ao longo dos últimos meses, a base de sustentação política, apesar de nossos esforços, foi se deteriorando. A opinião pública passou a exigir mudanças. Pressionados por bases e eleitores, os diretórios estaduais e as bancadas do PSD na Câmara e no Senado convergiram. Decidiram pelo impeachment. Assim, da mesma forma como apoiamos e participamos do governo, acatei a vontade da maioria e entreguei o cargo de ministro das Cidades, mantendo a mesma coerência e transparência. Tenho posição, mas não sou juiz desse processo. São Paulo tem três senadores que saberão como representar a vontade de nosso Estado. Sou grato pela oportunidade de trabalhar e conhecer cada vez mais as diversas realidades de meu país. Como prefeito de São Paulo e ministro, reafirmei a convicção de que a reforma habitacional e a universalização dos serviços de água e saneamento são ações que transformam a vida das pessoas. Assumi compromisso e trabalharei para que o Minha Casa, Minha Vida e as metas do Plano Nacional de Saneamento não sejam marcas de uma gestão, mas sim conquistas da sociedade. Essas conquistas só serão plenas, no entanto, se mantivermos os investimentos em mobilidade urbana. Basta não esquecer das vozes que ecoaram das ruas em 2013. Agora, mais do que nunca, é preciso responsabilidade e equilíbrio para não ampliarmos a descrença e o ceticismo com a democracia no Brasil. O sistema político está na berlinda. Os partidos têm a obrigação de se reinventar para atender as novas demandas da população. Devemos privilegiar a participação e fortalecer a relação entre representante e representados. Confiamos que o Estado democrático de Direito prevalecerá. E isso passa por mais transparência e pela continuidade das apurações da Polícia Federal e da ação do Ministério Público. Sou presidente do PSD, partido jovem que está se consolidando como alternativa de centro, pautado por princípios cívicos e moderação. Não cultivamos personalidades, construímos lideranças. Preferimos ação e trabalho à retórica e vemos a política como instrumento de transformação. Não há vencedores e vencidos, tampouco é momento de precipitações. Precisamos provar a nós mesmos e ao mundo capacidade de superar crises sempre pelo caminho do respeito à democracia. Os brasileiros querem mudança segura, retomada do crescimento econômico, do emprego e a manutenção das conquistas sociais. Precisamos compreender e superar divergências. Diálogo gera convergência, novas ideias e soluções consensuais. É esse o jeito de trabalhar por um novo momento do país. É esse o meu compromisso e o do PSD com o Brasil. GILBERTO KASSAB, 55, é presidente do PSD. Foi prefeito de São Paulo (2006-2012) e ministro das Cidades (governo Dilma) * PARTICIPAÇÃO Para colaborar, basta enviar e-mail para [email protected]. Os artigos publicados com assinatura não traduzem a opinião do jornal. Sua publicação obedece ao propósito de estimular o debate dos problemas brasileiros e mundiais e de refletir as diversas tendências do pensamento contemporâneo.
2016-04-29
opiniao
Opinião
http://www1.folha.uol.com.br/opiniao/2016/04/1765884-compromisso-com-o-pais.shtml
Nuvens no STJ
Citada com bastante frequência, a frase de um juiz da Suprema Corte americana mesmo assim merece ser relembrada. "A luz do sol é o melhor desinfetante", dizia Louis Brandeis (1856-1941), talvez sem imaginar quanto da máquina estatal seria necessário expor aos efeitos purificadores da publicidade. O valor da transparência só fez crescer desde que a tese foi enunciada, uma vez que também se expandiram a abrangência e a complexidade do sistema público. Some-se a isso a multiplicação dos meios cibernéticos de pesquisa e talvez estejamos vivendo espécie de "crise de transparência", cujo efeito tende não só a uma purificação de longo prazo mas também a uma intensa –e, espera-se, provisória– sensação de desalento. Nada se diga (desta vez) a respeito dos políticos brasileiros. Autoridades investigativas e da Justiça têm procurado derrubar e punir os abusos no trato do dinheiro público e as pretensões dos que, no governo ou na oposição, ostentam seu moralismo de fachada. Devido a esse importante papel no combate à corrupção, as instituições ligadas à esfera do Judiciário têm sido vistas pela população com muito mais respeito do que as associadas aos demais Poderes. Até mesmo por isso, provoca inconformismo e mal-estar a notícia, publicada nesta Folha, de que 10 dos 33 ministros do Superior Tribunal de Justiça (STJ) têm filhos ou mulheres advogando em causas julgadas pela própria corte. A suspeição que essa circunstância projeta sobre o STJ não é negligenciável; para a corregedora nacional de Justiça, Nancy Andrighi, trata-se de "uma das mais nocivas práticas existentes" no Judiciário. Torna-se ainda mais grave, naturalmente, quando envolve um dos tribunais mais relevantes do país. Verdade que resolução do Conselho Nacional de Justiça, reafirmada no novo Código de Processo Civil, proíbe expressamente que magistrados votem em processos de interesse de cônjuges e parentes. Ainda que a vinculação possa ser indireta num colegiado de 33 membros, abre-se a possibilidade de um cruzamento de favores: o pai de um advogado no processo X vota no julgamento Y, em que milita a esposa de um colega –e este retribui a gentileza. Constitui-se uma rede de comprometimentos familiares e estamentais, viciando um sistema que deveria ser marcado acima de tudo pelo equilíbrio e pela isonomia. Talvez seja impossível impedir essa rede de compadrio, pois sempre pode se formar com laços cada vez mais remotos. O mínimo, entretanto, seria um controle mais efetivo quanto a impedimentos diretos, que, hoje, às vezes passam em brancas nuvens no tribunal. A luz do sol, como se vê, chega em boa hora ao STJ. [email protected]
2016-04-29
opiniao
Opinião
http://www1.folha.uol.com.br/opiniao/2016/04/1765917-nuvens-no-stj.shtml
Por um "pluriálogo" nacional
Só pelo "pluriálogo" construtivo conseguiremos transformar o Brasil em um país melhor. Não por monólogos ou embates, mas pela busca de entendimento, por meio de diálogos múltiplos e plurais, que deságuem em compromissos. Só assim poderemos sair da crise que sofremos há quase dois anos. Todos os segmentos da sociedade devem ser chamados a participar. A construção de um amanhã melhor, não o ganho imediato, deve ser a meta. Para tanto, é essencial que todos assumam e cumpram os compromissos estabelecidos. Como os planos acordados só serão alcançados por mediação, a vitória total não deve ser a meta dos grupos. Eles precisam estar dispostos também a ceder algum espaço, quando isso significar o fortalecimento da nação. Há quase 20 anos o Instituto Ethos e seus parceiros vêm promovendo valores fundamentais para se construir um Brasil melhor, com base na integridade pessoal e empresarial, no respeito aos direitos humanos, na defesa da democracia, da liberdade de expressão e da saúde do planeta. Por isso, neste importante momento, propomos o "pluriálogo" nacional, a soma de todos, como única saída construtiva para a amarga realidade que hoje nos divide. Fácil não será. Tampouco impossível. Nestes últimos anos, conseguimos articular consensos complexos, como o Pacto Empresarial pela Integridade e contra a Corrupção, o Pacto Nacional pela Erradicação do Trabalho Escravo e Trabalho Infantil, a cartilha Responsabilidade Social das Empresas no Processo Eleitoral e um posicionamento em face do financiamento de partidos políticos, visando a redução da influência do poder econômico nas eleições. Longe estamos de nos oferecer como os únicos ou os principais articuladores de um "pluriálogo", mas nossa bem-sucedida experiência nos faz crer que podemos contribuir para o bom resultado almejado. Acreditamos que há espaço para iniciarmos este "pluriálogo" com diferentes segmentos da sociedade -empresas, trabalhadores, sociedade civil e academia, entre outros-, de tal forma que possamos apontar diretrizes que sintetizem o interesse de todo o país. Nesse espírito, somente como provocação inicial, trazemos à mesa três temas que poderiam fazer parte dessa construção. Em primeiro lugar, devemos buscar o aprimoramento do sistema político e eleitoral, pois a crise revela amplo questionamento da sociedade sobre as representações institucionais. Fortalecer a democracia exige uma reforma política que promova um sistema eleitoral mais justo, reduzindo a interferência do poder econômico. A seguir, a criação de um Plano Nacional de Integridade, que contribua para o aperfeiçoamento da relação público-privada, estabelecendo confiança entre a sociedade civil e o poder público. Finalmente, nosso "pluriálogo" deveria visar o desenvolvimento econômico com sustentabilidade, voltado, sobretudo, para geração de empregos, inclusão social e transição para economia de baixo carbono. Há importantes segmentos de nossa sociedade desejosos, como nós, por vislumbrar a possibilidade de alternativas que apontem para os efetivos interesses do país. O "pluriálogo" é uma tentativa de recuperar a esperança e, quem sabe, retomar a trilha de redenção para o Brasil. JORGE ABRAHÃO é presidente do Instituto Ethos, organização que mobiliza as empresas a gerir seus negócios de forma socialmente responsável CELINA CARPI é presidente do conselho deliberativo do Instituto Ethos FRANKLIN L. FEDER é vice-presidente do conselho deliberativo do Instituto Ethos * PARTICIPAÇÃO Para colaborar, basta enviar e-mail para [email protected]. Os artigos publicados com assinatura não traduzem a opinião do jornal. Sua publicação obedece ao propósito de estimular o debate dos problemas brasileiros e mundiais e de refletir as diversas tendências do pensamento contemporâneo.
2016-04-28
opiniao
Opinião
http://www1.folha.uol.com.br/opiniao/2016/04/1765445-por-um-plurialogo-nacional.shtml
Insegurança contra a zika
A epidemia de zika no país colocou as mulheres grávidas no topo das preocupações. Não poderia ser diferente. O nascimento de bebês com microcefalia é a consequência mais dramática do surto. Dentre as estratégias de prevenção recomendadas às gestantes, o uso de repelentes figura como uma das principais, pois reduz as chances de picadas do mosquito Aedes aegypti, que transmite o vírus da zika —e também o da dengue e da chikungunya. O uso diário dos produtos mais recomendados por médicos, contudo, custa cerca de R$ 180 por mês, um valor inacessível para as famílias mais pobres. Estas, além disso, com frequência vivem em locais com esgotos a céu aberto e coleta precária de lixo, o que favorece a proliferação do mosquito. Apesar disso, o governo federal demora a ajudar a população carente, como mostram dados recentes de Pernambuco, Estado até agora mais atingido pela microcefalia. Lá, mais da metade das mães de bebês com suspeita de malformação craniana está inscrita no cadastro único de programas sociais. Quase 80% delas são consideradas extremamente pobres, integrando famílias cuja renda per capita mensal é de até R$ 47. Em dezembro de 2015, o Ministério da Saúde anunciou planos de distribuir repelentes a grávidas beneficiárias do Bolsa Família —um contingente estimado em 400 mil mulheres. Pretendia-se iniciar a entrega em fevereiro deste ano. Somente na última sexta-feira (22), porém, publicou-se no Diário Oficial da União um decreto de criação do programa de distribuição de repelentes a essas gestantes. Pior, não há data para o início das entregas. O edital para a aquisição do produto, por exemplo, ainda nem foi divulgado. Na melhor das hipóteses, o repelente chegará às gestantes carentes perto do início do inverno, quando o auge da ação do A. aegypti terá passado. A escassez sazonal de chuvas e a chegada do frio naturalmente reduzirão a quantidade de mosquitos. Ou seja, a ação federal começará tarde, quando o estrago irreparável estará feito. O vírus da zika já circula em quase todos os Estados. Em 2016 foram registradas 91,3 mil prováveis ocorrências da doença, 7.500 das quais em grávidas. Os casos confirmados de malformação chegam a 1.198. A letargia do governo federal apenas amplifica essa tragédia, para particular prejuízo —de novo— da população mais vulnerável.
2016-04-28
opiniao
Opinião
http://www1.folha.uol.com.br/opiniao/2016/04/1765491-inseguranca-contra-a-zika.shtml
Quem tem medo de eleições?
Além das superficialidades e dos escândalos que apontam soluções simples para problemas complexos, a verdadeira crise que o Brasil experimenta é a de representação. O governo não governa, o Parlamento não legisla nem fiscaliza e o povo não é chamado a decidir. Do ponto de vista econômico, os anos de bonança, animados pela alta das commodities, deram lugar à carestia desenfreada, com profunda recessão e quebradeira de empresas - só no varejo, em 2015, quase 100 mil empreendimentos fecharam-, acarretando o desemprego em massa. A opção neoliberal do segundo governo Dilma a afastou de sua plataforma eleitoral, agravou os gargalos na infraestrutura do país, enfraqueceu a competitividade e acentuou o atraso tecnológico, com graves reflexos na produtividade. A economia parou. No plano institucional, o eclipse total do diálogo levou a presidente da República e o presidente da Câmara dos Deputados, Eduardo Cunha, a atuarem não como chefes de poderes independentes, mas como comandantes de tropas inimigas. Enquanto Dilma se mostrava incapaz de reagrupar a base e dialogar com o Congresso, Cunha passava a trabalhar para restringir a mobilidade do governo, usando para isso manobras regimentais sucessivas. Asfixiado, o Palácio do Planalto capitulou, demonstrando que aquilo que parecia o ocaso de um governo era, de fato, o réquiem do presidencialismo de coalizão. No plano político, os escândalos de corrupção envolvendo a maioria dos partidos e líderes da situação e oposição descredenciaram o maniqueísmo e, com ele, uma saída a frio para a crise. O impasse não será resolvido se ignorarmos o desejo de participação da ampla maioria da população. O dique está prestes a ser rompido. O que vem das ruas é a rejeição de um modelo. Pesquisa Datafolha divulgada no dia 9 mostrou que 61% da população quer afastar Dilma da Presidência. A destituição de Michel Temer é desejada por 58%. A rejeição ao vice-presidente consegue a proeza de unir os movimentos favoráveis e contrários ao impeachment. A revista "The Economist" de 21 de abril, dia de Tiradentes, diz que o Brasil sofreu "grande traição", tanto pela presidente Dilma quanto pela classe política. A reportagem fez lembrar a célebre frase de Leonel Brizola: "A política ama a traição e abomina o traidor". Reconhecendo a fragilidade do governo e a iminência do impeachment, a revista britânica afiança que Temer "dificilmente será percebido como alguém com legitimidade para governar o país". O eco das ruas que atravessou o Atlântico anima juristas e políticos de diferentes vertentes. Durante palestra, o ex-ministro do Supremo Tribunal Federal Joaquim Barbosa defendeu a consulta popular. "Organizem eleições, deixem que o povo resolva", conclamou. Com Dilma e Temer sem o apoio das ruas e Cunha, o terceiro na ordem de sucessão, prestes a experimentar o frio do cárcere, fica claro que um problema excepcional exige uma solução excepcional, proporcional à gravidade do momento: novas eleições. Em resposta ao impasse político, um grupo de senadores apontou para o futuro e assinou a PEC (Proposta de Emenda à Constituição) 20/16, que prevê excepcionalmente uma eleição presidencial simultânea às eleições municipais de outubro. O voto direto como forma de superar a crise já ganhou as manchetes internacionais, o parecer de juristas renomados e a opinião majoritária das ruas. O que falta, então, para o eleitor ser chamado a decidir quem deve governar a nação? As eleições diretas estão para a democracia como a água benta está para o rito católico: purifica a matéria, espanta o mal e potencializa os efeitos positivos da oração. Só os agentes das sombras podem temer a luz das urnas. RANDOLFE RODRIGUES, historiador e senador, é líder da Rede Sustentabilidade no Senado * PARTICIPAÇÃO Para colaborar, basta enviar e-mail para [email protected]. Os artigos publicados com assinatura não traduzem a opinião do jornal. Sua publicação obedece ao propósito de estimular o debate dos problemas brasileiros e mundiais e de refletir as diversas tendências do pensamento contemporâneo.
2016-04-28
opiniao
Opinião
http://www1.folha.uol.com.br/opiniao/2016/04/1765442-quem-tem-medo-de-eleicoes.shtml
Gesso trabalhista
Na expectativa de assumir o governo em breve, o vice-presidente Michel Temer (PMDB) intensificou sua agenda com empresários e sindicalistas. Pretende convencer tais segmentos de que buscará consensos entre eles, equilibrando a necessidade de ajustar as contas públicas com a de preservar programas sociais. A julgar pelas propostas levadas a Temer por integrantes de centrais sindicais em encontro na terça-feira (26), não será nada fácil –mesmo para um governo sem ligações estreitas com o setor. Tome-se a Previdência. Permanece o discurso de sempre, refratário à adoção de idade mínima para a aposentadoria compatível com a expectativa de vida. Os sindicalistas rechaçam, na prática, qualquer medida de ajuste das contas, hoje a caminho da insolvência. São inequívocos os estudos que apontam explosivo aumento do deficit na ausência de reformas. Dados do economista David Beker, publicados pelo jornal "Valor Econômico", indicam que a manutenção do status quo ampliará o buraco no sistema previdenciário de 1,5% do PIB, em 2015, para 13% do PIB em 2060 –o custo total nesse período chegaria a 23% do PIB. Em vez de lutar contra essa realidade, os sindicatos deveriam pugnar por regras de transição que equilibrem direitos adquiridos com direitos das novas gerações. Só dizer que reformas contrariam o interesse dos trabalhadores e da coletividade não passa de populismo. Do mesmo modo, as centrais se opõem a iniciativas de modernização das leis trabalhistas e sindicais. Foi-se o tempo em que a CUT defendia a liberdade sindical e a prevalência da negociação coletiva sobre as amarras da CLT –um debate, aliás, que precisa ser retomado. A resistência a mudanças por parte das centrais foi reforçada pelo acesso ao maná do imposto sindical, oferecido pelo governo Lula em uma virada de 180° em suas convicções históricas sobre o tema. Aninhadas no Estado e sem obrigações de prestar contas do que fazem com o dinheiro do imposto sindical, as centrais não parecem ter interesse em lidar com os desafios das relações de trabalho contemporâneas, que são cada vez mais fluidas e flexíveis. A esse respeito, também é incompreensível a repulsa a tentativas de regulamentar a terceirização. Essa modalidade de contrato já é uma realidade para milhões de trabalhadores, que ficam numa situação de fragilidade, como se fossem cidadãos de segunda classe em relação aos que são protegidos por sindicatos fortes. Uma agenda de entendimento nacional demanda respeito a direitos e preservação de ganhos sociais. Mas é preciso abertura para uma visão moderna e condizente com a realidade atual, o que ainda não se vislumbra em grande parte das lideranças sindicais. [email protected]
2016-04-28
opiniao
Opinião
http://www1.folha.uol.com.br/opiniao/2016/04/1765492-gesso-trabalhista.shtml
Regulamentar por uma cidade mais moderna
Romper com o modelo urbano insustentável implantado em São Paulo no século 20 -baseado na prioridade para o automóvel, na desertificação do espaço público, na segregação sócio-territorial, nos condomínios fechados e na depredação ambiental- é fundamental para o futuro da cidade. Em 2014, como relator do Plano Diretor Estratégico (PDE), formulamos propostas que buscam superar o velho modelo e construir novos paradigmas. A gestão do prefeito Fernando Haddad tem trabalhado para colocar em prática esses novos modelos, mesmo sofrendo resistência dos que defendem padrões ultrapassados. A regulamentação do uso de aplicativos no transporte de passageiros por automóveis deve ser analisada nessa perspectiva. Dentre os inúmeros aspectos que introduzimos no substitutivo do PDE, está incluído o uso de carros compartilhados. O assunto foi proposto e discutido em audiências públicas e gerou a seção oito do capítulo que estabelece as diretrizes da política e do sistema de mobilidade urbana. Esse capítulo determina prioridade ao transporte coletivo e à mobilidade ativa (a pé, de bicicleta etc.) e propõe o uso racional do automóvel, a ser articulado com outros modais. Para cumprir esse objetivo, o transporte de passageiros por automóvel deve ser revisto, pois a atual organização do sistema de táxis - baseado no monopólio de alvarás, no uso exclusivo dos veículos e em tarifas elevadas para o cidadão comum- é insuficiente para atender a política de mobilidade indicada pelo Plano Diretor. Para que o automóvel cumpra uma função estratégica na proposta de mobilidade preconizada, é necessário reduzir o custo do serviço e ampliar o número de usuários, viabilizando seu uso complementar aos demais modais e ampliando a média do número de passageiros por automóvel, hoje estimada em apenas 1,3. O compartilhamento de automóveis, no âmbito de uma reorganização do sistema de transporte de passageiros baseada em novas tecnologias, cria as condições para a redução do número de veículos nas ruas, sem inviabilizar sua utilização. É natural a reação dos taxistas às transformações necessárias e, ressalte-se, inevitáveis. Todavia, o enorme crescimento no uso desses aplicativos sem nenhuma regulamentação terá efeito ainda mais predador. A criação de regras claras poderá beneficiar todos os trabalhadores envolvidos no transporte de passageiros por automóvel, em especial os taxistas, que poderão inclusive incrementar sua renda via aumento da demanda. Por outro lado, a diversificação dos modais gerará efeitos positivos no modelo de cidade que desejamos implantar. A análise desse tema pelo legislativo deve ter como referência essa reflexão, superando a nefasta polarização empresarial/corporativa "Uber x taxistas", que tem caracterizado os debates. A gestão Haddad, com a ousadia que a caracteriza, formulou uma proposta consistente de regulamentação que preserva e dá segurança jurídica para os taxistas, tributa a prestação desse serviço e avança em direção a mecanismos contemporâneos de utilização de aplicativos e novas tecnologias. Essa proposta precisa ser mais conhecida e debatida não só pelos diretamente envolvidos, mas, sobretudo, pelos usuários ou futuros usuários do sistema. Não podemos deixar que interesses empresariais ou corporativos contaminem o debate sobre uma importante política pública. Entre tantos avanços que São Paulo está oferecendo para as cidades brasileiras, a regulamentação do carro compartilhado poderá ocupar um lugar de destaque. NABIL BONDUKI, arquiteto e urbanista, é vereador (PT) em São Paulo e professor titular de planejamento urbano na Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da USP. Foi relator do Plano Diretor Estratégico na Câmara Municipal de São Paulo e secretário municipal de Cultura (gestão Haddad) * PARTICIPAÇÃO Para colaborar, basta enviar e-mail para [email protected]. Os artigos publicados com assinatura não traduzem a opinião do jornal. Sua publicação obedece ao propósito de estimular o debate dos problemas brasileiros e mundiais e de refletir as diversas tendências do pensamento contemporâneo.
