title
stringlengths
4
128
text
stringlengths
305
52.3k
date
stringlengths
10
19
category
stringclasses
7 values
category_natural_language
stringclasses
7 values
link
stringlengths
56
191
Os deuses do tempo
Política e Direito são campos distintos que se comunicam, mas são regidos por dimensões diferentes de tempo. Com a abertura do processo de impeachment, um dos momentos mais críticos previsto pela Constituição, é fundamental que se tenha uma compreensão adequada desses diferentes tempos. No sentido mais comum que conhecemos, há o tempo quantitativo, que pode ser medido em dias, semanas e anos. Compassado e cadenciado, esse tempo se caracteriza pela constância de seu ritmo, impassível aos acontecimentos. Uma hora sempre terá 60 minutos. Há, entretanto, um outro tempo. O tempo em que um dia pode valer por décadas. É qualitativo, assimétrico. Nele, os dias não são medidos em horas, mas em acontecimentos. Os gregos antigos viam tamanha importância nessas duas dimensões de tempo que representaram cada uma delas com um deus diferente. Cronos é o deus do tempo quantitativo, sequencial, ritmado. Kairós, por sua vez, é o deus do tempo qualitativo, do momento oportuno. O contraste das imagens desses deuses é esclarecedor. Cronos muitas vezes é representado como um senhor sentado, marcando o ritmo do tempo. Kairós, jovem e lépido, sem roupas e com um só cacho de cabelos na testa, que era o único meio de agarrá-lo, simbolizando a fugacidade do momento oportuno. É fácil perceber hoje como o embate político se dá no tempo qualitativo. A sensação de que notícias políticas do mês passado são artefatos de museu se deve a isso. O cálculo político encara o tempo em seu aspecto assimétrico. Nesse tempo, um gesto feito no momento inadequado pode pôr tudo a perder; uma palavra encaixada no momento ideal pode ser a glória. A política é regida pelo tempo de Kairós. O tempo que rege os processos judiciais, entretanto, é o tempo de Cronos. A marcha processual deve manter sua constância, independentemente dos acontecimentos políticos. Não deve apressar nem retardar o passo. Não se fala aqui em velocidade dos atos processuais: a celeridade é um princípio constitucional que deve ser perseguido. Fala-se, sim, da constância do processo judicial, que deve se manter impassível frente ao que ocorre no campo político. Uma das maiores conquistas democráticas é o consenso de que cabe ao Judiciário dar a última palavra nos conflitos entre os Poderes. Essa incumbência de definir os limites dos três Poderes, inclusive o seu, exige a contrapartida da autocontenção judiciária, restringindo com temperança sua própria atuação. Por não retirar sua legitimidade diretamente do voto popular, o Judiciário deve despir-se de inclinações partidárias e nunca pôr acima da Constituição o clamor das ruas. Guardando distância do território de Kairós, o Judiciário melhor se resguarda de uma eventual ofensiva política sobre seu território. Qualquer que seja o desfecho do processo de impeachment, potenciais investigados permanecerão circulando pelos poderes políticos. Acostumados a trabalhar no tempo de Kairós, eles poderiam ver no fim do processo uma oportunidade de murchar as investigações criminais. É fundamental que cada um dos Poderes saiba qual tempo deve regê-lo. E que a opinião pública esteja atenta a qualquer deles que tente atravessar o Rubicão. Os reles mortais nunca se beneficiaram de brigas no Olimpo. ALMIR TEUBL SANCHES, 36, mestre e doutor em filosofia do Direito na USP, é procurador da República em São Paulo GABRIEL PIMENTA, 33, especialista em direito pelo Instituto Brasiliense de Direito Público e pela Escola Superior do Ministério Público da União, é procurador da República na Bahia
2016-04-04
opiniao
Opinião
http://www1.folha.uol.com.br/opiniao/2016/04/1756793-os-deuses-do-tempo.shtml
Ousar mais na Antártida
Não deixa de ser manifestação de coragem uma nação tropical como o Brasil manter presença na Antártida há três décadas. Contra todas as vicissitudes orçamentárias, a atuação do país no continente gelado nunca sofreu interrupção. Encerra-se neste mês de março a 34ª Operação Antártica. Assim são batizadas as missões da Marinha que garantem a "atividade substancial de pesquisa" na região austral necessária para figurar entre os 29 membros plenos do Tratado Antártico, em vigor desde 1961. O acordo estabelece a Antártida como domínio reservado à paz, à preservação e à ciência. Suspendeu todas as reivindicações territoriais, mas passará por revisão em 2048, quando membros como a China poderão pôr em discussão direitos de exploração mineral. Há razões estratégicas de sobra, portanto, para o Brasil continuar ativo no continente austral. Além disso, a pesquisa ali permite entender melhor as massas de ar que afetam o clima no território nacional. O maior revés já sofrido pelo Programa Antártico se deu em 2012. Um incêndio inutilizou a Estação Antártica Comandante Ferraz (EACF) e vitimou dois militares. O governo brasileiro manteve a base em funcionamento com recurso a contêineres, os módulos antárticos emergenciais (MAE). Agora se inicia a reconstrução da EACF, com um projeto premiado do escritório de arquitetura curitibano Estúdio 41. Ao preço de US$ 100 milhões –mais de R$ 360 milhões–, a nova base terá 4.500 m2 e abrigará 64 pessoas. O Ministério da Defesa afirma que não faltarão recursos para a construção, a cargo da firma chinesa Ceiec. Cientistas, contudo, queixam-se com frequência da irregularidade das verbas para pesquisa e questionam o custo, o porte e o local da nova estação, na mesma península Keller da antiga EACF. Argumenta-se que a área já foi muito estudada em três décadas e que o correto seria construir algo menos ambicioso, para investir recursos em incursões mais ao sul. A estação brasileira fica numa ilha mais próxima do Chile que do polo Sul. Para projetar-se além no ambiente antártico, o Brasil precisaria adquirir um quebra-gelo, mas isso parece fora de questão –a construção de um navio desses pode custar US$ 800 milhões. Não é má ideia ampliar os horizontes da pesquisa na Antártida. Para melhor aproveitar os recursos existentes e fixar as prioridades adequadas, militares e cientistas deveriam fortalecer sua tradicional parceria submetendo eventuais divergências à luz regeneradora do debate público. [email protected]
2016-02-04
opiniao
Opinião
http://www1.folha.uol.com.br/opiniao/2016/04/1756736-ousar-mais-na-antartida.shtml
'Kit bíblico' deve ser distribuído a alunos de escolas estaduais? Sim
FORMANDO CIDADÃOS DE VALOR Tenho a grata satisfação de ser o idealizador do projeto que institui o "kit bíblico" nas escolas da rede estadual de São Paulo. Esse projeto transcende a questão religiosa. Trata-se de levar às nossas crianças e adolescentes, acima de tudo, princípios de ordem comportamental, em que se edificam o direito e o dever de cada um. Esses valores não são impostos por uma determinada religião, mas sim pelo Livro que é aceito mundialmente e que serve há milhares de anos para a construção de uma sociedade saudável. Por isso, defender o "kit bíblico" nas escolas não se trata da defesa de uma religião. Mas, sim, de um manual de postura para se viver em comunidade. Um levantamento feito pelo centro americano de pesquisas Pew aponta que a maioria da população mundial acredita que acreditar em Deus é essencial para a moralidade. No Brasil, segundo a pesquisa realizada em 2014, 86% dos entrevistados confirmaram essa relação. Esses números já seriam suficientes para justificar o projeto, uma vez que a Bíblia é a mensagem de Deus para o homem. É por meio dela que Deus se revela e dá resposta a todas as dúvidas de nossa existência. Mas há diversos outros bons motivos. Além de ser um livro com riqueza histórica de tamanho incalculável, tudo o que é relacionado aos bons princípios está na Bíblia: honrar pai e mãe, amar ao próximo, não roubar, não matar, condutas que precisam ser constantemente pregadas às novas gerações. Hoje os pais têm uma vida muito ativa. Muitas vezes trabalham por horas e pouco tempo têm para seus filhos. É uma realidade que, infelizmente, vivemos. O ensinamento da Bíblia na escola vem a reforçar o que os pais passam em