2016-04-27
opiniao
Opinião
http://www1.folha.uol.com.br/opiniao/2016/04/1764980-regulamentar-por-uma-cidade-mais-moderna.shtml
Tudo pelo social
Um dos desdobramentos mais relevantes do provável afastamento da presidente Dilma Rousseff (PT) será a oportunidade aberta a novas forças políticas de usufruir dos dividendos eleitorais gerados pelos programas de proteção social ampliados na última década, em particular o Bolsa Família. Sintomaticamente, Dilma acusa aqueles que chama de "golpistas" de tramar cortes nos benefícios. "Mentira rasteira", rebateu o vice Michel Temer (PMDB). A cúpula peemedebista prepara um texto com diagnósticos e diretrizes para as áreas de educação, saúde, previdência e assistência —espécie de segundo tomo do plano "Uma Ponte para o Futuro", de 2015, por meio do qual o partido defendeu agenda econômica liberal. Noticia-se que a coalizão de apoio a Temer cogita reajustar os desembolsos do Bolsa Família, congelados há dois anos dada a situação calamitosa das finanças. Políticas de combate à pobreza e à desigualdade estão no centro do debate nacional desde a restauração da democracia. "Tudo pelo Social" era o lema do governo José Sarney (1985-1990), na primeira e, até aqui, única vez em que o PMDB ocupou o Palácio do Planalto. Desde então, despesas públicas associadas a esse fim se mantêm em aumento constante, mas foram os governos petistas, por sorte, mérito e oportunismo, que as tomaram como marca principal. Sorte, por terem desfrutado na década passada de um período de bonança econômica e menores constrangimentos orçamentários; mérito, pela escala inédita conferida à iniciativa bem-sucedida de transferência direta de renda a famílias selecionadas. O PT, entretanto, atingiu níveis vulgares de oportunismo, e chegou mesmo à mendacidade, ao afirmar que a mera ascensão de seus adversários ameaçaria a clientela da seguridade, para nada falar da ampliação irresponsável de gastos promovida sob a gestão de Dilma. Daqui para a frente, contudo, qualquer administração estará forçada a disciplinar a expansão do aparato de amparo social, até para garantir a própria sustentabilidade dos programas. Em vez da alocação automática de verbas, impõe-se o estabelecimento de prioridades e a correção de ineficiências. O histórico do PMDB, diga-se, não o recomenda para a tarefa. Quando hegemônico, o partido incluiu regras perdulárias e disfuncionais na Constituição de 1988. Nos últimos anos, pautou-se pelo apoio conveniente às mais variadas demandas setoriais, sem maiores análises de custo-benefício. Prestes a voltar à Presidência, o PMDB precisa não só lançar uma ponte para o futuro mas também provar que acertou contas com seu passado –mas não há evidências de que isso tenha ocorrido. [email protected]
2016-04-27
opiniao
Opinião
http://www1.folha.uol.com.br/opiniao/2016/04/1765017-tudo-pelo-social.shtml
Conveniente, mas não oportuno
A lei 16.279 foi sancionada pelo prefeito Fernando Haddad em outubro do ano passado após 15 meses de debates, com aprovação de 43 vereadores. Como explicar que, seis meses depois, o mesmo prefeito tome uma decisão diametralmente oposta? Vale lembrar que a lei 16.279 jamais baniu a tecnologia do setor de transportes, nem sequer trata disso. Ela apenas restringe o uso de carros particulares, cadastrados por aplicativos, para locomoção remunerada de pessoas, como prevê lei federal. Tentar revogá-la é uma guinada de 180 graus. Não se trata de uma defesa corporativista, como muitos acusam. É inegável que São Paulo necessita de políticas e investimentos em mobilidade, mas há dúvidas se o caminho escolhido é o melhor. A consulta pública realizada serve apenas para tentar justificar a mudança de posicionamento e a incoerência do prefeito e sua equipe. Num cenário de desemprego, a possibilidade de tirar o carro da garagem e ganhar algum dinheiro é sedutora, mas quem aprova a regulação de aplicativos como o Uber olha para a cidade ou para as necessidades individuais? O Banco Mundial, assim como especialistas internacionais, reconhecem a proposta como uma "alternativa inovadora", mas não uma "fórmula de sucesso", pois jamais foi testada antes. Nesse sentido, São Paulo pode se transformar em laboratório, e nós seremos as cobaias. Todos sabemos que até remédios longamente estudados possuem efeitos adversos. Acomodar os interesses de uma empresa irregular, portanto, é um perigoso precedente. Qualquer coisa pode se encaixar no discurso da "livre iniciativa". É inegável que a prefeitura tem realizado ações favoráveis à mobilidade. O Uber, entretanto, atua em sentido oposto. Para oferecer uma "segunda renda", a empresa coloca carros, antes ociosos, para rodar. O carro da família se transformou em instrumento de trabalho e já surgiram "investidores" oferecendo veículos para aqueles que não têm um. O Uber apenas "compartilha" o espaço das vias. A concorrência desleal vem provocando a canibalização no setor. É ingenuidade acreditar que o transporte individual possa ter o mesmo valor do coletivo. Cedo ou tarde, isso terá reflexos na segurança, na qualidade da frota e no serviço. O substitutivo do prefeito, associado ao projeto de lei 421, prevê tantas novidades que deixa brechas para uma série de espertezas difíceis de controlar. Receio pela segurança do cidadão. A execução da proposta é complexa para um prefeito cujo mandato acaba no fim do ano. Caso não seja reeleito, que compromisso o seu substituto terá com essas ideias? A venda de créditos para uso do viário pode se transformar em fonte de recursos para equilibrar as contas do município? São Paulo, com 30% de carros irregulares em circulação, precisa de uma gestão de tráfego inteligente, capaz de controlar e fiscalizar toda a frota em circulação, garantir melhorias na mobilidade e reduzir ainda a criminalidade. Tecnologia existe, mas a parceria proposta pela prefeitura não garante isso. Nesse aspecto, a simples regulação pode ser conveniente para o Uber, locadoras e similares, mas não é oportuna para a cidade. ADILSON AMADEU é vereador em São Paulo (PTB) * PARTICIPAÇÃO Para colaborar, basta enviar e-mail para [email protected]. Os artigos publicados com assinatura não traduzem a opinião do jornal. Sua publicação obedece ao propósito de estimular o debate dos problemas brasileiros e mundiais e de refletir as diversas tendências do pensamento contemporâneo.
2016-04-27
opiniao
Opinião
http://www1.folha.uol.com.br/opiniao/2016/04/1764982-conveniente-mas-nao-oportuno.shtml
Imagem em jogo
É de certo modo surpreendente, e sem dúvida consternador, que a cem dias de sua abertura a Olimpíada do Rio de Janeiro conheça os maiores abalos em sua imagem. A primeira edição do evento esportivo a ser realizado na América do Sul encontra-se cercada de desconfiança praticamente desde outubro de 2009, quando a capital fluminense foi escolhida para sediar a competição. Em tese, houve tempo suficiente para enfrentar problemas diversos —e provar infundados os questionamentos. Dá-se o contrário, contudo. Da epidemia de zika ao fracasso na meta de despoluição da baía de Guanabara, sede das competições de vela, passando pela crise política e econômica, são muitos os aspectos que têm suscitado preocupação. A escalada de más notícias associadas à Rio-2016 teve seu ápice na semana passada, quando desabou um trecho da ciclovia na avenida Niemeyer, uma das poucas obras de legado dos Jogos já inauguradas. Duas pessoas morreram. Registrada no mesmo dia em que se acendia a tocha olímpica na Grécia, a tragédia reverteu a publicidade positiva que se imaginava para a data. Sinalizou ao mundo que são pertinentes as dúvidas sobre a capacidade do país para realizar evento esportivo dessa magnitude. Além dos atrasos em obras de arena e de legado —destaque para o Velódromo e a linha 4 do metrô–, o colapso da ciclovia e as falhas em equipamentos esportivos durante eventos-teste, como o da natação, mostram que nem quando os trabalhos foram concluídos é possível sentir-se tranquilo. A esses problemas somam-se suspeitas de desvios por um tempo encobertas pela falta de transparência propiciada pelos organizadores —notadamente o prefeito Eduardo Paes (PMDB). Dado que empreiteiras investigadas no escândalo do petrolão respondem pela maior parte das construções, parecia inevitável que a Operação Lava Jato avançasse sobre os Jogos. A força-tarefa de Curitiba já encontrou indicações de suborno na revitalização da região portuária e na expansão do metrô –e não deve parar por aí. Como se fosse pouco, ainda há mais um possível dano: dado o atual calendário do impeachment, é provável que o país passe pelo constrangimento de ter, durante os Jogos, uma presidente afastada, mas não de fato destituída. O Brasil poderia ganhar projeção simbólica com a Olimpíada do Rio; a esta altura, parece fadado a receber novas máculas em sua imagem. [email protected]
2016-04-27
opiniao
Opinião
http://www1.folha.uol.com.br/opiniao/2016/04/1765018-imagem-em-jogo.shtml
Educação e a agenda de um novo governo
A educação pode ajudar ou complicar a superação da crise econômica e política que vivemos? É algo para ser levado a sério por governo, empresariado e sociedade ou deve continuar objeto de ineficientes programas e bolsas de todos os tipos? Depois do estrago feito no setor nos últimos anos, sem contar o aparelhamento, por onde começar? "Onde estiver o seu tesouro, aí também estará o seu coração." Estando correto o provérbio, a análise dos gastos de 13 anos de governos petistas e as mudanças de rota de vários ministros da Educação confirmarão que nunca existiu uma proposta efetiva para a área, e, se existiu, foi esquecida. Houve uma certa consistência no período de Fernando Henrique Cardoso, mas nos vários governos estaduais e municipais encabeçados pelo PSDB não se nota nenhuma marca da sigla. Parece vigorar hoje um grande consenso nacional por mais gastos, fortemente marcado pelo atendimento prioritário às pressões de natureza corporativista. Na hipótese de vivermos um governo de transição, essa poderia ser a oportunidade de ouro para reinaugurar uma política educacional viável e voltada para a eficiência e para a qualidade. Uma agenda positiva precisaria incluir reformas estruturais, que precisam ser feitas no curto prazo, e medidas de transição, para preparar uma segunda fase. O pacote poderia começar com uma medida inovadora: a criação de um novo marco e estímulos para atrair, formar e manter futuros professores em instituições de elite. Além de mudar a trajetória, poderíamos reduzir desperdícios de bilhões de reais do Fies e Prouni. É fundamental também realizar uma profunda revisão do ensino médio, canalizando recursos do Sistema S para seu financiamento, realizada no bojo de um pacto federativo que viabilizasse a municipalização do ensino fundamental prevista na Lei de Diretrizes e Bases. Outras medidas contemplariam uma política vigorosa para a primeira infância, com ações mais eficazes, menos retóricas e alternativas de atendimento. E já que vivemos uma crise, nada mais oportuno do que rever os mecanismos de financiamento do governo federal e da educação em geral. Hoje os recursos obrigatórios estão amarrados por legislações que estimulam a ineficiência; os voluntários estão atrelados à cooptação. São bilhões de reais no ralo. Na lista de cortes encontram-se praticamente todos os programas iniciados pelo MEC, nenhum deles com avaliação feita -os que passaram pelo processo tiveram resposta negativa. Isso se aplica ao Pronatec, às creches, ao programa de alfabetização e a todos os outros. Só a redação do Enem custa mais de R$ 100 milhões por ano, sem agregar qualquer informação útil. Essas propostas seriam uma maneira de recomeçar de forma adequada a discussão das bases curriculares, assunto que depois de anos de rejeição foi assimilado pelas universidades e pelos grupos que apoiam o PT. Rever o PNE (Plano Nacional de Educação) torna-se imperativo, se prevalecer a racionalidade econômica. Evidências robustas mostram que é a qualidade da educação, e não o número de anos de escolaridade, que promove o crescimento econômico. A educação precisa entrar na pauta da política e da economia, com urgência. JOÃO BATISTA ARAUJO E OLIVEIRA, 67, doutor em educação, é presidente do Instituto Alfa e Beto, organização não governamental que promove políticas educacionais para a primeira infância * PARTICIPAÇÃO Para colaborar, basta enviar e-mail para [email protected]. Os artigos publicados com assinatura não traduzem a opinião do jornal. Sua publicação obedece ao propósito de estimular o debate dos problemas brasileiros e mundiais e de refletir as diversas tendências do pensamento contemporâneo.
2016-04-26
opiniao
Opinião
http://www1.folha.uol.com.br/opiniao/2016/04/1764621-educacao-e-a-agenda-de-um-novo-governo.shtml
Moradia no papel
Em abril de 2012, quando o governador Geraldo Alckmin (PSDB) anunciou o plano de construir em parceria com a iniciativa privada 10 mil moradias (número depois ampliado para 20 mil) no centro de São Paulo, a ideia parecia boa. O modelo permitiria repovoar uma região degradada e aliviar o deficit habitacional na cidade –hoje de cerca de 230 mil imóveis–, dividindo os custos com empresas do setor. As casas, em sua maioria, seriam destinadas a famílias com renda de um a cinco salários mínimos. O restante iria para aquelas com ganhos de seis a dez salários. Ao lançar a iniciativa, o tucano deu 120 dias para que construtoras apresentassem projetos; previa-se o início da empreitada para 2013. Quatro anos depois, porém, nenhuma moradia foi entregue; 126 estão em fase de construção. Uma mistura de descoordenação, incompetência para atrair o setor privado e lentidão burocrática ajudam a explicar a demora. Nesse modelo de parceria público-privada (PPP), o Estado entraria com o terreno e as construtoras bancariam as obras. Ocorre que o governo Alckmin se esqueceu do óbvio: anunciou o projeto sem que houvesse áreas disponíveis. Essa questão só foi plenamente resolvida em meados de 2014, com a aprovação do Plano Diretor paulistano, que definiu novas áreas de interesse social no centro. O edital foi lançado com quatro lotes, mas apenas um atraiu interessados. Segundo as construtoras, elas foram desestimuladas porque não havia precisão na localização dos terrenos, impedindo-as de calcular retorno financeiro. Assim, somente em março do ano passado foi assinado o primeiro contrato da parceria, prevendo a construção de 3.683 unidades. Tanta demora, afirma o governo estadual, deve-se ao fato de a PPP ser uma iniciativa inédita na área de habitação, o que teria trazido dificuldades na implementação. A desculpa não convence. Quando o plano foi lançado, Geraldo Alckmin elogiou o modelo, dizendo que, com ele, seria possível avançar de "forma mais rápida, mais célere, no programa habitacional". O governador tucano, contudo, deveria saber que, para uma parceria público-privada funcionar, ambas as partes têm de cumprir obrigações –e, nesse caso, a administração estadual faltou com as suas. [email protected]
2016-04-26
opiniao
Opinião
http://www1.folha.uol.com.br/opiniao/2016/04/1764653-moradia-no-papel.shtml
Drogas na ONU
Teve lugar em Nova York na última semana a terceira sessão especial das Nações Unidas sobre drogas, com a participação de dezenas de chefes de Estado –a primeira iniciativa do gênero desde 1998. O debates deixaram claro um cisma crescente na comunidade internacional com respeito ao tema. De um lado, países como México, Colômbia, Canadá, Noruega, Uruguai, entre outros, denunciaram a falência do paradigma de guerra às drogas e a necessidade de uma abordagem mais flexível da questão. De outro, nações como Rússia, China, Irã, Indonésia e Arábia Saudita, além de países da África, defenderam a manutenção do modelo atual e, em alguns casos, até a utilização da pena de morte para enfrentar o problema. O documento final reflete a difícil negociação entre esses dois polos. Verdade que houve avanços. As políticas sobre entorpecentes passaram a contemplar cada vez mais preocupação com o usuário. Manteve-se, porém, o espírito de 1998, com o compromisso de buscar um mundo livre de drogas. Ocorre que o planeta não se aproximou nem um pouco desse objetivo nestes 18 anos. Trilhões de dólares foram gastos na repressão, enquanto centenas de milhares de pessoas receberam penas de encarceramento sem que fossem reduzidas a proporção global de usuários ou a produção de estupefacientes. Diante desse quadro, floresceram abordagens alternativas. Portugal descriminalizou o consumo de todas as drogas; a Suíça desenvolveu um programa pioneiro de prescrição de heroína para dependentes; Estados norte-americanos legalizaram o uso recreacional da maconha; o Uruguai prepara-se para iniciar a venda da erva sob o controle do Estado. Durante o encontro da ONU, o presidente do México anunciou um plano para liberar o uso medicinal da cânabis e aumentar a posse permitida da substância; o representante do Canadá confirmou que o país concluirá em breve um projeto para legalizar a maconha. Trata-se de um caminho mais promissor para lidar com a questão, na visão desta Folha. A comunidade internacional deveria reconhecer o fracasso do paradigma proibicionista, passando a preconizar uma abordagem pela via da descriminalização e da legalização, a começar pela maconha, num modelo que resulte em ampliação das liberdades e economia de recursos, com o menor impacto possível sobre a saúde pública. [email protected]
2016-04-25
opiniao
Opinião
http://www1.folha.uol.com.br/opiniao/2016/04/1764272-drogas-na-onu.shtml
Delação e o ápice da cadeia criminosa
Com o advento da lei 12.850/2013, efetivou-se no Brasil o instituto da delação premiada. A partir de seu uso em diversas investigações criminais, surgiram dúvidas acerca dos limites de sua utilização, a fim de evitar sua banalização. Na teoria, admite-se a delação de pessoas que ocupam níveis médios nas organizações criminosas e possuem conhecimento de fatos e de provas do envolvimento daqueles que ocupam o topo da pirâmide criminosa. A grande vantagem para o Estado e para a sociedade é que esse mecanismo permite a troca da punição de um criminoso médio pela obtenção de provas que permitirão a responsabilização penal dos "grandes criminosos", ou seja, daqueles que detêm o poder de comandar todo o esquema delituoso. Quanto maiores a quantidade e a qualidade das informações prestadas, maior será o benefício obtido pelo investigado, devendo-se ter cuidado para que essa técnica de investigação, tão importante no combate a esquemas complexos de corrupção e de crimes financeiros, não seja esvaziada pela ausência de punição às pessoas que se situam no topo da cadeia criminosa. Na corrupção, em regra geral, a prática criminosa reina em duas frentes distintas, mas codependentes: o poder econômico (corrupção ativa) e o poder político (corrupção passiva). Após a investigação progredir na obtenção das provas que levem à punição daqueles que ocupam os ápices das organizações, tanto na frente política como na econômica, não se deve mais tolerar a responsabilização penal de apenas um desses lados. Deixar de punir os dois polos da organização criminosa -político e econômico-, para punir apenas um deles, implicaria dar tratamento distinto a situações jurídicas idênticas, o que geraria a sensação de injustiça. Nesse sentido, é importante destacar que as penas de prisão previstas no Código Penal aos crimes de corrupção ativa e de corrupção passiva são iguais. Não obstante, ainda nesses casos pode ser admitida a delação premiada, conquanto dois requisitos básicos sejam preenchidos. São eles: a) deve haver amplo e irrestrito esclarecimento de todos os fatos criminosos e, principalmente, b) os benefícios concedidos ao chamado "grande criminoso" devem ser mínimos, para que ele não se isente do cumprimento da pena por meio de rápidas progressões de regime ou pela prisão domiciliar. Destaca-se, por fim, que a investigação de crimes graves, como define a Convenção da ONU de Palermo, deve se voltar para o esclarecimento de todos os fatos e, especialmente, para a responsabilização das pessoas no topo da cadeia criminosa. Por esse motivo, é fundamental evitar a banalização da delação premiada e das barganhas desproporcionais para os chefes das organizações criminosas, seja no polo do poder econômico, seja no poder político. MILTON FORNAZARI JUNIOR, doutor em direito processual penal (PUC-SP), é delegado da Polícia Federal. Atua na Delefin (Delegacia de Repressão a Crimes Financeiros e Desvio de Recursos Públicos). * PARTICIPAÇÃO Para colaborar, basta enviar e-mail para [email protected]. Os artigos publicados com assinatura não traduzem a opinião do jornal. Sua publicação obedece ao propósito de estimular o debate dos problemas brasileiros e mundiais e de refletir as diversas tendências do pensamento contemporâneo.
2016-04-25
opiniao
Opinião
http://www1.folha.uol.com.br/opiniao/2016/04/1764227-delacao-e-o-apice-da-cadeia-criminosa.shtml
A verdade inconveniente
Tenho acompanhado a discussão sobre a troca dos juros compostos por juros simples na correção das dívidas estaduais com a União, conforme liminares concedidas aos Estados pelo Supremo Tribunal Federal. Na prática, a mudança significa redução artificial dos saldos devedores de R$ 402 bilhões para valores próximos a zero. No final dos anos 1990, a União assumiu as dívidas estaduais, refinanciando-as por 30 anos, com amparo da lei 9.496/97 e de contratos que exigiam contrapartidas para estancar os desequilíbrios crescentes -entre elas, estão metas de resultado fiscal, limitação de gastos com pessoal e vedação da emissão de dívida mobiliária. Dez anos passados, os Estados geraram superavits primários superiores a 1% e investiram 1,2% do PIB, contribuindo para o crescimento sustentado do país. Até 2013, esse refinanciamento implicou R$ 209 bilhões em subsídios aos Estados, o que corresponde a 47% do total do Fundo de Participação dos Estados e do Distrito Federal transferido no período. A verdade inconveniente é que a contestação desses contratos, depois de 20 anos, é um tiro pela culatra. Além de infringir uma regra universal do sistema de crédito, o saldo abatido das dívidas estaduais seria colocado à conta da União e custeado com mais endividamento ou mais impostos. As consequências são previsíveis: mais incertezas, aumento imediato dos gastos correntes nos Estados, risco de insolvência da dívida pública, quebra de contratos no mercado financeiro e suas imponderáveis consequências. Isso nos conduziria à queda do investimento agregado, ao aumento do desemprego e ao agravamento da crise. Uma conta a ser paga por todos nós. Significa ainda que 82% do abatimento dos saldos se traduzem em benefício direto aos quatro Estados mais ricos e mais endividados, o que, além de um problema moral, contribui para esgarçar ainda mais o federalismo e agravar a desigualdade regional. Pior, nos desvia da busca das reformas estruturais e dos fundamentos do equilíbrio fiscal e da legitimidade de nossas ações, quais sejam: melhor gestão nos nossos governos, proteção ao ataque das corporações contra os interesses coletivos, respeito e eficiência na aplicação dos impostos, recuperação da capacidade de investir com recursos próprios para redução da dependência insustentável por mais endividamento. Embora o Espírito Santo tenha se posicionado contrariamente ao alongamento das dívidas, também sentimos as dificuldades da crise e as consequências de decisões irresponsáveis no passado recente. Participamos do esforço conjunto para buscar uma saída e, ao invés de romper laços federativos, construirmos convergências. O PLP (projeto de lei complementar) 257/2016 combina um alívio nos encargos da dívida -alongamento de prazos e desconto temporário- com contrapartidas, para fechar tanto os ralos do populismo quanto as burlas à Lei de Responsabilidade Fiscal e, assim, permitir o retorno à trajetória de equilíbrio. Foi discutido pelo governo federal com o fórum de governadores e secretários de Fazenda e, conjuntamente, encaminhado ao Congresso. O projeto pode ser aperfeiçoado para permitir uma renegociação responsável dos débitos estaduais, mas jamais esfacelado, como o faz a saída fácil dos juros simples. Precisamos retomar a trajetória da racionalidade, da estabilidade das regras, da solidariedade federativa e geracional, do uso responsável, legítimo e eficiente dos recursos públicos. São esses os valores que precisam nos afastar do desespero e nos unir na construção de dias melhores para o Brasil. PAULO HARTUNG, economista, é governador do Estado do Espírito Santo pelo PMDB * PARTICIPAÇÃO Para colaborar, basta enviar e-mail para [email protected]. Os artigos publicados com assinatura não traduzem a opinião do jornal. Sua publicação obedece ao propósito de estimular o debate dos problemas brasileiros e mundiais e de refletir as diversas tendências do pensamento contemporâneo.
2016-04-25
opiniao
Opinião
http://www1.folha.uol.com.br/opiniao/2016/04/1763980-a-verdade-inconveniente.shtml
Clima de boas intenções
A sede da ONU foi palco sexta-feira (22) de um fato incomum: nunca antes 175 países haviam assinado um tratado no mesmo dia. A distinção coube ao Acordo de Paris, adotado em dezembro para enfrentar a mudança climática mundial. O número soa expressivo, mais ainda porque corresponde a nações que emitem 93% dos gases que, como o dióxido de carbono (CO2), agravam o efeito estufa. Apesar disso, constitui antes demonstração de boas intenções do que passos concretos para limitar o aquecimento global a 2°C ou, se possível, a 1,5° C, como indica o acordo. O Brasil figura entre as nações signatárias. A presidente Dilma Rousseff (PT), em Nova York, pouco adiantou sobre ações futuras nesse campo. Limitou-se a reiterar o papel do Brasil nas negociações, embalado no prestígio adquirido com a redução de emissões. Pelo menos não se arriscou a desviar-se demais do tema e discorrer sobre o "golpe" que acredita sofrer. Há ainda um longo caminho pela frente em relação ao tratado aprovado em Paris. Para entrar em vigor, o texto precisa ser ratificado –adotado como lei pelos respectivos Parlamentos– por 55 de seus integrantes, que em conjunto respondam por 55% das emissões globais. Esse quórum mínimo contorna a improbabilidade de o Congresso dos EUA vir a ratificar o acordo, dada a resistência ideológica da maioria dos republicanos. De todo modo, o presidente americano, Barack Obama, pôs em prática várias medidas para conter emissões à revelia dos parlamentares. A China, hoje o maior poluidor climático do planeta, também progrediu. Criou metas nacionais para conter o CO2, está fechando minas de carvão e investe pesadamente em energias renováveis. O Acordo de Paris, porém, contém poucas provisões mandatórias e não estipula ações para garantir que a meta de 2° C seja cumprida. Em paralelo, acumulam-se evidências preocupantes. O ano de 2015 foi o mais quente já registrado, e 2016 não fica atrás. Cada um dos 11 meses recentes teve a temperatura média global mais alta, na comparação com igual período. Março foi o mais escaldante entre todos os 1.635 meses desde 1880. Tudo isso imprime um sentido de urgência aos governos, que no entanto encontram dificuldade para para passar das intenções aos atos. [email protected]
2016-04-24
opiniao
Opinião
http://www1.folha.uol.com.br/opiniao/2016/04/1764052-clima-de-boas-intencoes.shtml
Senado deve aprovar processo de impeachment de Dilma Rousseff? NÃO
GOLPE PODE SER DERROTADO A alegoria do livro "O Processo", de Franz Kafka, remete ao pesadelo de um cidadão a quem é negado o direito de saber os reais motivos do crime pelo qual é acusado, o que impossibilita sua defesa. O ex-ministro do STF (Supremo Tribunal Federal) Paulo Brossard escreveu em "O Impeachment" (1965), obra fundamental, que "o fato de ser o impeachment processo político não significa que ele deve ou possa marchar à margem da lei". Josef K., o personagem de Kafka, viveu os tormentos de um inquisitorial sem pé nem cabeça. No caso do processo de impeachment da presidente Dilma Rousseff, o ritual da tese do "conjunto da obra", acusações desconexas sem o rigor da prova, prevaleceu na Câmara, impedindo, até o momento, o direito de defesa. Participei do impeachment de Fernando Collor. Posso testemunhar que a proposta de impedimento só prosperou após serem colhidas, por uma CPI Mista do Congresso, provas de contas fantasmas administradas por PC Farias, que, entre outros delitos, repassava dinheiro para cobrir gastos pessoais, inclusive para subsidiar despesas da residência oficial. O processo em curso é golpe exatamente por isto: não apareceram provas de que Dilma tenha cometido crime de responsabilidade. A primeira parte do golpe foi dirigida pelo notório Eduardo Cunha, presidente da Câmara que acolheu por vingança pessoal uma denúncia inepta de crime de responsabilidade. O insuspeito Miguel Reale Júnior, um dos autores da denúncia, chamou a esta acolhida de "chantagem explícita". Por esse escárnio, nunca, desde os tempos da ditadura, a imagem do Brasil no exterior desceu tão baixo. Os órgãos mais respeitados da imprensa internacional são uníssonos: um golpe parlamentar encontra-se em plena execução no Brasil e a primeira etapa foi perpetrada no último domingo (17). Para o golpe se consumar, contudo, precisa obter a cumplicidade do Senado. E nós acreditamos que ele pode ser derrotado no Senado. Basta seguir a legislação, especialmente a decisão ao mandado de segurança 34.130/2016, que elucidou o objeto de mérito do impeachment, os dois temas sobre os quais se devem formar juízo. São eles: "seis decretos assinados pela denunciada no exercício financeiro de 2015 em desacordo com a LDO [Lei de Diretrizes Orçamentárias] e, portanto, sem autorização do Congresso Nacional, e a reiteração da prática das chamadas pedaladas fiscais". Na edição dos decretos, a pedido de universidades e do próprio TCU (Tribunal de Contas da União), e depois avaliados por órgãos de controle, a presidente não violou a lei orçamentária. Não houve aumento de despesas, mas simples remanejamento de recursos, sem alteração na meta fiscal. O limite total para a execução de cada órgão é definido pelo contingenciamento, não pelos decretos questionados. A acusação soa estapafúrdia quando se constatada que o montante contingenciado em 2015 (R$ 79,8 bilhões) foi o maior desde o início da Lei de Responsabilidade Fiscal (2000). Já a pedalada fiscal resume-se à acusação de que o governo federal atrasou os pagamentos do Plano Safra (programa agrícola) em 2015. A lei 8.427/92, que "dispõe sobre a concessão de subvenção econômica nas operações de crédito rural", é clara. A presidente não participa de nada. A atribuição de gestão está a cargo do Ministério da Fazenda, da Agricultura, do Desenvolvimento Agrário e do Conselho Monetário Nacional. As remissões até a um torturador, menos à denúncia, desmoralizaram a votação do impeachment. Auguro que o Senado possa fazer diferente do vexame da Câmara. LINDBERGH FARIAS, 46, é senador pelo PT-RJ * PARTICIPAÇÃO Para colaborar, basta enviar e-mail para [email protected]. Os artigos publicados com assinatura não traduzem a opinião do jornal. Sua publicação obedece ao propósito de estimular o debate dos problemas brasileiros e mundiais e de refletir as diversas tendências do pensamento contemporâneo.
2016-04-23
opiniao
Opinião
http://www1.folha.uol.com.br/opiniao/2016/04/1763972-golpe-pode-ser-derrotado.shtml
Sombras sobre Temer
Confirmando-se, a cada dia, as extremas dificuldades da presidente Dilma Rousseff (PT) para sustentar-se no cargo, é natural que toda a atenção do meio político se volte para a figura de seu sucessor. Não são apenas as especulações em torno de eventuais ministros de Michel Temer o foco do noticiário. A crise ética que teve parte preponderante na derrocada do PT se estende aos seus aliados de ontem, e o PMDB, como se sabe, mostra-se igualmente envolvido nas investigações da Lava Jato. É sobre o próprio vice-presidente, contudo, que novas e antigas suspeitas se veiculam. Sempre importa lembrar que, baseadas por ora em declarações obtidas pelo instituto de delação premiada, servem como meios para apuração posterior, e não como provas de qualquer irregularidade. Mesmo assim, acumulam-se os indícios sobre os quais Temer haverá de prestar esclarecimentos. Reportagem publicada na revista "Época" cita depoimento de um dos donos da construtora Engevix, preso em setembro por irregularidades descobertas pela Lava Jato. José Antunes Sobrinho afirma ter sido pressionado a pagar R$ 1 milhão para a campanha de Temer em 2014. O peemedebista nega ter recebido recursos ilícitos. Não se trata do único caso. A própria delação premiada de Delcídio do Amaral (sem partido-MS), ex-líder do governo no Senado –documento importante na constituição de todo o clima favorável ao impeachment de Dilma–, menciona o vice-presidente como padrinho na indicação de diretores da Petrobras hoje acusados de corrupção. Em mensagem no celular, um dos sócios da construtora OAS, Leo Pinheiro, cita Temer como beneficiário de um pagamento de R$ 5 milhões; considera-se, aliás, que o favorecimento teria despertado o inconformismo de Eduardo Cunha (PMDB-RJ), que se julgou preterido na distribuição das propinas. A linha de defesa de Temer não difere da adotada por diversos petistas surpreendidos em acusações do mesmo tipo: sua campanha recebeu doações legais. O problema, afirma o Ministério Público Federal, é que a aparência de legalidade encobriria pagamentos oriundos de desvios em obras do governo. Ainda que nenhuma dessas suspeitas se confirme, é inegável que um eventual governo Temer, por mais desafogo que confira ao ambiente econômico, estará longe de representar a solução para a crise. Talvez Temer se sinta tentado a interferir no rumo das investigações, bloqueando eventual fonte de deslegitimação. Mas ele sabe que não pode fazer isso: o apoio à Lava Jato assumiu tal força que qualquer intromissão indevida corresponderia a um suicídio político. [email protected]
2016-04-23
opiniao
Opinião
http://www1.folha.uol.com.br/opiniao/2016/04/1763960-sombras-sobre-temer.shtml
Comunismo insepulto
"Vou completar 90 anos daqui a pouco", afirmou Fidel Castro no discurso de encerramento do 7º Congresso do Partido Comunista Cubano, realizado nesta semana em Havana. "Em breve serei como todos os outros. O tempo vem para todos nós, mas as ideias dos comunistas cubanos vão permanecer", completou. Vão mesmo? Max Planck, um dos mais importantes físicos do século 20, certa vez disse que a ciência avança de funeral em funeral. Haveria um limite para quanto cientistas mais velhos conseguem reformular a visão de mundo à que se habituaram. Isso, porém, não basta para deter o avanço de novas ideias; estas circulam entre os mais jovens –e um dia os mais idosos morrem. O comunismo tem muito pouco de científico, mas isso não impede que ele, pelo menos em sua versão cubana, evolua no modelo previsto por Planck. Os resultados do congresso partidário mostram que a velha guarda procura encastelar-se nas posições mais importantes da organização. Raúl Castro, 84, o irmão de Fidel, deixará o comando do país em 2018, mas foi contemplado com mais um mandato de cinco anos como primeiro-secretário do partido, um posto tão poderoso quanto. José Ramón Machado Ventura, 85, um dos fundadores da agremiação, voz da ultraortodoxia comunista, manteve-se como segundo-secretário. Vários outros membros da gerontocracia conservaram seus lugares no Politburo, que ganhou mais três cadeiras. Para não dizer que não houve mudanças significativas, estabeleceu-se nova regra para promoções. Por ela, nenhum dos atuais membros com mais de 70 anos poderá ascender ao posto de primeiro-secretário depois de Raúl. Com isso, confirma-se como estrela ascendente a figura de Miguel Díaz-Canel, 56, que já ocupa o posto de vice-presidente de Cuba. Mais jovem, ele subiu na hierarquia porque soube exibir a dose certa de ortodoxia. Há quem afirme que, uma vez no comando, Díaz-Canel se revelará mais pragmático, mas é uma aposta não calcada em evidências. Fora da burocracia partidária, todavia, ideias que nada têm a ver com os postulados comunistas circulam cada vez mais fortes. A recente reaproximação com os EUA tende a intensificar ainda mais o processo de abertura do regime, que já vinha ocorrendo mesmo sob a direção dos irmãos Castro. Na pior das hipóteses, os cubanos terão de esperar um funeral a mais para sepultar os últimos vestígios da ditadura sob a qual vivem há quase seis décadas. [email protected]
2016-04-22
opiniao
Opinião
http://www1.folha.uol.com.br/opiniao/2016/04/1763563-comunismo-insepulto.shtml
Deu no "New York Times"
Sempre me importou o que diz a imprensa estrangeira sobre o Brasil. Fico feliz que a esquerda brasileira também -de súbito- importe-se. Os progressistas ora citam o "Guardian", o "Figaro", o "New York Times"! Até faz pouco eu era provinciano, jeca, por isso. Sou grato ao correspondente Glenn Greenwald, entre outros. O norte de sua cobertura militante -e influente- tornou-me antenado, cool. Ele dá o tom. Exportou a cantilena do golpe. Conquistou leitores "prafrentex" aqui. O próximo passo seria o ex-presidente Lula compartilhar um artigo de Larry Rohter (escreve, Larry, escreve!) sobre o circo armado no Congresso Federal para votar o impeachment de Dilma Rousseff. Sim. O circo armado. O show de horrores. O espetáculo deprimente. A festa dos imorais. A reunião dos hipócritas (nenhuma linha para a infâmia dos escarradores, porém). Reuni, publicadas em jornais, duas dezenas de definições negativas sobre a sessão plenária do dia 17 de abril de 2016 na Câmara. Postas em conjunto, provindas de petistas ou das linhas-auxiliares, parecem querer tratar de um país -poderia ser a Venezuela, sem dúvida- que não o Brasil governado pelo PT desde 2003. Há mais que ousadia nessa adjetivação deslocada. Há método. E há também uma conquista narrativa tão farsesca quanto perigosa, cuja linha inicial não foge de variações a respeito da surpresa do brasileiro -então deprimido, triste, arrependido, em dúvida sobre se vale apoiar o impeachment, pobre indivíduo- ante a qualidade de seus representantes no Parlamento (este brasileiro, claro, não foi visto em lugar algum). O texto -a evidente ordem unida dos novíssimos defensores do Estado democrático de Direito, muitos dos quais petistas que pedem respeito à Constituição que não subscreveram- consiste em alardear o baixo nível dos deputados, esta novidade, e assim desvalorizar, sucatear o Legislativo. Como se o projeto de poder que desmorona não devesse boa parte de sua existência ao manuseio, sem precedentes, desse varejo rasteiro e não tivesse tantas vezes comerciado com os controladores de Deus. Não faz muito e companheiro de alta patente (preso) chamava isso -essa boiada hoje descontrolada - de a maior base aliada da história da América Latina. Corrompeu-se até a ideia de megalomania. Deu no que deu. Ou terá Eduardo Cunha chegado aonde chegou senão como consequência do monumental balcão de negócios patrióticos que sempre regeu a parceria -eletiva, registre-se- entre PT e PMDB? Em tempo: você, eleitor de Dilma Rousseff, sabe que também votou e elegeu Michel Temer, certo? Um casamento em que as partes foram dormir com o dote não poderia resultar de outra forma. E esse, não se deixe enganar, é problema do PT. Não de quem apoia, alicerçado em resolução do Supremo Tribunal Federal, o processo democrático de impeachment e nada tem com o modo como a compreensão autoritária da política dilapidou e amesquinhou um poder da República. Eduardo Cunha, idem, é problema dos petistas, que o cevaram, o empoderaram e o fizeram isso. Nada lhe deve quem luta pelo impedimento da presidente. Nada. Urge derrubá-lo, isto sim. Ele é indefensável -e serve de refúgio derradeiro aos que militam por deformar o processo de impeachment em golpe. Eduardo Cunha é a última esperança do Partido dos Trabalhadores. Tchau, querido. CARLOS ANDREAZZA, 36, é editor-executivo da Editora Record * PARTICIPAÇÃO Para colaborar, basta enviar e-mail para [email protected]. Os artigos publicados com assinatura não traduzem a opinião do jornal. Sua publicação obedece ao propósito de estimular o debate dos problemas brasileiros e mundiais e de refletir as diversas tendências do pensamento contemporâneo.