casa. A Bíblia tem conhecimentos universais e é o livro mais publicado no mundo. Foi impresso em quase todas as línguas conhecidas, incluindo Braille, e é continuamente impresso em ainda mais línguas. É uma leitura que se encaixa totalmente no nosso tempo, apesar de ter milhares de anos. Já tem comprovada sua força espiritual que tanto ajuda as pessoas a superarem as dificuldades do dia a dia, além de pregar à humanidade uma convivência pacífica. Nenhum outro livro da história tem sido mais estudado, comentado e analisado. Por que, então, não ser apresentado aos nossos alunos? Sou formado em Direito e a Bíblia Sagrada é o alicerce para a ciência do Direito, representando assim a lei dos homens. Normas e regras que seguimos tiveram suas origens da Bíblia. Até mesmo na Suécia, onde só 18% da população acredita em Deus, de acordo com a pesquisa de opinião pública Eurobarometer, o ensino religioso está inserido no currículo escolar. Isso comprova que não afeta a decisão da pessoa em seguir determinada religião. A iniciativa tem por objetivo valorizar condutas morais. Os questionamentos sobre o projeto são saudáveis. Acredito que toda ideia deve ser discutida e debatida, para que possa ser estudada e aprimorada. Afinal de contas, leis e projetos têm uma profunda influência na sociedade. É de suma importância que continuemos a buscar conhecimento através da ciência, e que assim se conheça as opiniões diversas. Mas tudo isso sempre relacionado ao senso moral, ao respeito ao próximo, à convivência em comunidade. Temos de pregar a tolerância, nos abrindo sempre para ouvir a opinião e experiência de outros. Mas em relação a este projeto, fico com minha consciência tranquila, pois levará apenas boa conduta às nossas instituições de ensino e contribuirá para a formação de bons cidadãos para a nossa sociedade. RODRIGO MORAES, 31, deputado estadual em São Paulo pelo Democratas
2016-02-04
opiniao
Opinião
http://www1.folha.uol.com.br/opiniao/2016/04/1756707-kit-biblico-deve-ser-distribuido-a-alunos-de-escolas-estaduais-sim.shtml
Devolver um país ao seu povo
O território da política nacional sofre as consequências de um abalo sísmico de elevada intensidade e grandes proporções, com origem na malversação do erário em detrimento da lei, da moral e do desenvolvimento sustentável. O populismo e o capitalismo de compadres, estabelecidos com a promiscuidade entre empresários e o poder público, vilipendiaram a nação, sob estímulos do ilimitado e incontrolável desejo de enriquecimento das pessoas físicas e jurídicas, despreocupadas com a ilicitude, na pseudoconvicção de ser possível estar acima do bem e do mal. Apesar da alarmante corrupção, dos conflitos entre os três Poderes da República, do retorno da inflação e da recessão, do povo e das ruas vestidos de verde e amarelo no recente e histórico dia 13 de março, constata-se a solidez do Estado democrático de Direito no Brasil. O processo de impedimento –impeachment– da presidente da República, em trâmite na Câmara, sem ruptura do tecido social, é mais uma prova inequívoca de amadurecimento democrático e de fortalecimento das instituições brasileiras. Não houve conspiração alguma da Polícia Federal, do Ministério Público ou da Justiça. Há carência de motivo justo ou plausível para se falar de golpe em face da instauração do processo corretivo da Presidência. Resta a observação da materialidade dos fatos, ou seja, um estado de coma ético e moral, do qual não se pode sair com casuísmos ou propaganda enganosa em comerciais de televisão, elaborados com os artifícios dos gurus do marketing. Trata-se de um instituto presente em todas as constituições brasileiras republicanas, que tem por finalidade política afastar o presidente da República, quando da prática do crime de responsabilidade ou de infrações criminais comuns. O crime de responsabilidade, reconhecido pela Constituição Federal de 1988, em coerência aos ditames inscritos nas constituições precedentes, decorre de atentado contra a existência da União, o livre exercício dos poderes Legislativo, Executivo, Judiciário e contra os poderes constitucionais estaduais, a segurança interna da pátria, a probidade administrativa, a lei orçamentária e o cumprimento das decisões judiciais. A nossa atual matriz valorativa e jurídica –a Carta Magna– definiu ainda que, diante de um crime de responsabilidade, o presidente da República fica suscetível de acusação por 2/3 da Câmara e a julgamento pelo Senado, presidido, nessa circunstância específica, pelo presidente do Supremo Tribunal Federal. No caso de infrações penais comuns, após a acusação da Câmara, determina a Constituição que o presidente da República seja submetido a julgamento perante o STF, desde que recebida a denúncia ou queixa-crime pelo próprio tribunal. De acordo com os preceitos constitucionais, em qualquer dessas situações, tanto no crime de responsabilidade como de infrações penais comuns, fica o presidente da República suspenso de suas funções por 180 dias, contados a partir da admissibilidade pelo Senado da acusação da Câmara e, se o julgamento não for concluído nesse prazo cessará o seu afastamento, sem prejuízo do regular prosseguimento do processo. Nestas considerações, de caráter político e jurídico, não são emitidas opiniões ou declinadas posições sobre o verdadeiro mérito em pauta de análise pelos deputados federais, ou seja, acerca da decisão de acusação ou não da presidente Dilma Rousseff pela Câmara ao Senado. Apenas afirma-se que o instituto do impedimento, nos parâmetros de ampla defesa e demais previsões do devido processo legal é uma ordem constitucional, democrática e republicana. Vale a pena lembrar que esse mandamento constitucional não seria necessário ou relevante, respectivamente, nas hipóteses da vigência de um regime parlamentarista ou de o titular do cargo da Presidência da República ser capaz de um último e talvez único gesto nobre, o da renúncia, devolvendo o país ao seu povo! CARLOS VITAL TAVARES CORRÊA LIMA, 66, é presidente do Conselho Federal de Medicina
2016-01-04
opiniao
Opinião
http://www1.folha.uol.com.br/opiniao/2016/04/1756211-devolver-um-pais-ao-seu-povo.shtml
Mais segurança nuclear
Há algumas décadas, durante a Guerra Fria, o risco de um conflito em escala global levou a maioria dos países a estabelecer firmes compromissos voltados à redução e à não proliferação do arsenal de bombas atômicas. Desde então, as ameaças mudaram, trazendo novos desafios para a segurança nuclear. Hoje, são mais presentes os temores de que material atômico caia nas mãos de grupos terroristas, permitindo, por exemplo, a produção de uma bomba suja, combinação de substâncias radioativas com explosivos convencionais. Evitar que uma catástrofe dessas ocorra é um dos principais objetivos da Cúpula sobre Segurança Nuclear, criada em 2010 pelo presidente dos EUA, Barack Obama. Para tanto, busca-se encorajar países a eliminar ou tornar mais seguras suas reservas de material nuclear. Nesta semana, em Washington, o encontro realiza-se pela quarta vez, com a presença de mais de 50 nações, inclusive o Brasil. A redução das armas nucleares constitui uma das preocupações de Obama, como ele próprio declarou em Praga (República Tcheca), em 2009 -no primeiro ano de sua administração. Desde a primeira cúpula, 13 países eliminaram suas reservas de plutônio e urânio enriquecido -foi o caso da Ucrânia, que o fez em 2012, dois anos antes de eclodir uma guerra civil no país. Outros 20, incluindo França, EUA e Rússia, diminuíram seus estoques. Em paralelo, Estados Unidos e mais cinco potências acordaram com o Irã o desmonte de parte significativa da estrutura nuclear persa. Apesar dos progressos, ainda há muito por fazer, e isso se torna mais urgente diante das evidências de que grupos terroristas têm buscado obter material atômico. Recentemente, a polícia da Bélgica encontrou na casa de envolvidos em atos terroristas gravações da rotina do chefe do programa nuclear do país, levantando suspeitas de que um ataque a usinas atômicas estava sendo planejado. Estima-se que existam hoje 2.000 toneladas de plutônio e urânio enriquecido armazenadas em 24 países. Segundo a ONG Nuclear Threat Initiative, uma boa parte desse material está vulnerável a roubos devido à proteção inadequada. Com o fim do governo de Barack Obama, teme-se que o interesse pela questão diminua e que algumas conquistas acabem sendo revertidas. Diante da crescente ameaça terrorista e dos desafios à frente, seria sem dúvida algo a lamentar. [email protected]