2016-04-22
opiniao
Opinião
http://www1.folha.uol.com.br/opiniao/2016/04/1763541-deu-no-new-york-times.shtml
Bem-estar social em risco
Proponho aqui análise sob outro prisma do chamado PLP 257/16. Trata-se de um projeto de lei complementar que propõe a renegociação das dívidas dos Estados, com a União e o BNDES, estendendo por mais 20 a 30 anos o pagamento dos débitos, com redução de até 40% das parcelas mensais de amortização. Em contrapartida, as administrações estaduais deverão elevar a contribuição previdenciária dos servidores e suspender a abertura de vagas e concursos públicos, reposições e aumento de salários, entre outras medidas de contenção. Ao tentar resolver uma questão, a União criou garantias de enquadramento de gastos. Para início de conversa, o PLP 257/16 deveria ser tratado como questão de Estado, que independe da transitoriedade dos governos, por atingir frontalmente a administração pública, afetando diretamente a quantidade e qualidade dos serviços públicos prestados. A matéria, todavia, tem sido debatida majoritariamente pelo viés da dívida pública. Embora não esteja equivocada, essa visão passa ao largo de muitos outros aspectos. Conforme parâmetros recomendados pela OMS (Organização Mundial da Saúde), o Brasil deveria ter quatro enfermeiros a cada mil habitantes. Temos hoje apenas 0,99. Há carência generalizada de médicos em várias regiões do país. No Judiciário, o problema é o mesmo. Faltam pessoas até mesmo para digitalizar os processos. Essa situação de penúria tende a piorar com a aprovação do PLP 257/16. Extinção de vagas, proibição de concursos e congelamento salarial, além de fecharem a possibilidade de resgatar esse deficit social, deixarão o serviço público menos atrativo para profissionais qualificados, destruindo o interesse pela vocação de servir e trabalhar no Estado. Irá sinalizar aos jovens que não compensa dedicar-se à sociedade. O custo social será elevadíssimo. Um projeto assim não pode ser decidido num momento de crise econômica, cujo um dos efeitos deletérios é, justamente, o decréscimo da arrecadação tributária. O que iremos dizer às pessoas para justificar os termos do projeto? Que os benefícios da Justiça e dos serviços públicos não são mais prioridade? Essa percepção levou às manifestações de junho de 2013 e à sensação atual de intolerância e impaciência com as lideranças políticas. O que ocorrerá com governantes que escondem de seus eleitores a real situação das contas federais, estaduais e municipais? Que, depois de darem incentivos fiscais de forma desordenada e inconsequente, sacam recursos de fundos judiciários de particulares para saldar suas irresponsabilidades fiscais? A impunidade desse processo, da má gestão, acaba injustamente sendo paga pela sociedade, pela estrutura pública e pelos servidores públicos. Um péssimo gastador, com vícios de origem, não pode servir de disciplinador de ninguém. É inoportuno, imoral e politicamente ilegítimo que, nos estertores de um governo federal que vem desrespeitando sistematicamente a Lei de Responsabilidade Fiscal, coloque-se em pauta um projeto de enquadramento dos Estados para a negociação de dívidas. A votação do PLP 257/16, de forma abrupta e sem diálogo, como propõe o governo federal, contraria o que mais a sociedade pede: saúde, educação, transporte e segurança pública com qualidade e quantidade suficientes ao bem-estar social. NILTON PAIXÃO, 50, é presidente da Pública - Central do Servidor, consultor legislativo da Câmara dos Deputados e mestre em direito pela UFPE - Universidade Federal de Pernambuco * PARTICIPAÇÃO Para colaborar, basta enviar e-mail para [email protected]. Os artigos publicados com assinatura não traduzem a opinião do jornal. Sua publicação obedece ao propósito de estimular o debate dos problemas brasileiros e mundiais e de refletir as diversas tendências do pensamento contemporâneo.
2016-04-22
opiniao
Opinião
http://www1.folha.uol.com.br/opiniao/2016/04/1763543-bem-estar-social-em-risco.shtml
Afronta ao sufrágio universal
A partir de 1989, o presidencialismo brasileiro conheceu duas transformações significativas. A primeira se refere à alteração das funções do posto de vice-presidente, inspirada no modelo americano. A segunda, à eleição em dois turnos, extraída do modelo francês. Nos EUA, com o bipartidarismo e a eleição de um só turno, as primárias assentam a representatividade nacional e a complementaridade política entre o vice e o presidente na mesma chapa partidária. Para adequar o posto de vice-presidente ao multipartidarismo brasileiro, a Constituição de 1988 apartou-se da Constituição de 1946. Como é sabido, a Carta de 1946 pautava a eleição simultânea, mas separada, de um presidente e de um vice. Criou-se um descompasso político-partidário ilustrado pela paradoxal eleição de 1955, na qual João Goulart elegeu-se como vice com mais votos do que os obtidos por Juscelino Kubitschek para chegar à Presidência. Em 1961, o descompasso transformou-se em crise com a renúncia de Jânio Quadros e o veto dos militares à posse de Goulart, novamente eleito vice-presidente. Para evitar novos desastres, a Constituição de 1988 subordinou e restringiu as funções de vice-presidente. O parágrafo 1° do artigo 77 é bastante claro: "A eleição do presidente da República importará a do vice-presidente com ele registrado". Conforme o dicionário Houaiss, "importar" significa, neste caso, "ter como consequência ou resultado". Ou seja, o posto de vice-presidente é inteiramente tributário da eleição presidencial. Limitando mais o papel do vice, a Constituição retirou-lhe a função de presidente do Senado com direito ao voto de minerva, que a Carta de 1946 antes delegara. Com a introdução da eleição em duas etapas, a subordinação do vice ao candidato presidencial passou a ser afirmada no primeiro turno e reiterada no segundo. Enquanto os vice-presidentes mantiveram a circunspecção inerente à sua função constitucional - como foi o caso de Marco Maciel com Fernando Henrique Cardoso e de José Alencar com Lula-, a mescla presidencialista franco-americana deu certo no Brasil. Não aparecia a contradição subjacente à aliança interpartidária entre o vice e o presidente. A partir de 2010, contudo, essa contradição se evidenciou. Havia um óbvio desequilíbrio entre a inexperiência política de Dilma e a longa atividade parlamentar de Temer no PMDB. Sem lideranças nacionais, o PMDB não apresentou candidato às eleições presidenciais desde 1994. Continuou, todavia, com grande número de eleitos, pegando carona tanto nos governos de FHC como nos do PT. Flagrante em 2010, a dependência de Dilma com relação a Temer se acentuou na eleição de 2014, com a queda da popularidade da presidente e do PT. O tema da reeleição tem outros condicionantes. Apesar de ter sido controversa em muitos aspectos, apesar de sua aprovação no Congresso em vez de votada num referendo popular, a reeleição contribuiu para a estabilidade política do país. Contrariou, no entanto, os interesses gerados pela pluralidade de partidos e pela regionalização da política brasileira. Temer, que acaba de desvirtuar as funções de vice-presidente, prometeu ainda que apoiará o fim da reeleição. Fernando Henrique Cardoso inaugurou o instituto da reeleição com argumentos pertinentes. Lula terminou o seu segundo mandato como o presidente mais popular do Brasil. Espera-se que um e outro, discretamente ou em conjunto, ajam para impedir o fim da reeleição e o desmonte das instituições promovido pelas oligarquias parlamentares que afrontaram no domingo a soberania do sufrágio universal. Não se pode instaurar um parlamentarismo troncho. Mesmo reunindo dois terços dos votos, a Câmara não pode derrubar com argumentos políticos, sem substrato jurídico, a presidente eleita com 54,5 milhões de votos. LUIZ FELIPE DE ALENCASTRO, 70, é professor de história econômica da Escola de Economia de São Paulo da FGV - Fundação Getulio Vargas e professor emérito da Universidade de Paris Sorbonne * PARTICIPAÇÃO Para colaborar, basta enviar e-mail para [email protected]. Os artigos publicados com assinatura não traduzem a opinião do jornal. Sua publicação obedece ao propósito de estimular o debate dos problemas brasileiros e mundiais e de refletir as diversas tendências do pensamento contemporâneo.
2016-04-21
opiniao
Opinião
http://www1.folha.uol.com.br/opiniao/2016/04/1763266-afronta-ao-sufragio-universal.shtml
Moléstia judicial
A Constituição estipula que a saúde é direito de todos e dever do Estado, garantido mediante políticas que visem, entre outros objetivos nobres, ao acesso universal e igualitário ao serviços do Sistema Único de Saúde (SUS). A Carta Magna, contudo, não diz que haverá recursos infinitos para tal prestação, como no caso de fornecimento gratuito de remédios. O SUS tem uma lista de medicamentos aprovados que leva em conta evidência de eficácia e impacto econômico das inovações. Uma noção delirante de acesso universal, contudo, vem pondo esse sistema racional de pernas para o ar, com a proliferação de decisões judiciais que o subvertem. A chamada judicialização da saúde observa crescimento rápido e preocupante. O Ministério da Saúde viu seus gastos para cumprir determinações da Justiça saltarem 500% em quatro anos e alcançar R$ 1 bilhão em 2015 (pouco mais de 1% do custeio no ano). Ônus similar recai sobre a Secretaria da Saúde do Estado de São Paulo. De 9.400 processos novos em 2010, o contencioso dobrou para 18 mil ações iniciadas em 2015. Há hoje 47,8 mil decisões em cumprimento, que impõem despesa adicional estimada em R$ 1 bilhão para medicamentos e materiais. Entre outros, antissépticos bucais e achocolatados diet. Desse valor, R$ 900 milhões se destinam a remédios de alto custo para menos de 2.000 paulistas vitoriosos na Justiça. No programa normal de assistência farmacêutica, gastam-se R$ 600 milhões para atender 700 mil pacientes. É direito de qualquer um recorrer às cortes para buscar o que lhe parece direito. Também é legítimo que o público pressione o governo para acelerar a incorporação de terapias inovadoras, com o consequente barateamento graças a compras volumosas. Mas isso precisa ocorrer de maneira ordenada, não ao sabor de decisões isoladas. Salta aos olhos a iniquidade resultante da judicialização desenfreada. O conceito distendido de direito à saúde praticado por juízes, mesmo que com a melhor das intenções, conduz ao oposto do ideal de justiça, pois terminam favorecidos aqueles com mais meios de recorrer a tribunais, em detrimento da massa de pacientes. Estancar tal sangria de recursos depende de melhorar o domínio técnico dos magistrados sobre a eficácia dos tratamentos que impõem e do impacto de suas decisões sobre o SUS. Para isso vão sendo criados os Núcleos de Apoio Técnico e Mediação nos Tribunais de Justiça dos Estados, que pelo visto têm muito trabalho pela frente. [email protected]
2016-04-21
opiniao
Opinião
http://www1.folha.uol.com.br/opiniao/2016/04/1763301-molestia-judicial.shtml
Presidência anômala
Não começou bem a fase senatorial do processo de impeachment da presidente Dilma Rousseff (PT) autorizado pela Câmara. O próprio presidente do Senado, Renan Calheiros (PMDB-AL), descreveu como "um horror" a reunião de líderes nesta terça-feira (19) sobre a comissão especial cujo parecer será votado pelo plenário. Renan mantivera encontro a portas fechadas com Dilma no dia anterior. Seja para cumprir algum acordo sub-reptício, seja para se diferenciar do temerário Eduardo Cunha (PMDB-RJ), presidente da Câmara, o senador alagoano resolveu não dar sequência imediata aos trâmites do impeachment. Os líderes terão até a noite de sexta-feira (22) para indicar os integrantes da comissão, o que posterga a primeira sessão do grupo para a outra semana. O rito prevê até dez dias para deliberações. A decisão do plenário do Senado sobre o afastamento de Dilma ficaria então para 17 de maio, um mês depois de dada a autorização pela Câmara. É tempo demais. No impedimento de Fernando Collor, em 1992, os deputados votaram em 29 de setembro. O Senado afastou o presidente de forma temporária no dia 2 de outubro, quando Itamar Franco assumiu o cargo. Se hoje não sobra espaço para igual celeridade, visto que não há a mesma unanimidade que se formou à época de Collor, tampouco se admite procrastinação, que só importa ao PT, à presidente e aos seus aliados. Ao país interessa que o impasse se resolva tão logo quanto possível, respeitado o devido processo legal. Cada dia que passa é um dia a mais de atraso na adoção de medidas imprescindíveis para começar a sair do abismo econômico em que o calamitoso governo Dilma nos projetou. E um dia a mais para o debate público envenenar-se com impropérios e farisaísmo. A presidente se permitiu afirmar a jornalistas estrangeiros que o processo em curso representa uma "fraude jurídica e política". Se tivesse mais apreço pela verdade e pela imagem do país, poderia lançar suspeitas contra muitos deputados e questionar suas motivações, mas jamais difundir a falácia de que as instituições nacionais se acham violentadas. Todo o roteiro seguido até aqui foi acompanhado pelo Supremo Tribunal Federal, e em nenhum momento houve desrespeito à Constituição. O vice-presidente Michel Temer (PMDB) não se sai muito melhor, mesmo recorrendo a retórica mais melíflua. Disse que aguardará a decisão do Senado "muito silenciosa e respeitosamente", coisa que até agora não foi capaz de fazer. Basta mencionar a sucessão de episódios canhestros que Temer protagonizou, da carta lamuriosa de rompimento com Dilma ao discurso pós-impeachment supostamente vazado por aplicativo de celular, passando pelo sorriso festivo diante da TV que transmitia a votação do impeachment na Câmara. Mais que insuportável, é imprudente prolongar essa anomalia: o Brasil tem hoje dois presidentes e, de fato, não tem nenhum. [email protected]
2016-04-20
opiniao
Opinião
http://www1.folha.uol.com.br/opiniao/2016/04/1762894-presidencia-anomala.shtml
Educação e a crise política
A baixa produtividade de nossa economia, o reduzido índice de inovação tecnológica e o desconhecimento da história e do funcionamento de nossas instituições políticas têm relação direta com a precária qualidade da educação brasileira. A internet passou a ser o centro de gravidade da sociedade ao funcionar como espaço de democratização do acesso ao conhecimento, assim como o de autoria da palavra, ao dar visibilidade a diferentes pessoas e grupos, antes desconhecidos pela sociedade. As redes sociais possibilitam a articulação de grupos heterogêneos e de mobilizações. Esta configuração, aliada às características da sociedade contemporânea, tem levado a radicalismos de toda sorte na Europa, nos Estados Unidos e no Brasil. Viver na era de maior potencial de comunicação da história da humanidade e, ao mesmo tempo, presenciar o vazio de pensamento propulsor de agressividade e violência, reforçado pelo isolamento dentro das comunidades virtuais, é um paradoxo contemporâneo. A volta da ocupação das ruas por milhares de brasileiros pode ser uma oportunidade para reestabelecermos o espaço público como lócus de convivência e de interações entre singularidades e diferenças, pautados pelo diálogo. Nesse contexto, a atual discussão sobre os conteúdos comuns que todos os brasileiros devem aprender, indicados pela Base Nacional Comum Curricular, pode ter um papel fundamental para que a sociedade valorize o conhecimento necessário para alcançarmos um desenvolvimento mais justo e sustentável. O conhecimento abre uma janela de oportunidade e de liberdade para a ampliação das capacidades das pessoas orientarem suas vidas a partir de suas necessidades, valores, desejos e potencialidades. O momento atual é também uma oportunidade de aprendizagem do funcionamento de nossas instituições e de debate de nossa história e do modelo de país que queremos construir. As diferentes manifestações expressam o anseio de uma ampla participação social. O desafio colocado é a abertura do diálogo, baseado na expressão das diferentes posições e apoiado em argumentos, análises e, principalmente, uma escuta verdadeira que possibilite o entendimento do outro. A saída para a crise política e econômica é complexa, exige muita responsabilidade de toda a sociedade. Uma nova agenda para o país deve conter uma visão mais ampla e consistente da atuação e do papel de nossas instituições, sob o risco de não termos as condições necessárias de implementá-la. No médio e longo prazos, para se construir uma sociedade participante, que respeite as singularidades, é preciso investir em uma educação de qualidade, que favoreça a criatividade e o salto na produtividade do trabalho, para avançarmos nas inovações tecnológicas. MARIA ALICE SETUBAL, a Neca, doutora em psicologia da educação pela PUC-SP, é presidente dos conselhos do Centro de Estudos e Pesquisas em Educação, Cultura e Ação Comunitária - Cenpec e da Fundação Tide Setubal. Foi assessora de Marina Silva, candidata à Presidência em 2014 * PARTICIPAÇÃO Para colaborar, basta enviar e-mail para [email protected]. Os artigos publicados com assinatura não traduzem a opinião do jornal. Sua publicação obedece ao propósito de estimular o debate dos problemas brasileiros e mundiais e de refletir as diversas tendências do pensamento contemporâneo.
2016-04-20
opiniao
Opinião
http://www1.folha.uol.com.br/opiniao/2016/04/1762874-educacao-e-a-crise-politica.shtml
Eu voto "sim"
Excelentíssimo senhor presidente da Câmara, excelentíssimos senhores deputados, excelentíssimas senhoras deputadas. Antes de declarar meu voto nesta data magna da nacionalidade, gostaria de homenagear meus familiares e amigos. Primeiramente quero agradecer a minha mãe, dona Cotinha Nhambiquara, a mais afamada quituteira de toda a zona do Chapadão do Bagre, minha terra natal. Foi com ela, ajudando a fazer quitanda no fogão, que aprendi os rudimentos da vida parlamentar: "Rapadura é doce, mas não é mole não" e "Farinha pouca, meu pirão primeiro". Também quero agradecer a meu pai, seu Totonho das Candongas, o mascate mais ladino de égua veia e burro cego de todo o vale do Pirambuhy. Desde pequeno na lida, o pai me ensinou a lei do mundo: gado a gente pega, tange, ferra, engorda e mata - e com gente é igualzinho. Brigado, meu velho! Neste momento seu Totonho deve de estar acompanhando tudo lá do alpendre da fazenda São Bento do Tamanduá, perto do Fião, nosso fiel capataz. Abraço procê também, Fião! E vê se não me esquece de vacinar aquela novilhada guzerá que compramos do compadre Fiico - maio tá aí e com aftosa não se brinca, sô! Gostaria ainda de mandar um beijo carinhoso à Priscila, minha filha recém-formada adevogada, e aos meus netos, os gêmeos Tadeu e Tadando, dois meninos especiais. A partir deste domingo tenho certeza de que eles terão um futuro bem melhor. E não poderia deixar de mandar aquele abraço afetuoso pro meu caçula, Marcelinho, o beque de espera mais parrudo do Buracão FC, rapaz totalmente dedicado ao esporte e que graças a Deus nunca me deu aborrecimento. Saudade, meu filho! Senta a botina nos adversários! Escusado dizer, senhor presidente, senhores deputados, senhoras deputadas, que nada disso seria possível sem a ajuda, o carinho, a dedicação e a compreensão de minha amada esposa Deusdete; muito menos sem o apoio espiritual que sempre recebi de monsenhor Tonico de Jesus, meu confessor. A bênção, padre Tonico. Ah, aproveito para mandar um alô à minha cunhada Maridete, lá do Varjão da Capivara, que faz uma goiabada cascão de se comer de joelhos. E ainda um abraço fraterno ao cabo D'Artagnan Ferrabrás, comandante do destacamento de polícia montada do vale do Pirambuhy, responsável pela segurança e pela tranquilidade de todos os meus eleitores. Sendo assim, senhor presidente, senhores deputados, senhoras deputadas, e em nome de meu padrinho na política, dr. Michel Cunha Neves da Serra, em nome de minha família, de meus amigos, de meus eleitores e pensando apenas no bem do Brasil, eu voto sim! Voto SIM! Viva o vale do Pirambuhy, viva Chapadão do Bagre, viva o Brasil! FERNANDO PAIVA, 59, é publisher da Custom Editora em São Paulo. Trabalhou na revista "Playboy", foi redator-chefe da "Quatro Rodas" e secretário-assistente de Redação da Folha
2016-04-19
opiniao
Opinião
http://www1.folha.uol.com.br/opiniao/2016/04/1762882-eu-voto-sim.shtml
Uma guerra sem sentido no Brasil
No dia 2 de fevereiro de 2014, a policial militar Alda Castilho, de 27 anos, morreu depois que suspeitos de tráfico de drogas abriram fogo contra sua guarnição em uma favela do Rio de Janeiro. "Sua morte foi em vão", disse-nos sua mãe, Maria Rosalina da Silva, no mês passado. Alda foi uma das quase 60 mil vítimas de homicídio no Brasil em 2014. Não se sabe quantas foram mortas nas mãos de traficantes. Em Niterói, São Gonçalo e Itaboraí, três municípios da região metropolitana do Rio de Janeiro, cerca de 400 dos 480 homicídios registrados em 2014 estavam relacionados ao tráfico de drogas, segundo estimativa de Fábio Barucke, chefe da delegacia de homicídios na região. A abordagem brasileira de criminalização da produção e distribuição de drogas alimentou o crescimento de organizações criminosas e enfraqueceu o Estado de Direito. A "guerra às drogas" é a principal razão das operações policiais nas favelas, que frequentemente resultam em mortes. Dados oficiais apontam que a polícia brasileira matou mais de 3.000 pessoas em 2014. Embora a polícia comumente declare que as mortes decorreram de confrontos com criminosos, a Human Rights Watch documentou dezenas de casos na última década nos estados do Rio de Janeiro e São Paulo com fortes indícios de que as mortes foram verdadeiras execuções extrajudiciais. Promotores e policiais do Rio de Janeiro disseram à Human Rights Watch que em alguns de esses casos policiais corruptos envolvidos com o tráfico de drogas foram os autores das execuções. A "guerra às drogas" no Brasil não somente contribuiu para o aumento dos homicídios e o fortalecimento das facções criminosas. As drogas são hoje mais abundantes e potentes do que na década de 1970, quando os Estados Unidos começaram a pressionar o resto do mundo a combater o comércio ilegal de narcóticos. Alguns policiais são conscientes de que as operações contra às drogas só enxugam gelo. O major da Polícia Militar, Roberto Valente, comandante da UPP Providência no Rio de Janeiro, por exemplo, nos disse que se um "radinho," membro do baixo escalão do tráfico, é preso, ele será recompensado pela facção criminosa com uma arma e uma promoção, assim que for solto. Frequentemente os grandes traficantes simplesmente continuam a conduzir seus negócios de dentro da prisão. Se a polícia mata um deles, outro assumirá seu lugar antes mesmo do cadáver esfriar. Com tantas consequências nefastas do combate às drogas, o Brasil deveria defender uma nova abordagem em uma sessão especial da Assembleia Geral da ONU sobre o tema, que tem início hoje em Nova York. É hora de descriminalizar a posse de drogas para o consumo pessoal e considerar seriamente sua legalização. Os opositores da descriminalização argumentam que a medida causaria um aumento no consumo de drogas, mas as experiências de outros países não confirmam essa alegação. Em Portugal, onde a posse de drogas para o consumo pessoal foi descriminalizada há 15 anos, o número de dependentes de drogas diminuiu, assim como caíram a transmissão do vírus HIV entre usuários de drogas e as taxas de encarceramento. Alguns países estão inclusive fazendo experimentos com a legalização da produção, distribuição e uso da maconha, a mais usada das drogas ilegais. Resultados preliminares sugerem que essa medida poderia reduzir o lucro dos traficantes de drogas sem que para isso seja necessário o disparo de um único tiro. O Brasil deve considerar seguir esse caminho. Uma nova abordagem à questão das drogas pode levar a uma economia de milhões de reais que poderiam ser utilizados em tratamentos contra a dependência química e em ações para prevenção da violência. Mais importante ainda, a medida poderia salvar milhares de vidas todos os anos. Está mais do que na hora de acabar com a atual política sem sentido. CÉSAR MUNOZ é pesquisador da Human Rights Watch para o Brasil MARIA LAURA CANINEU é diretora da Human Rights Watch para o Brasil * PARTICIPAÇÃO Para colaborar, basta enviar e-mail para [email protected]. Os artigos publicados com assinatura não traduzem a opinião do jornal. Sua publicação obedece ao propósito de estimular o debate dos problemas brasileiros e mundiais e de refletir as diversas tendências do pensamento contemporâneo.
2016-04-19
opiniao
Opinião
http://www1.folha.uol.com.br/opiniao/2016/04/1762508-uma-guerra-sem-sentido-no-brasil.shtml
Ação imediata
O Senado Federal, por razões legais, ainda precisa decidir se instaurará o processo de impeachment da presidente Dilma Rousseff (PT). Trata-se, porém, de mera formalidade; do ponto de vista político, a votação da Câmara dos Deputados parece irreversível. O vice Michel Temer (PMDB) assumirá em breve a Presidência da República. Tomando assento sem o respaldo do voto direto dos cidadãos, terá de se legitimar pela ação imediata, pela restauração de um governo que faz meses deixou de existir e pela demonstração de que consegue assegurar suficiente estabilidade política e econômica. Não haverá estabilidade sem que se detenha a crise, e esta não cederá sem que o novo governo apresente programas e equipes capazes de combinar reparos imediatos na administração da economia –que se deteriora de forma ainda acelerada– a um plano factível de reformas mínimas de longo prazo. Embora mínimas, dada a urgência, tais reformas devem bastar para incentivar reações imediatas dos agentes econômicos e permitir o alívio do arrocho monetário. De início, trata-se de conter a penúria crítica dos governos. Não será possível tão cedo evitar o crescimento da dívida pública. A missão deste governo é levar o deficit primário a perto de zero até o ano que vem. Assim, criam-se também as condições para que se antecipe para quanto antes a redução da taxa de juros. No curtíssimo prazo, tornou-se inevitável promover algum aumento de impostos, suficiente para reduzir o deficit, evitar corte ainda maior do investimento em obras e atenuar o impacto social do ajuste. Conviria, pois, elevar tributos sobre as rendas mais elevadas. Caberá a governo e Congresso encontrar a solução que combine eficiência econômica, viabilidade política e justiça tributária. A elevação da carga de impostos, no entanto, exige uma contrapartida inegociável: conter gastos. De pronto, isso significa reduzir a despesa obrigatória do governo. Embora se discuta, em termos ideais, a conveniência do fim de qualquer vinculação orçamentária, está no Congresso um abatimento extra dos recursos que o governo deve empregar em saúde e educação. Parece a correção possível neste momento. É possível frear desde já despesas do INSS, por dolorosas que sejam tais medidas no curto prazo. É preciso rever gastos com pensões e elevar o rigor na concessão dos benefícios da aposentadoria rural, fator maior do deficit federal. O rendimento médio do trabalho cai no país. Nesse contexto de sacrifício geral, será necessário rever os reajustes de salários e benefícios de servidores federais. É também mais que esperada uma ação que mire o equilíbrio das contas no longo prazo. Destaca-se uma reforma da Previdência: a estipulação de idades mínimas de aposentadoria, a equiparação de direitos de mulheres e homens, bem como de trabalhadores do setor público e do privado. Demandam-se, entretanto, outras providências urgentes de contenção da crise econômica. Concessões e privatizações são um meio de incentivar a retomada de investimentos. É crucial priorizar obras de infraestrutura, que dependem do restauro de normas regulatórias e adequação de meios de financiamento e garantias, destruídos na gestão Dilma Rousseff. Todo o ambiente regulatório precisa ser refeito, mas a princípio a tarefa é limpar o terreno de escombros e oferecer condições para que as obras se iniciem quanto antes. A esse respeito, acrescente-se que se devem pelo menos restaurar as condições técnicas de operação das agências regulatórias e órgãos similares: gestão minimamente profissional. Há investimentos travados por falta de clareza de regras, não de recursos. A ruína das finanças nos setores de petróleo e eletricidade, além do descalabro regulatório, prejudica o crédito do país e é um empecilho aos investimentos em ramos centrais da economia. A Petrobras, como todos sabem, demanda terapia intensiva. A crise agravou a situação financeira dos Estados, muitos deles de fato geridos de modo irresponsável. Observada a imposição das devidas contrapartidas, é preciso ceder ao imperativo da realidade e remediar o desastre. Admita-se um socorro às finanças estaduais, mas apenas se seus governos se comprometerem com planos de redução de despesas salariais e previdenciárias, além de aceitarem enfim a implementação de uma reforma tributária parcial e muito relevante: simplificação e ordenamento do ICMS. O governo, é óbvio, não se limita à gestão da economia. No entanto, caso Michel Temer não detenha a espiral recessiva, em breve perderá o voto de confiança precário que terá recebido do Congresso, em tese concedido em nome de um país cada vez mais impaciente. [email protected]
2016-04-19
opiniao
Opinião
http://www1.folha.uol.com.br/opiniao/2016/04/1762536-acao-imediata.shtml
OAB sem partidos
A estrutura da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) tem todas as vantagens e defeitos apresentados pela democracia em qualquer organismo ao qual ela seja aplicada. A vantagem mais clara é a ampla representação de todos os integrantes da advocacia brasileira (quase um milhão de indivíduos) nas decisões tomadas pela entidade, dos julgamentos ético-disciplinares aos posicionamentos sobre as grandes questões da sociedade. A desvantagem mais evidente, existente qualquer democracia, é a impossibilidade de todos os seus membros serem pessoalmente ouvidos em cada matéria sobre a qual seja necessária uma decisão. Nem por isso, deixa de ser democrática. Maior entidade da sociedade civil brasileira, com larga folha de serviços prestados à nação, mais uma vez demonstrando desvinculação do Estado, dos partidos políticos e dos governos, a OAB promoveu longa e cuidadosa análise dos fatos que motivam parte substancial da população a cobrar o impeachment ou a renúncia da presidente da República. No fim, os representantes da advocacia concluíram que há motivos jurídicos para o impedimento. Acompanhei esse processo como ex-presidente da Ordem, ao lado de colegas que também exerceram essa função e que, como eu, levaram sua experiência ao debate interno, usando os espaços legítimos e isonômicos dado a todos, independentemente do entendimento de cada um. Nenhum argumento técnico é usado para desconstruir a denúncia feita pela OAB. O que se vê são ataques políticos à instituição, afirmando que sua estrutura não é democrática e que seria preciso perguntar a cada advogado do país o que pensa sobre o impeachment. Trata-se de uma estratégia partidária para desmerecer o parecer de uma entidade séria que aponta, com a credibilidade e o peso da classe que representa, onde residem os ilícitos atribuídos à Presidente. Os representantes eleitos pelo voto direto dos advogados foram consultados nos Estados, no Distrito Federal e, depois, na instância nacional. O resultado a favor do impeachment foi quase unânime. Ao longo dos anos, a advocacia rejeitou que os partidos políticos se infiltrassem na Ordem dos Advogados do Brasil para influenciar suas decisões. Dessa vez não é diferente. Para evitar que a decisão final fosse contaminada pelos anseios partidários favoráveis ou contrários ao governo, a OAB usou todos os filtros democráticos disponíveis em sua estrutura. Sou testemunha disso. Esses filtros são os mesmos que permitem um dinâmico rodízio nas instâncias de comando da Ordem. Os presidentes nacionais da entidade, eleitos por esse mesmo sistema, são brasileiros oriundos de todas as Unidades Federativas, não há concentração de poder nas mãos de nenhum grupo. É assim que a OAB, ao longo de seus 85 anos, aprimorou sua democracia interna e prestou grandes serviços para a consolidação da democracia no país. A OAB não é de partidos. Seus trunfos são a sua história e a sua independência. Ela representa a advocacia e está a serviço da sociedade. A Constituição de 1988 dá destaque e, ao mesmo tempo, impõe obrigações à Ordem dos Advogados. Cabe a ela defender a Carta e os direitos e garantias individuais. É isso que faz a OAB ao dar um parecer técnico e não silenciar perante os crimes de responsabilidade que ensejam o impeachment, todos descritos no artigo 85 da Constituição (incisos II, V, VI e VII) e nos artigos 9, 10 e 12 da Lei 1.079/50. Como ex-presidente, saúdo essa postura da Ordem. O amadurecimento democrático, que presenciei ao longo de minha história na OAB, pressupõe que decisões legítimas sejam respeitadas. Os ataques frustrados de uma minoria ligada a partidos contra a decisão técnica da quase unanimidade (26 Estados contra um) mostram que as legendas fracassam ao tentar se infiltrar na maior entidade da sociedade civil do Brasil. OPHIR CAVALCANTE, 55, é advogado. Foi presidente nacional da OAB (2010 a 2013)
2016-04-17
opiniao
Opinião
http://www1.folha.uol.com.br/opiniao/2016/04/1761748-oab-sem-partidos.shtml
Decisão da Câmara
Seria exagerado dizer que a crise vivida pelo país neste momento é a mais grave de sua história. Para lembrar apenas dois exemplos, a que teve seu desfecho no suicídio de Getúlio Vargas, em 1954, e a que resultou em duas décadas de ditadura militar, em 1964, conheceram desdobramentos que, hoje, nem os mais pessimistas haveriam de prever. Em nenhum instante, contudo, foram tão grandes a impressão de complexidade, a carga de paradoxos, a variedade de alternativas e atitudes que a situação vem trazer aos olhos dos brasileiros. Neste domingo (17), a Câmara dos Deputados vota o impeachment da presidente Dilma Rousseff (PT). Já representa uma simplificação, entretanto, apresentar assim a decisão a ser tomada. Embora na prática seja disso que se trata, do ponto de vista jurídico e institucional a descrição é inexata. Trata-se de votar a autorização para a abertura de um processo por crime de responsabilidade da presidente, a ser ainda examinado, em caso de vitória da oposição, pelo Senado Federal -num prazo que deveria ser abreviado tanto quanto possível. Ainda que de ordem processual, o esclarecimento serve para indicar o grau de minúcia das discussões em curso -e que contrastam com a simples e precisa percepção da ampla maioria dos brasileiros: o governo Dilma Rousseff acabou. Está exaurido pela própria incompetência política, pelo incomparável desastre econômico que criou, pelo desvelamento de todo o sistema de corrupção que o PT instaurou no centro do poder. O país definha, e a presidente e seu partido são responsáveis por isso. O PIB recua, a inflação corrói salários, o desemprego aumenta, o crédito diminui; nenhum desses efeitos ocorreu sem que o dedo de Dilma estivesse entre as causas. Seu apetite intervencionista e sua inépcia gerencial arruinaram estatais como Petrobras e Eletrobras e afugentaram investidores. Se a certa altura da caminhada Dilma insinuou uma tímida correção de rumos, já era tarde. A oposição fez tudo para barrar suas esporádicas tentativas de reconduzir a economia na direção da boa administração das contas públicas. Entre os mais ferozes adversários da presidente contam-se figuras políticas notórias pelo envolvimento em diversos escândalos de corrupção, para não mencionar apenas a Operação Lava Jato. Tem-se o mais escarrado exemplo no presidente da Câmara, Eduardo Cunha (PMDB-RJ). Sobrevivendo no cargo por obra de expedientes que desafiam a credulidade, a paciência e a decência da sociedade, esse réu da Lava Jato surge, até segunda ordem, como um dos vencedores prováveis da batalha do impeachment. Enquanto isso, o vice-presidente Michel Temer (PMDB), com sua própria eleição contestada no Tribunal Superior Eleitoral e dirigindo uma agremiação habituada às mais rasteiras práticas políticas, prepara-se para assumir o poder. O quadro lembraria, para utilizar as palavras do poeta inglês Percy Bysshe Shelley (1792-1822), o da "hipocrisia cavalgando um crocodilo", não fossem igualmente grotescos, mentirosos e reptilianos os protestos de inocência que Lula e seus coadjutores reclamam para si. Sem dúvida uma vitória do impeachment neste domingo significará, para a expressiva maioria dos brasileiros, a justa punição de um governo que, na incompetência, na arrogância e no delírio de seu próprio isolamento, destruiu a economia, afundou-se na corrupção e escarneceu das instituições. Se o afastamento da presidente vier a ser confirmado, todavia, ele não representará de imediato a resolução da crise política, econômica e moral em que o país se acha. Fundado em premissas jurídicas em alguma dose contestáveis, o processo de impeachment é uma medida traumática, projetando para o futuro divisões e inconformismos que em nada contribuem para a travessia, a tudo crer longa, do grave momento econômico. Em vez desse recurso extremo, melhor seria a realização de eleições presidenciais ainda neste ano. Nos termos da Constituição, ela seria convocada em caso de renúncia da presidente e de seu vice -atitude dupla que esta Folha defende. São muitos os desafios que se oferecem ao país, seja qual for o resultado da votação na Câmara, e o governo precisará de renovadas doses de legitimidade para vencê-los. Salvar a economia é a prioridade, mas não será fácil. Alimentam-se, de um lado, resistências a medidas inadiáveis de restrição nos gastos públicos. De outro, promoveram-se ilusões demagógicas de que a sociedade não iria "pagar o pato", sendo clara, no entanto, a necessidade de aumentar impostos a fim de restaurar finanças públicas que se aproximam do colapso. A corrupção, por sua vez, não será vencida num lance parlamentar. Cresce, além disso, o temor de que um governo peemedebista venha a tentar desarmar a máquina investigativa da Polícia Federal e do Ministério Público Federal, capaz de atingir muitos dos que hoje se pavoneiam na oposição. Nenhum desses desafios será superado a curto prazo, e de nada ajudarão um clima de exaltação partidária ou eventuais tentativas de abafar a Lava Jato -algo que os brasileiros jamais admitirão. A crise tem de ser encarada com equilíbrio, com espírito crítico e esperança construtiva -atitudes que esta Folha, ao longo de todo o processo, tem-se esforçado e se esforçará por manter. [email protected]
2016-04-17
opiniao
Opinião
http://www1.folha.uol.com.br/opiniao/2016/04/1761724-decisao-da-camara.shtml
Câmara deve autorizar a abertura do processo de impeachment contra Dilma? NÃO
CAMINHO FRAUDULENTO E ANTIDEMOCRÁTICO Sob a camuflagem de processo legal, está em curso uma ofensiva contra a democracia e a Constituição. O único objetivo das forças políticas e empresariais que se prestam a essa manobra é recuperar, a qualquer custo, o comando do Estado. Incapazes de conquistar o governo federal por meio das urnas, mais uma vez escolheram a via golpista para usurpar o poder político. Acusam a presidente da República de crime de responsabilidade que ela não cometeu. Apelidaram um desses crimes inexistentes de "pedalada fiscal", antecipação dos bancos públicos à União. Outro suposto delito são os decretos para abertura de crédito suplementar que permitiram, em 2014, manter o pagamento do Bolsa Família e de outros programas indispensáveis do governo. Todas as administrações federais, estaduais e municipais, desde a Constituição de 1988, recorreram a esses instrumentos quando tiveram que enfrentar problemas de arrecadação. Tais procedimentos tiveram, até o ano passado, aprovação dos tribunais de contas. Mesmo sem ter sua contabilidade rejeitada pelo Congresso, o governo da presidente Dilma Rousseff imediatamente se adaptou ao novo entendimento da matéria e suspendeu a utilização destas tradicionais ferramentas orçamentárias. Obviamente não poderia ser julgada, no presente, por ato que, no passado, obedecia às regras então vigentes. Os golpistas de ocasião, no entanto, viram nesta denúncia vazia o atalho para a fraude que estavam dispostos a perpetrar. Não há contra a chefe de Estado e de governo qualquer acusação por desvio de dinheiro público, corrupção ou propriedade de contas ilegais no exterior. Ao contrário dos que conspiram a céu aberto contra o mandato que lhe foi conferido pelo povo brasileiro, sua biografia é a de uma governante honesta e íntegra. O desprezo pela democracia está no código político-ideológico dos que se erguem contra a Constituição -seus ascendentes foram protagonistas das intentonas que levaram Getúlio Vargas ao suicídio e derrubaram o presidente João Goulart, submetendo o país a 21 anos de ditadura. Os mesmos interesses unem o passado e o presente das correntes golpistas: sabotar e interditar qualquer projeto de mudança capaz de reduzir a concentração de riqueza, renda e poder nas mãos das oligarquias. Para impor a agenda das grandes corporações financeiras, daqui e de fora, são dois os chefes da conspiração: Michel Temer, que traiu sua colega de chapa, e Eduardo Cunha, réu no Supremo Tribunal Federal, sob acusação dos crimes de corrupção e lavagem de dinheiro. Aliados à oposição de direita e insuflados por monopólios de comunicação, estão dispostos a violar a legalidade democrática e a atropelar a soberania do voto popular. O governo que estes senhores pretendem estabelecer, de forma ilegítima e ilegal, apresenta como programa um amplo portfólio de sacrifícios e retrocessos, com redução dos direitos populares, corte de programas sociais, arrocho dos salários, privatização da Petrobras, repressão aos movimentos sociais e perda da independência nacional. A Câmara dos Deputados, ao votar sobre a admissibilidade do processo de impeachment da presidenta Dilma, terá de decidir se está à altura da missão histórica de defender a Constituição. Não estão em jogo, afinal, as virtudes ou os defeitos da atual administração, mas sim se as instituições aceitarão o caminho fraudulento e antidemocrático, à revelia do voto popular, para derrubar um governo. Nenhum cidadão com apreço pela democracia, conquista forjada com a luta e a vida de tantos patriotas, pode ser cúmplice da vergonha internacional de ver o Brasil, hoje respeitado externamente, ser transformado numa republiqueta tomada de assalto por velhas raposas sem voto. RUI FALCÃO, 72, é presidente nacional do PT. Formado em direito pela USP, também é jornalista * PARTICIPAÇÃO Para colaborar, basta enviar e-mail para [email protected]. Os artigos publicados com assinatura não traduzem a opinião do jornal. Sua publicação obedece ao propósito de estimular o debate dos problemas brasileiros e mundiais e de refletir as diversas tendências do pensamento contemporâneo.
2016-04-16
opiniao
Opinião
http://www1.folha.uol.com.br/opiniao/2016/04/1761586-camara-deve-autorizar-a-abertura-do-processo-de-impeachment-contra-dilma-nao.shtml
Câmara deve autorizar a abertura do processo de impeachment contra Dilma? SIM
GOVERNO AFRONTOU A CONSTITUIÇÃO O Congresso Nacional tem o dever de aprovar o impeachment da presidente Dilma Rousseff. O Brasil é um país democrático regido por uma Constituição que deve ser respeitada e cumprida por todos, sem exceção. Em especial pela mais alta autoridade da República, a presidente. Não há mais qualquer dúvida sobre os fatos que caracterizaram os crimes de responsabilidade cometidos e identificados, inclusive pelo Tribunal de Contas da União. A denúncia apresentada pelos advogados Miguel Reale Júnior, Janaina Paschoal e Hélio Bicudo aponta com clareza as violações ocorridas. Ao contrário do que tenta fazer crer o PT, são graves, embora possam parecer de difícil compreensão para parte da população. A Comissão do Impeachment na Câmara concluiu que a abertura de créditos suplementares por decreto presidencial, sem a autorização do Congresso Nacional, e a contratação ilegal de operações de crédito com bancos públicos, denominada "pedalada fiscal", são exemplos de atos que afrontam a lei orçamentária, a Lei de Responsabilidade Fiscal e a Constituição, pela qual o governo deveria zelar. A gravidade dos crimes praticados pode ser medida, inclusive, pela insistência do PT em desviar o debate dos pontos objetivos da acusação, transferindo-o para o campo meramente político. Nesse aspecto, é importante ressaltar outro grande desserviço prestado pelo PT ao país: o de legitimar a mentira como ferramenta da luta política e instrumento de governo. Em defesa da presidente, chegou-se a afirmar que as "pedaladas" eram necessárias para pagar benefícios sociais, enquanto documento do próprio governo registra que os valores devidos à Caixa Econômica Federal para pagamento desses programas representaram parcela pouco expressiva da dívida do Tesouro junto aos bancos públicos. Não devemos nos regozijar com o processo de impeachment, um ato de excepcionalidade somente aventado para situações extremamente graves que ameacem a governabilidade do país. A sua adoção é um atestado de que houve uma violação inaceitável das regras constitucionais. Quando isso acontece, somos todos derrotados. Ao mesmo tempo, a certeza de que somos capazes de superar uma crise dessa magnitude, de forma absolutamente legal e legítima, sem abalo das nossas instituições e com amplo respaldo da voz popular, evidencia a vitória da solidez da democracia brasileira. Não se trata aqui de uma guerra entre governistas e oposição, mesmo porque muitos dos que hoje aderem à tese defendida pelas oposições estavam, ainda ontem, nas fileiras do governo. Trata-se de um país que precisamos salvar com urgência. O governo atual, voltado exclusivamente para o seu projeto de poder, mentiu sucessiva e deliberadamente aos brasileiros e impôs ao país a maior crise econômica da nossa história republicana. Deixa-nos como legado a vergonha do presente e a incerteza sobre o futuro. O país faliu. Mergulhamos em uma crise sem precedentes. Mudar não é apenas necessário, é imperativo. Como consequência de seus próprios atos, a presidente da República perdeu as condições mínimas de liderar o país nesse grave momento. Esta é a realidade. Presto, ao final, minha homenagem aos milhões de brasileiros que manifestaram nas ruas seu amor pelo Brasil. E faço isso citando palavras do professor Hélio Bicudo: "Em uma democracia, nenhum dos Poderes é soberano. Soberana é a Constituição, pois é ela quem dá corpo e alma à soberania do povo". AÉCIO NEVES, 56, é senador por Minas Gerais e presidente nacional do PSDB. Foi governador de Minas (2003-2010) e candidato à Presidência da República pelo PSDB em 2014 * PARTICIPAÇÃO Para colaborar, basta enviar e-mail para [email protected]. Os artigos publicados com assinatura não traduzem a opinião do jornal. Sua publicação obedece ao propósito de estimular o debate dos problemas brasileiros e mundiais e de refletir as diversas tendências do pensamento contemporâneo.
2016-04-16
opiniao
Opinião
http://www1.folha.uol.com.br/opiniao/2016/04/1761583-camara-deve-autorizar-a-abertura-do-processo-de-impeachment-contra-dilma-sim.shtml
Clima de coexistência
No que, para a maioria dos prognósticos, parecem ser os momentos finais de seu governo, a presidente Dilma Rousseff (PT) deu sinais inusitados de descontração —certamente bem-vindos, ainda mais quando se leva em conta a notória aspereza de sua personalidade. "Se eu perder, serei carta fora do baralho", afirmou a um grupo de jornalistas na quarta-feira (13). Informada de que poderá continuar no Palácio da Alvorada mesmo se a Câmara autorizar a abertura do processo de impeachment —a se desenrolar no Senado—, Dilma saiu-se com um sorriso: "Bom saber, não serei uma sem-teto". Verdade que as ações políticas de seu governo, nestes dias, estão longe de demonstrar estoicismo ou resignação. Destacam-se antes pelo desespero dos últimos recursos e dos últimos cargos a distribuir para já nem mais se sabe quem. Gastas as derradeiras pontas de lápis, desfeitas pela milésima vez as contas no balcão da quitanda fisiológica, a presidente procurou transmitir a imagem de que, apesar de sua derrota ser dada como inevitável após as recentes movimentações partidárias, não perdeu o espírito esportivo. Por menos convincente que seja a atitude, ela reflete um estado de ânimo nem sempre enfatizado nos comentários sobre a crise atual. A despeito de sua extrema gravidade e dos episódios de radicalização que vez por outra se registraram, a complexa e acalorada polêmica sobre o impeachment tem-se desenvolvido em clima de paz. Há quem mencione, em caso de vitória da oposição, a possibilidade de que investidores estrangeiros se intimidem diante de mais uma demonstração do pendor para o imprevisível que caracteriza a política brasileira. Nessa linha argumentou o advogado-geral da União, José Eduardo Cardozo, em entrevista a esta Folha. Além do óbvio interesse que o inspira a fazer declarações do tipo, cabe lembrar o quanto, na verdade, há na conjuntura política a sugerir conclusões de sentido inverso. Tome-se, como exemplo, o famoso muro que deverá dividir manifestantes contrários e favoráveis ao governo neste domingo, em frente ao Congresso Nacional. Imagem, sem dúvida, da cisão de opiniões na sociedade, ainda que prevaleça largamente o número dos que querem o impeachment. Imagem, por outro lado, de coexistência. Não seria espantoso, em qualquer país democrático, que cenas de confronto sério já se tivessem repetido ao longo de uma crise com as proporções da que se desenrola no Brasil. Lado a lado, prudentemente separadas, mas de forma pacífica, multidões se preparam para ocupar a Esplanada de Brasília, no domingo. É sinal de civilidade. Que a exaltação, o inconformismo e a violência não estraguem o momento da decisão. [email protected]
2016-04-15
opiniao
Opinião
http://www1.folha.uol.com.br/opiniao/2016/04/1761131-clima-de-coexistencia.shtml
Golpe brasileiro ameaça democracia
A presidente Dilma Rousseff está ameaçada de impeachment, mas não há evidências que a vinculem a qualquer esquema de corrupção. Em vez disso, ela é acusada de manipular as contas públicas, algo que presidentes anteriores já haviam feito. Para traçar uma analogia com os Estados Unidos, quando os republicanos se negaram a elevar o teto da dívida, em 2013, a administração Obama recorreu a vários truques de contabilidade para adiar o prazo final no qual se alcançaria o limite. Ninguém se incomodou com isso. A campanha do impeachment, que o governo descreveu corretamente como golpe, é um esforço da elite brasileira tradicional para obter por outros meios aquilo que não conseguiu conquistar nas urnas nos últimos anos. O ex-presidente Lula é acusado de receber dinheiro de empresas investigadas por corrupção para fazer discursos e reformar um imóvel que ele afirma não ser dele. Mesmo que as acusações sejam verdadeiras, não há prova de vínculo com corrupção. O juiz Sergio Moro, entretanto, lidera uma bem executada campanha de difamação de Lula. O magistrado teve que pedir desculpas ao Supremo Tribunal Federal por ter divulgado grampos telefônicos de conversas entre Lula e Dilma, Lula e seu advogado e até mesmo entre a mulher de Lula e os filhos deles. É claro que o Partido dos Trabalhadores não estaria vulnerável a essa tentativa de golpe se a economia não estivesse em recessão profunda. Mas também a esse respeito a mídia está claramente equivocada, defendendo mais cortes nos gastos públicos e mais juros altos. O Brasil precisa, pelo contrário, de um estímulo sério para fazer sua economia pegar no tranco. O principal obstáculo à recuperação é o poder dos grandes bancos. O Brasil está pagando juros de quase 7% de seu PIB sobre a dívida pública, mais que a Grécia no auge de sua crise. Mas o Brasil não tem crise de dívida nem apresenta qualquer risco significativo de moratória. Seus juros usurários são o resultado do poder político de seus próprios bancos, que hoje desfrutam um "spread" recorde de 34% entre suas taxas de empréstimos contraídos e concedidos. A simples redução dos juros sobre a dívida pública para o nível de alguns anos atrás criaria condições para um estímulo importante. O governo dos EUA vem guardando silêncio sobre esta tentativa de golpe, mas há poucas dúvidas quanto à sua posição. Ele sempre apoiou golpes contra governos de esquerda no hemisfério, incluindo, apenas no século 21, o Paraguai em 2012, Haiti em 2004, Honduras em 2009 e Venezuela em 2002. O presidente Obama foi à Argentina para derramar-se em elogios ao novo governo de direita, pró-EUA, e a administração reverteu sua política anterior de bloqueio de empréstimos multilaterais ao país. E hoje, no Brasil, a oposição é dominada por políticos favoráveis a Washington. Seria mais uma coisa lamentável se o Brasil perdesse boa parte de sua soberania nacional, além de sua democracia, com este golpe sórdido. MARK WEISBROT é codiretor do Centro de Pesquisa Econômica e Política, em Washington, e presidente da Just Foreign Policy, organização norte-americana especializada em política externa Tradução de CLARA ALLAIN * PARTICIPAÇÃO Para colaborar, basta enviar e-mail para [email protected]. Os artigos publicados com assinatura não traduzem a opinião do jornal. Sua publicação obedece ao propósito de estimular o debate dos problemas brasileiros e mundiais e de refletir as diversas tendências do pensamento contemporâneo.
2016-04-14
opiniao
Opinião
http://www1.folha.uol.com.br/opiniao/2016/04/1760684-golpe-brasileiro-ameaca-democracia.shtml
Revisão inconsequente
Como se o governo federal colhesse dinheiro em árvores e não enfrentasse sérias dificuldades econômicas, o ministro Edson Fachin, do Supremo Tribunal Federal (STF), resolveu, de forma provisória, dar razão a alguns Estados que pediram mudanças no cálculo de suas dívidas com a União. Por ora, as liminares favoreceram Santa Catarina, Rio Grande do Sul e Minas Gerais, mas tudo sugere que as demais unidades da Federação seguirão o mesmo caminho. Se todas forem contempladas num julgamento definitivo, terá sido criado um rombo de cerca de R$ 300 bilhões nos cofres federais. As ações desses Estados defendem uma revisão irresponsável de seus débitos. Pretendem que sejam cobrados juros simples, em vez dos usuais juros compostos. Grosso modo, as taxas incidiriam apenas sobre o montante original, e não sobre o valor corrigido. Compreende-se o esforço dos Estados, que buscam solução para uma situação de penúria. Ocorre que a alteração não faria o total devido diminuir; apenas transferiria para a União a responsabilidade pelo pagamento. É que, no final dos anos 1990, a renegociação do passivo estadual contou com pesados subsídios do governo federal. Esta, a fim de ajudar os Estados, endividou-se no mercado –e os juros incidentes sobre a dívida da União são compostos. Não faz o menor sentido que os critérios sejam diferentes. Já não seria pouco se essas liminares apenas impusessem tal desfalque ao Tesouro Nacional, com o consequente agravamento da penosa situação econômica do país. As decisões, porém, fazem mais: levam insegurança jurídica a todos os contratos que prescrevam o uso de juros compostos –ou seja, a todos os contratos financeiros. Os juros simples não são prática no mercado financeiro, seja para corrigir dívidas, seja para remunerar investimentos, aqui incluídos os mais comezinhos, como a poupança. Pode-se imaginar a instabilidade que o STF criará se seu plenário confirmar a revisão das taxas nos contratos estaduais. A solução para o problema dos Estados, agravado em grande parte pelo populismo dos governadores, não está nos tribunais. Está num entendimento político com o governo federal em torno da melhor forma de alcançar um alívio de caixa em troca de contrapartidas rigorosas. O alongamento de prazos em troca de compensações na gestão de pessoal e melhorias nos sistemas previdenciários é um bom começo. Deve ser inserido nesse acerto, ademais, uma negociação sobre o ICMS, para pôr fim à guerra fiscal. Não será com ativismo judicial inconsequente que se encontrarão saídas para o pesado endividamento estadual. [email protected]
2016-04-14
opiniao
Opinião
http://www1.folha.uol.com.br/opiniao/2016/04/1760711-revisao-inconsequente.shtml
O problema das cotas
Grupos de universitários negros estão se mobilizando contra a ação do que chamam de falsos cotistas. Como mostrou reportagem desta Folha, eles denunciam à reitoria alunos que a seu ver são brancos, mas que se declararam negros para beneficiar-se da política de cotas. Algumas instituições federais já criaram ou cogitam de criar comitês para tentar evitar que estudantes que não tenham fenótipo de negros proclamem possuir essa cor. Trata-se de questão insolúvel: a autodeclaração constitui o único critério legal para definir se alguém é negro (ou de qualquer outro grupo racial). Em tese, o sujeito de pele alvíssima que na inscrição do vestibular disser que se considera negro ou pardo deverá ser tratado como negro ou pardo. Embora os comitês raciais exerçam certa pressão moral para evitar casos gritantes, pouco podem fazer do ponto de vista jurídico —é logicamente impossível fraudar uma autodeclaração. Por outro lado, substituir a autodefinção por critérios raciais objetivos é impraticável. A ciência não tem como ajudar, pois nem existe definição de raça universalmente aceita. Nessa matéria controversa, aliás, a ciência parece mais inclinada a considerar as raças humanas como mera construção social. Dar a comitês o poder de arbitrar quem é negro, pardo, branco ou indígena e de determinar que destino terá em virtude de seu fenótipo seria, mais que um desatino, uma política racista —justamente o que as cotas visam a combater. Tais dificuldades não trazem surpresa. Foram apontadas anos atrás, inclusive por esta Folha, quando a adoção de cotas raciais era apenas uma ideia, longe de tornar-se oficial no país. Reconhecer o problema não implica renunciar a qualquer ação afirmativa. É possível manter políticas de estímulo a minorias que favoreçam negros. Basta recorrer a critérios objetivos, como renda familiar ou frequência a escolas públicas. Até o uso de CEPs poderia funcionar; a pobreza costuma ter endereço certo. Como negros e pardos no Brasil têm em média renda inferior à de brancos, qualquer medida que beneficie os mais pobres já promoverá proporcionalmente mais negros e pardos. Há várias vantagens nas cotas exclusivamente sociais. São mensuráveis, podem ser redefinidas à medida que a situação econômica dos grupos evolua e dispensam os sinistros comitês raciais. Melhor ainda, um branco pobre que necessite de ajuda não será prejudicado apenas pelo fato de ser branco. [email protected]
2016-04-14
opiniao
Opinião
http://www1.folha.uol.com.br/opiniao/2016/04/1760712-o-problema-das-cotas.shtml
Vamos frear o golpe em marcha
O PSOL é um partido de oposição programática e de esquerda ao governo Dilma Rousseff. Tem sido o mais duro crítico de sua política de ajuste fiscal que gera perda de direitos dos trabalhadores. Nunca ocupou cargos nem recebeu benesses governamentais. A luta contra a corrupção é a marca da nossa luta. O combate à delinquência política de Eduardo Cunha -que, com a anuência dos partidos de oposição de direita, continua na presidência da Câmara- é uma prova da nossa intolerância com a corrupção. Rejeitamos também o "choque de mercado", proposto por PSDB e DEM, que joga toda a conta da crise para os trabalhadores. O combate eficaz à corrupção exige o aprimoramento dos órgãos de fiscalização e controle, além de maior transparência dos governos. Necessitamos, principalmente, de uma profunda reforma política capaz de coibir a influência do poder econômico nas eleições, a começar pelo fim do financiamento empresarial de campanha. É evidente que o PT foi "capturado" pelo fisiologismo de suas alianças, em nome da famigerada governabilidade. E se é verdade que o PT se atolou na corrupção, é também verdade que não foi o PT que a inventou. É a oposição conservadora a responsável pela estruturação dos esquemas de corrupção descobertos no mensalão e nos escândalos da Petrobras. Apoiamos o aprofundamento das investigações na Lava Jato, tanto que nos insurgimos contra a "operação abafa" na CPI da Petrobras, patrocinada por PSDB, PT e PMDB. Nada justifica, entretanto, envolver a Lava Jato numa trama jurídica-midiática com a clara finalidade de acelerar a derrubada da presidente da República. O ministro do STF Teori Zavascki, por exemplo, censurou duramente a decisão do juiz Sergio Moro de divulgar conversas interceptadas envolvendo Lula. Agora, após diversas ações que inflamaram a mobilização pelo impeachment, fica claro que a Lava Jato foi contaminada pela violação da Constituição. A decretação do sigilo da lista de políticos que receberam recursos da Odebrecht, depois de vazada para a imprensa, expõe mais uma contradição da Lava Jato, que a mídia tratou de abafar: a lista envolvia mais de 300 nomes, diversificando o foco para os velhos partidos da ordem, jogando todos na vala comum. Enquanto isso, no Congresso Nacional, a comissão do impeachment trabalha para construir um relatório que justifique a cassação da presidente com base nas pedaladas fiscais. Os argumentos são toscos, frágeis, incompreensíveis e ilegais. Tenta-se atribuir um crime de responsabilidade a alguém que ainda não está sequer denunciado por nenhum crime. É, portanto, desonesto dizer, como o fazem os patrões da Fiesp, que ser contra o impeachment é ser a favor da corrupção. Impeachment sem crime de responsabilidade tem nome: é golpe. A "saída Temer", articulada por empresários, PSDB, aliados e PMDB desembarcado do governo, tem como objetivo alavancar um pacto das elites, com o apoio da grande mídia, para realizar uma política desastrosa para os trabalhadores, marcada por mega ajuste fiscal, ataque às políticas sociais e entrega do pré-sal. Essa é a alternativa conservadora à crise, que exclui qualquer tipo de participação popular. Nutre ainda a esperança de que a Lava Jato "baixe a bola" com as delações amplas e irrestritas de Delcídio do Amaral,de empresários de tornozeleiras, de diretores da Petrobras. Tais delações atingiriam em cheio não só o PT -o PSDB também estaria na mira. Atingiriam especialmente a cúpula do PMDB que quer governar o país, com Temer presidente e Cunha, o "caranguejo", vice. LUIZA ERUNDINA, ex-prefeita de São Paulo (1989 - 1993, pelo PT), é deputada federal (PSOL/SP). É pré-candidata à Prefeitura de São Paulo pelo PSOL nas eleições deste ano IVAN VALENTE, deputado federal (PSOL/SP), líder do partido na Câmara dos Deputados, é pré-candidato a vice na chapa de Erundina * PARTICIPAÇÃO Para colaborar, basta enviar e-mail para [email protected]. Os artigos publicados com assinatura não traduzem a opinião do jornal. Sua publicação obedece ao propósito de estimular o debate dos problemas brasileiros e mundiais e de refletir as diversas tendências do pensamento contemporâneo.
2016-04-13
opiniao
Opinião
http://www1.folha.uol.com.br/opiniao/2016/04/1760294-vamos-frear-o-golpe-em-marcha.shtml
Qualidade médica
É correta a ideia por trás da decisão do governo de implementar a Avaliação Nacional Seriada dos Estudantes de Medicina (Anasem). Trata-se de um exame que pretende aferir a qualidade técnica dos egressos de cursos de medicina. Alunos que iniciaram sua graduação a partir de 2015 terão de submeter-se à prova no segundo, no quarto e no sexto ano. Só conseguirá diploma o estudante que for aprovado no último teste. O desempenho individual, além disso, será considerado nos processos seletivos para a residência médica. Espera-se a primeira edição da prova para agosto. Hoje, basta o aluno concluir a graduação para estar legalmente habilitado a atender pacientes em todos os níveis de complexidade, diagnosticando, prescrevendo e até mesmo operando. Não há nenhum filtro qualitativo, como o exame da OAB para advogados. A certificação da qualidade justifica-se como medida de proteção ao público, que não tem meios de saber por conta própria se o profissional que o atenderá tem a competência técnica necessária. No papel, a Anasem tem vantagens sobre o teste a que o Conselho Regional de Medicina do Estado de São Paulo (Cremesp) submete os egressos de faculdades paulistas. Por idiossincrasias da legislação, o Cremesp pode obrigar o aluno a fazer a prova, mas não bloquear a concessão do diploma -o estudante o receberá mesmo que erre todas as respostas. Também parece melhor que a avaliação seja feita ao longo de várias etapas do curso, e não apenas no último ano, quando o aluno já investiu muito tempo e dinheiro. Apesar das vantagens, há muitas questões em aberto na sugestão do governo federal. A lacônica portaria 168/16, que regula a matéria, não traz aspectos importantes. Não diz, por exemplo, o que acontece com o aluno reprovado. Na entrevista coletiva em que anunciou a Anasem, o ministro Aloizio Mercadante (Educação) afirmou que apenas o teste do sexto ano será eliminatório. Os do segundo e do quarto serviriam para a autoavaliação dos estudantes -o que, registre-se, compromete um pouco a ideia de avaliação seriada. Em relação ao sexto ano, porém, a dúvida permanece: quantas vezes ele poderá fazer a prova de novo em caso de reprovação? A instituição que o formou terá a obrigação de tentar recuperá-lo? Ele continuaria vinculado à faculdade? Como os resultados das instituições afetarão a nota que ela recebe do Ministério da Educação? São perguntas importantes que a pasta ainda precisa esclarecer. [email protected]
2016-11-04
opiniao
Opinião
http://www1.folha.uol.com.br/opiniao/2016/04/1759579-qualidade-medica.shtml
A internacionalização da Lava Jato
A Operação Lava Jato revelou uma inegável interação entre o Brasil e os países sede das instituições financeiras mantenedoras das contas suspeitas de receberem dinheiro ilícito, o que facilitou a apuração dos crimes financeiros que surgiram durante as investigações. Por causa dessa interação entre os países, surgiu uma concomitância de jurisdições convergentes para investigar os ilícitos narrados pela força-tarefa que, inicialmente, estabeleceu-se em Curitiba. Existem pelo menos outros dois países, Suíça e EUA, que já tomaram iniciativas concretas para a apuração dos fatos decorrentes dos contratos firmados entre a Petrobras e as empresas que executavam as obras. A Suíça, pelo que se denota, passa por um intenso processo de modificação dos seus conceitos internos relacionados ao sigilo das informações das instituições financeiras, o que decorre da forte pressão internacional em torno do combate à lavagem de dinheiro. Essa profunda modificação demonstrada pela Suíça já apresenta resultados significativos nas investigações em curso, não só pela agilidade com que o país coopera, mas, principalmente, pela evidente flexibilização de exigências burocráticas para a entrega de informações financeiras mantidas naquele país. Por seu turno, os EUA, também engajado na investigação dos fatos revelados no bojo da Lava Jato, tem justificada a sua jurisdição na suspeita de prática de corrupção envolvendo empresas cujas ações são negociadas na Bolsa de Nova York, o que atrai para aquele país a apuração dos fatos, em virtude da submissão dessas firmas ao Foreign Corrupt Practice Act, ou Lei sobre Práticas de Corrupção no Exterior. Mas não é só esse o motivo. Como se verificou em casos anteriores, a jurisdição daquele país fica justificada sempre que há suspeita de lavagem de dinheiro em transações que tiveram passagem pelo sistema financeiro dos EUA, o que aumenta de maneira exponencial a abrangência de casos sujeitos ao sistema jurídico norte-americano. Recentemente, houve a divulgação do caso envolvendo dirigentes da Fifa, que contou com a atuação conjunta dos Estados Unidos e da Suíça e que, com a utilização da Interpol, realizou a prisão de alguns envolvidos no continente europeu, a pedido dos americanos. O mesmo efeito poderá ser visto na Operação Lava Jato. As medidas coercitivas adotadas no sistema jurídico americano poderão ser igualmente aplicadas aos acusados dos crimes praticados na Petrobras, quando da sua passagem pelos EUA ou por qualquer país que com ele tenha acordo de extradição. Mais do que isso, as provas aqui obtidas em razão das delações premiadas ou acordos de leniência poderão servir de base para o processamento de brasileiros no exterior, tudo a indicar que os americanos terão um caminho mais curto na respectiva investigação realizada no exterior, em razão das diversas confissões já obtidas aqui no Brasil. Essa constatação acerca da internacionalização das investigações leva à conclusão de que os envolvidos na Lava Jato, a depender do caso, deverão estar preparados para o enfrentamento de mais de uma jurisdição, em sistemas jurídicos distintos e com consequências diversas. MAURICIO SILVA LEITE, 40, advogado, é mestre em processo penal pela PUC-SP e sócio do escritório Leite, Tosto e Barros Advogados. Foi responsável pelo pedido de soltura do senador Delcídio do Amaral no Supremo Tribunal Federal ORGE NEMR, 51, advogado, é especialista em direito internacional e sócio do escritório Leite, Tosto e Barros Advogados
2016-11-04
opiniao
Opinião
http://www1.folha.uol.com.br/opiniao/2016/04/1759583-a-internacionalizacao-da-lava-jato.shtml
Gripe fora de hora
Quadros gripais costumam ter evolução benigna. Assim, basta o controle dos sintomas a base de analgésicos e antitérmicos, hidratação, boa alimentação e repouso, que a doença tende a desaparecer em poucos dias. Em alguns casos, no entanto, a infecção pelo vírus influenza pode trazer complicações, principalmente em pessoas que possuem baixa imunidade ou fazem parte dos grupos mais vulneráveis, como os idosos, crianças, grávidas e doentes crônicos. Quando o vírus A H1N1 retornou em forma de pandemia, em 2009, o susto foi grande. Não havia vacina à época. Somente em São Paulo foram registrados 9,7 mil casos e 641 mortes. Passados sete anos, já se sabe que a gripe causada pelo H1N1 não é mais nem menos perigosa do que as causadas pelas cepas mais comuns em circulação pelo mundo. Os cuidados relativos à prevenção e ao tratamento são os mesmos. Em 2016 a gripe surgiu fora de hora no Estado de São Paulo, antes de o inverno chegar. Até 29 de março foram notificados pelos serviços de saúde 465 casos de Síndrome Respiratória Aguda Grave (SRAG) confirmados para o vírus influenza, com 82,5% de predominância para o tipo A H1N1, e 59 mortes. O número de casos graves de gripe já supera os registrados durante todo o ano de 2015, quando o vírus A H3N2 foi predominante, respondendo por 55,6% do total. Mas o cenário não se assemelha, nesse momento, ao ano da pandemia. Ao analisarmos os gráficos do Centro de Vigilância Epidemiológica, observamos que em novembro de 2015 se nota um aumento na frequência de casos de SRAG por H1N1 e, concomitantemente, há elevação do número de casos pelo influenza B, cenário que se manteve até a nona semana epidemiológica deste ano, quando, de fato, a circulação do H1N1 se mostrou prevalente. Em 2015, a presença de uma ou mais comorbidade foi verificada em 60% dos óbitos por SRAG notificados no Estado. Neste ano, o índice é parecido: 61,5%. É precipitado dizer o que causou a circulação antecipada e não prevista dos casos de influenza antes do período de junho a agosto, como costuma ocorrer. Os institutos Adolfo Lutz e Butantan, ligados à Secretaria estadual da Saúde, estão investigando o porquê. Evidentemente que não é possível esperar respostas para agir. Ao detectarmos uma circulação mais intensa do vírus no noroeste do Estado, iniciamos em 23 de março uma campanha extra de vacinação em 67 municípios da região de São José do Rio Preto, com doses de 2015. Com o apoio do Ministério da Saúde, que enviou doses da campanha deste ano, o governo paulista antecipou a vacinação na capital e na região metropolitana de São Paulo, iniciada no dia 4 de abril para 532 mil profissionais de saúde de hospitais públicos e particulares e que a partir desta segunda-feira (11) também será estendida a idosos, gestantes e crianças entre seis meses e cinco anos incompletos, totalizando, nesta imunização antecipada, 3,5 milhões de paulistas. Já a partir do dia 18, a imunização atenderá portadores de doenças crônicas e em tratamento com imunossupressores, puérperas (até 45 dias após o parto), e população indígena residente na capital e região metropolitana de São Paulo. Para as demais cidades do Estado a campanha de vacinação contra a gripe deve seguir o calendário do Ministério da Saúde, com início previsto para o dia 30 de abril. As vacinas –trivalentes– são produzidas pelo Instituto Butantan e protegem contra os três tipos de influenza que circularam no último inverno do hemisfério norte. Importante ressaltar que a vacina, além de prevenir a gripe, ajuda a evitar complicações decorrentes da infecção por esses vírus, a exemplo de pneumonias, otites e sinusites. São Paulo está enfrentando sua onda de gripe fora de hora com a seriedade e a serenidade que o momento exige. Há motivo para alerta entre as autoridades de saúde, mas nenhum para pânico entre a população. Vida normal. DAVID UIP, 63, infectologista, é secretário da Saúde do Estado de São Paulo
2016-11-04
opiniao
Opinião
http://www1.folha.uol.com.br/opiniao/2016/04/1759184-gripe-fora-de-hora.shtml
Tragédia no futebol
No domingo passado (3), torcedores do Palmeiras e do Corinthians protagonizaram uma série de episódios de violência e vandalismo antes e depois da partida entre os dois clubes, em São Paulo. Em um dos confrontos, uma pessoa que nem estava envolvida foi morta com um tiro no peito; no total, dezenas ficaram feridas. Em resposta, o governo paulista anunciou novas medidas de segurança. A principal delas é a determinação de que todos os clássicos disputados no Estado até o fim do ano tenham torcida única. Como consequência, segundo o secretário da Segurança Pública, Alexandre de Moraes, a Polícia Militar ficará livre do trabalho de escolta das torcidas até o estádio e poderá exercer maior patrulhamento nos dias de jogo. Pode até ser. A iniciativa, contudo, constitui antes paliativo que solução. Cerca de 80% dos conflitos ligados ao futebol ocorrem longe dos estádios. Foi exatamente o caso dos enfrentamentos entre corintianos e palmeirenses. A briga que resultou em uma morte deu-se a cerca de 30 quilômetros do Pacaembu, local da partida. Há outro exemplo recente. Em fevereiro, um conflito entre são-paulinos e corintianos bloqueou um trecho do anel viário Magalhães Teixeira, em Valinhos, a cerca de 110 km do estádio, em Itaquera (zona leste de São Paulo). Tal padrão de violência reclama medidas para prevenção e repressão. Um bom início seria o governo paulista cumprir sua promessa de identificar e punir os mais de 50 delinquentes que se digladiaram no último final de semana. É urgente romper a inexplicável cultura de impunidade que cerca a violência entre torcedores. A esse respeito, muito citado -e com razão- o exemplo da Inglaterra, que reduziu enormemente a violência no futebol nos anos 1990, deveria servir de inspiração para as autoridades de todo o país. Lá, por meio da colaboração dos clubes e do serviço de inteligência da polícia, investiu-se na identificação dos indivíduos violentos, que foram obrigados a comparecer a delegacias nos dias de jogo. São punidos, dessa forma, os verdadeiros vândalos, e não o próprio espetáculo do futebol. Aqui, desde 2010, 113 pessoas perderam a vida em decorrência da barbárie entre torcidas. Cabe indagar até quando essa trágica rotina será tolerada pelo poder público. [email protected]
2016-10-04
opiniao
Opinião
http://www1.folha.uol.com.br/opiniao/2016/04/1759303-tragedia-no-futebol.shtml
Antecipação de eleições gerais é constitucional? Não
MAIS ELEIÇÃO NEM SEMPRE É MAIS DEMOCRACIA Uma das noções mais intuitivas de Justiça é a de que jogadores não podem alterar em benefício próprio as regras do jogo durante seu andamento. É isso que cogitam alguns membros do governo com a proposta de novas eleições presidenciais. Na Constituição do Brasil –e de muitos outros países– a máxima de que não se alteram as regras do jogo durante seu andamento é uma das consequências da adoção do princípio do Estado de Direito ou "rule of law". A aplicação desse princípio geral para resolver a questão das novas eleições precisa ser guiada por normas mais concretas. Uma delas é a exigência explícita de que o voto seja periódico. Como bem explicou o editorial "Eleição Constitucional", recentemente publicado pela Folha, essa garantia de nossa Constituição visa proibir excessos em duas pontas diferentes. Eleições de menos, mas também eleições demais. Tão ruim quanto trocar os representantes somente a cada 15 anos é substituí-los a cada 15 meses. Mais eleições não necessariamente significa mais democracia. O governo costuma lembrar que a presidente Dilma Rousseff foi eleita com 54 milhões de votos. Esses votos eram para um mandato segundo as regras constitucionais válidas à época da eleição. Elas incluem mandato de quatro anos e possibilidades excepcionais de renúncia, impedimento ou cassação. Se mudar essas regras para apoiar novas eleições presidenciais agora, o governo estará agindo contra a legitimidade dos milhões de votos que sempre exaltou. A regra do voto periódico exige eleições com uma frequência razoável. Essa frequência implica também previsibilidade. Um sistema estável de escolha dos representantes. Qualquer nova regra sobre as eleições deve ter caráter permanente. A possibilidade de reeleição não foi incluída na Constituição apenas para Fernando Henrique Cardoso. Passou a valer para todos e para sempre, a partir daí. A proposta de novas eleições é por natureza suspeita porque constitui uma alteração pontual, excepcional. Apenas Dilma teria acesso a essa "saída honrada". Uma emenda constitucional personalizada. Outra regra que ajuda a dar significado para o princípio do Estado de Direito é a proibição de alterar a Constituição durante tempos conturbados e excepcionais. Há expressa proibição de realizar emendas durante estado de defesa ou de sítio. Alterar regras essenciais do jogo político durante uma gravíssima crise política também é suspeito e exige como fundamento alguma necessidade especial. O contexto da proposta de novas eleições não dissipa essas suspeitas. Pelo contrário, apenas as confirma. O resultado buscado pode perfeitamente ser obtido sem mudar as regras do jogo. PT e PMDB podem redigir um documento de renúncia conjunta de Dilma Rousseff e Michel Temer, que seria assinado por ambos. Novas eleições viriam automaticamente em 90 dias. Mas essa opção prejudicaria a reputação da presidente, de seu vice e do seus respectivos partidos. Eles não querem arcar com esse custo. A estabilidade institucional garantida a duras penas durante quase três décadas seria evaporada para a conveniência desses dois partidos e seus líderes. A cada nova crise, a resposta seria mexer nas regras essenciais do jogo. A realização de novas eleições presidenciais neste momento significaria a mudança de um elemento vital da Constituição Federal, manejada em interesse exclusivamente próprio daqueles hoje no poder. É precisamente contra isso que a garantia do Estado de Direito protege os cidadãos brasileiros. IVAR HARTMANN, 31, professor da FGV Direito Rio e coordenador do projeto Supremo em Números da mesma instituição, é doutorando em direito constitucional na UERJ
2016-09-04
opiniao
Opinião
http://www1.folha.uol.com.br/opiniao/2016/04/1759166-antecipacao-de-eleicoes-gerais-e-constitucional-nao.shtml
As surpresas de Cunha
Perderá a conta e a paciência quem se dispuser a elaborar um inventário de todas as manobras e escapadas que o presidente da Câmara, Eduardo Cunha (PMDB-RJ), protagonizou nos últimos tempos. Deixem-se de lado os tortuosos movimentos do peemedebista e seus prepostos no Conselho de Ética, que há muito deveria ter encaminhado a cassação de seu mandato. É quanto a outro assunto que o presidente da Câmara dá sua última demonstração de desrespeito, não só para com a opinião pública mas também para com seus pares. Indagam-lhe sobre a votação do impeachment da presidente Dilma Rousseff (PT) pelo plenário da Câmara. Que procedimento será adotado? Cunha responde que decidirá sozinho, na hora, como achar melhor. Que todos esperem, portanto, a resolução de Sua Excelência. O tema, por incidir em refinamentos de interpretação regimental, tende a gerar polêmica e necessita de esclarecimento. Quando se deu a decisão sobre o mandato de Fernando Collor, em 1992, o presidente da Câmara convocou ao microfone os deputados, por ordem alfabética, para que indicassem sua opinião. Depois dessa ocasião, o regimento foi modificado, fixando-se um critério geográfico. Os integrantes de cada bancada estadual devem ser chamados obedecendo-se a uma alternância entre norte e sul. A ordenação pode fazer diferença. Há quem acredite que, dando-se a deputados do Nordeste precedência na chamada, o peso de uma maioria inicial de votos ainda governistas venha a influenciar contra o impeachment os parlamentares indecisos. O mesmo cálculo oportunista se desenrolará caso logo se forme maioria expressiva de votos a favor do impeachment. Trata-se de uma espécie de "efeito anchova", movimento descrito pelo colunista Hélio Schwartsman : os peixes agregam-se num cardume, e buscam o seu centro, a fim de diminuir as chances de serem vítimas de um predador. Os deputados, no momento decisivo, também evitarão ficar sozinhos. Previsões desse tipo talvez tenham sentido, mas o principal reside em outro ponto. O anúncio prévio e detalhado do método de votação permite que o assunto seja posto em debate, abrindo-se à contestação dos que se sintam eventualmente lesados pelo encaminhamento. Uma decisão monocrática, no calor do momento, barra essa possibilidade –e, o que é pior, transfere para o próprio dia, ou para imediatamente após a proclamação dos resultados, o surgimento de recursos e embargos ao processo. Pouco importando em que sentido decida o plenário, imagine-se o tormento que seria o Supremo Tribunal Federal mandar ser refeita a votação. Foi o que aconteceu na primeira eleição da comissão especial do impeachment. Já se tem, no próprio teor do pedido de afastamento agora formulado, quantidade preocupante de questões técnicas e de dúvidas. Não cabe ao presidente da Câmara, por arrogância ou gosto pela surpresa regimental, multiplicá-las em momento crítico. [email protected]
2016-09-04
opiniao
Opinião
http://www1.folha.uol.com.br/opiniao/2016/04/1759201-as-surpresas-de-cunha.shtml
Esbórnia agrária
O Estado brasileiro modernizou-se de modo considerável nas últimas décadas e produz hoje miríades de estatísticas que servem ao controle, interno ou público, de sua eficiência. Ou deveriam servir. Quase diariamente surgem notícias sobre desvios e falcatruas, mas poucos se debruçam sobre elas, menos ainda para tomar providências. O mais recente exemplo brotou na burocracia da reforma agrária, reprovada em auditoria do Tribunal de Contas da União. O TCU identificou 479 mil beneficiários da reforma agrária com indícios de irregularidade. O órgão auxiliar do Congresso Nacional determinou então a paralisação imediata do programa. O dado representa quase um terço do total de assentados no cadastro do Incra. Tamanho desvio não surge do nada, só se constrói, anos a fio, com a omissão ou a conivência de servidores do instituto, uma repartição federal à qual nunca faltaram escândalos de corrupção. A malha do TCU apanhou de tudo: 248,9 mil assentados com local de moradia diferente do lote concedido; 23,2 mil contemplados antes pela reforma agrária; 144,6 mil funcionários públicos; 61,9 mil empresários; 37,9 mil pessoas mortas... Até 1.017 políticos titulares de mandato eletivo aparecem na lista, entre eles 1 senador, 4 prefeitos, 69 vice-prefeitos, 96 deputados estaduais e 847 vereadores. Não será surpresa se um deles for o titular de um lote no Pará que possui um Porsche Cayenne GTS, carro que pode custar mais de R$ 500 mil. Nenhuma dessas condições é compatível, por lei, com a de assentado. Lotes de reforma agrária não podem ser dados a quem tenha renda não agrícola superior a três salários mínimos mensais. Bastou ao TCU cotejar os nomes do cadastro de beneficiários com outros bancos de dados governamentais para obter essa radiografia preliminar do descalabro. Por certo ainda será preciso depurar possíveis equívocos na relação, mas ela dificilmente encolherá muito. Menos mal que o TCU tenha mandado paralisar o que já estava congelado. Em 2015 e 2016, o governo Dilma Rousseff (PT) não desapropriou nenhum imóvel para assentamentos e ostenta o menor desempenho na área desde 1995. O ministro do Desenvolvimento Agrário, Patrus Ananias, disse no Congresso que o Incra coopera com o TCU e firmou convênio para corrigir distorções. Seria bom que explicasse por que esperou o tribunal cruzar seus dados com informações do próprio governo para diagnosticar tumor tão evidente. [email protected]
2016-08-04
opiniao
Opinião
http://www1.folha.uol.com.br/opiniao/2016/04/1758742-esbornia-agraria.shtml
Crise ininterrupta
Em meio a um desesperado esforço de loteamento de cargos, o processo de impeachment da presidente Dilma Rousseff (PT) avança com celeridade –e no mesmo ritmo surgem novos desdobramentos da Operação Lava Jato. Nesta quinta-feira (7), a Folha revelou que executivos da empreiteira Andrade Gutierrez, em acordo de delação premiada, detalharam um esquema milionário de propinas em obras públicas. Os depoimentos –que, vale repetir, fornecem dados para orientar novas investigações, podendo ou não ser comprovados– atingem frontalmente as campanhas eleitorais de Dilma Rousseff e Michel Temer (PMDB) em 2010 e em 2014. Em troca de vantagens em projetos como a usina de Belo Monte e o Complexo Petroquímico do Rio, a Andrade Gutierrez encarregou-se de organizar um sofisticado esquema de repasse de recursos. Os executivos da construtora relatam a existência de duas formas de contabilizar as doações. Uma, a que se chamou de republicana, consistia em contribuições legais para a reeleição de Dilma: R$ 20 milhões para a campanha e outros R$ 15 milhões para os cofres do PT. Ocultavam-se, porém, os "compromissos com o governo", isto é, a proporção dos recursos que se destinava a garantir contratos da empresa com a administração federal. Segundo os executivos, as doações efetuadas, embora tivessem uma aparência de legalidade, visavam à obtenção de vantagens indevidas nas licitações. Ainda que seja necessário observar todo o cuidado em delações desse tipo, a existência do esquema ganha grande plausibilidade –e fortalecem-se os elementos para a ação do PSDB no Tribunal Superior Eleitoral, requerendo a impugnação da chapa vitoriosa em 2014. Mais do que nunca, torna-se necessário acelerar o julgamento no TSE, ainda sem data definida. O próprio candidato do PSDB, senador Aécio Neves (MG), além de diversos políticos e administradores públicos, também receberam doações da empreiteira, havendo muito o que investigar nesse tocante. A crise política, pode-se perceber, não terá seu último capítulo na decisão sobre o impeachment de Dilma. Mesmo que o governo vença no Legislativo, novos problemas se abaterão sobre a presidente e sobre Temer. Um eventual governo do peemedebista começaria marcado pela incerteza. São tantos os desdobramentos da Lava Jato que o campo do improvável e do remoto parece redefinir-se a cada dia. A renúncia de Dilma e Temer, com a convocação de novas eleições presidenciais, nos termos da Constituição, afigura-se como a saída mais indicada para uma crise que, provavelmente, um impeachment não conseguirá interromper. [email protected]
2016-08-04
opiniao
Opinião
http://www1.folha.uol.com.br/opiniao/2016/04/1758740-crise-ininterrupta.shtml
Sobram crimes para o impeachment
Após a fracassada tentativa de ludibriar a opinião pública ao difundir a falácia de que haveria um "golpe" em curso com o processo de impeachment, a nova estratégia de Dilma Rousseff é dizer que não há crime de responsabilidade a fundamentar o pedido em tramitação na Câmara dos Deputados. Felizmente, o proselitismo político de quinta categoria que parte do Palácio do Planalto não é capaz de derrubar a materialidade implacável dos fatos. Como afirmou a advogada Janaina Paschoal, coautora do documento também formulado pelos juristas Hélio Bicudo e Miguel Reale Jr., "sobram crimes" que justificam o pedido de afastamento da presidente da República. As "pedaladas fiscais", como o lulopetismo tornou conhecidos os atrasos nos repasses aos bancos públicos com o objetivo de maquiar as contas do governo, não são um mero detalhe contábil. Trata-se de flagrante violação ao inciso III do artigo 11 da lei nº 1.079/50, que regulamenta o impeachment, o que configura crime de responsabilidade. Assim como os decretos assinados por Dilma sem autorização do Congresso Nacional, que abriram créditos suplementares ao Orçamento, prática ilegal tipificada no inciso VI do artigo 10 da mesma lei. Como se não bastassem as "pedaladas", as gravações de conversas entre Dilma e Lula, obtidas com autorização judicial, desnudaram a sórdida tentativa do governo de obstruir o bom funcionamento da Justiça. É evidente que a indicação do ex-presidente para a Casa Civil teve o intuito de garantir o foro privilegiado ao chefe do PT e livrá-lo das investigações da Operação Lava Jato na vara federal de Curitiba, sob os auspícios do juiz Sergio Moro. Este crime embasa outro pedido de impeachment já apresentado à Câmara, pela OAB (Ordem dos Advogados do Brasil), que provavelmente não será objeto de análise em função da aprovação do primeiro parecer –mas demonstra cabalmente a irresponsabilidade sem limites do atual governo. Desesperados para evitar um impeachment que, como se vê, tem total respaldo jurídico, além de contar com o apoio majoritário da sociedade (68% dos brasileiros querem o afastamento da presidente, segundo o Datafolha), Dilma, Lula e o PT não tiveram pudores em abrir um balcão de negócios na Esplanada dos Ministérios, cooptando políticos e partidos para que votem contra o impedimento. O desavergonhado loteamento de cargos chegou a tal ponto que até o Ministério da Saúde, em meio aos surtos de dengue, vírus da zika, chikungunya e da gripe H1N1, foi transformado em moeda de troca para angariar apoio na votação, o que dá a medida do "grau de abjeção em que se projetou a Presidência da República", como bem apontado por esta Folha em editorial. Votaremos pelo impeachment em consonância com o desejo dos brasileiros, em obediência à Constituição e respeitando o processo democrático. Exatamente como fizemos em 1992, à época com o apoio incondicional do PT, que cerrava fileiras conosco e não qualificava o movimento como "golpista". Ironicamente, 24 anos depois, os petistas se veem enredados de tal forma em práticas criminosas que fazem o governo Fernando Collor parecer digno de julgamento por um tribunal de pequenas causas. Enquanto o Planalto apela aos meios escusos que lhe são próprios, temos de intensificar a mobilização na planície, nas ruas, de norte a sul do país, e também no Parlamento. Com força de vontade, coragem e altivez, sem ódio e sem medo, o povo brasileiro irá se livrar daqueles que se apoderaram do Estado em nome de um projeto de poder. Não vai ter golpe. Vai ter impeachment! ROBERTO FREIRE, 73, deputado federal por São Paulo, é presidente nacional do PPS - Partido Popular Socialista
2016-07-04
opiniao
Opinião
http://www1.folha.uol.com.br/opiniao/2016/04/1758270-sobram-crimes-para-o-impeachment.shtml
Estado Islâmico em crise
A facção radical Estado Islâmico está se enfraquecendo. Estima-se que, desde 2015, tenha perdido cerca de 30% de seus combatentes e 25% do território que controla na Síria e no Iraque, hoje uma área equivalente à de Santa Catarina. Nas últimas semanas, a milícia terrorista conheceu derrotas em duas frentes sírias: Palmira, uma cidade histórica, e Tal Abyad, de importância acentuada pela proximidade com a Turquia. Talvez esses constituam os resultados mais visíveis da ofensiva internacional contra os extremistas, mas não são os únicos. A ação tem gerado frutos ainda mais decisivos, embora menos perceptíveis. A própria estrutura logística da facção sofreu sério baque, como contou Ahmad Derwish, 29, combatente do Estado Islâmico preso há um mês na Síria. "Os bombardeios da coalizão [liderada pelos Estados Unidos] enfraqueceram muito o Estado Islâmico. Não podemos mais nos movimentar, e nossos campos de petróleo e refinarias foram atingidos", afirmou em entrevista exclusiva a esta Folha. Antes de ser preso, Derwish –que concordou em ser fotografado e filmado pela reportagem– era um emir (comandante) na região de Shaddadi (Síria), cidade estratégica para a facção radical. Nascido na Síria, trabalhava como mecânico na Arábia Saudita quando eclodiu a revolta síria contra o ditador Bashar al-Assad, no início de 2011. Pouco tempo depois, juntou-se ao EI. Como tantos, foi atraído pelas promessas de um retorno a um tempo supostamente puro do islã, anterior à corrupção dessa fé por valores modernos. Levando ao extremo uma lógica fanática, Derwish procura justificar as indefensáveis 32 mortes nos recentes atentados em Bruxelas. "Sempre é legítimo matar quem não segue a sharia [lei islâmica]", sustenta o combatente, que diz não se arrepender das cerca de 20 pessoas que ele próprio assassinou em nome de sua religião. Catalisador da expansão do EI, o fundamentalismo, de acordo com o prisioneiro, já parece incapaz de manter o apelo irracional do grupo –para o que decerto contribuem os reveses militares e a queda no preço do petróleo. Os soldos, por exemplo, teriam caído de US$ 150 para US$ 50. Segundo Derwish, o EI responde aos ataques da coalizão internacional com atentados na Europa. Trata-se de puro desespero, que as autoridades devem enfrentar com reforço em suas redes de inteligência e segurança. O combate à facção extremista está funcionando –e precisa continuar, sem tréguas. [email protected]
2016-06-04
opiniao
Opinião
http://www1.folha.uol.com.br/opiniao/2016/04/1757874-estado-islamico-em-crise.shtml