2016-01-04
opiniao
Opinião
http://www1.folha.uol.com.br/opiniao/2016/04/1756254-mais-seguranca-nuclear.shtml
Coisa de cinema
Publicado nesta seção, o artigo "Pela legalidade", em que o ator Wagner Moura critica o processo de impeachment contra a presidente Dilma Rousseff, é uma aula de cinema. A exemplo dos melhores cineastas e roteiristas, Moura criou uma narrativa fantástica que serve totalmente ao gosto de seu público-alvo. Um sucesso garantido. O autor e roteirista Elmore Leonard recomendava a iniciantes: "Omita partes da história que seus leitores tendem a pular". Moura seguiu o conselho à risca e suprimiu vários fatos que poderiam atrapalhar o roteiro e desagradar ao público. O petrolão é um deles. A prisão de diversos políticos e empreiteiros ligados ao governo é outro. Todo "thriller" político precisa de um mocinho, um personagem puro e destemido, que enfrente o mal de peito aberto. E aqui Moura criou uma heroína clássica, Dilma Rousseff, injustamente acusada de pedaladas fiscais (e de mais nada, segundo o roteiro). Prova da inocência de Dilma, ainda segundo o diretor, é que "seu nome não consta da lista, agora sigilosa, da Odebrecht". Ufa! Mas essa história não teria graça sem um grande vilão, e Moura escolheu o seu: o juiz Sergio Moro, descrito como uma espécie de Darth Vader, um tirano que defende o lado negro da Força. O público de cinema adora odiar um bom bandido, e ninguém quer saber se ele possui qualidades redentoras, como participar de uma operação que prendeu dezenas de réus confessos, conseguiu 93 condenações criminais e recuperou quase R$ 3 bilhões surrupiados. Para que deixar fatos estragarem uma boa história, não é mesmo, diretor? É impossível, no entanto, discordar do roteiro de Moura quando diz que "um pedido de impeachment aceito por um político como Eduardo Cunha, que o fez não por dever de consciência, mas por puro revide político, é teatro do absurdo". Ele tem toda razão. Ainda bem que o diretor teve o bom senso de não lotar sua história de outras cenas surrealistas, como sítios e apartamentos de luxo habitados por fantasmas e uma presidente que convida um investigado pela Justiça para ocupar um cargo no alto escalão no governo. Afinal, isso aqui não é filme de Luis Buñuel, certo? O roteiro de Moura é um "thriller" político calcado no realismo, mas se permite voos criativos que o aproximam de outros gêneros. Quando o roteiro diz que "a luta contra a corrupção foi também o mote usado pelos que apoiaram o golpe em 1964", o diretor compara pessoas que não aceitam a corrupção atual com as que apoiaram a ditadura, o que tornaria o filme uma sátira absurdista nos moldes de "Diabo a Quatro" (1933), clássico do escracho em que Groucho Marx vira o presidente de Freedonia. A narrativa de Moura remete também ao cinema anticomunista e paranoico feito nos EUA nos anos 50. Depois de admitir que "o PT montou um projeto de poder amparado por um esquema de corrupção", define o impeachment não como um instrumento previsto na Constituição, mas como "uma tentativa [...] de derrubar na marra, via Judiciário politizado, um governo eleito por 54 milhões de votos. Um golpe clássico". Se o roteiro de Wagner Moura tem uma falha grave, é ignorar um personagem que poderia adicionar drama e tensão à história: Lula. O ex-presidente virou uma espécie de Norma Desmond, a atriz que Gloria Swanson interpretou em "Crepúsculo dos Deuses" (1950), de Billy Wilder: antes famoso e influente, hoje não diz coisa com coisa e vive da caridade dos amigos. ANDRÉ BARCINSKI, 48, é crítico da Folha e autor do livro "Pavões Misteriosos" (Três Estrelas)
2016-01-04
opiniao
Opinião
http://www1.folha.uol.com.br/opiniao/2016/04/1756216-coisa-de-cinema.shtml
Dialética do muro
Franz Kafka escreveu, em sua "Fábula Curta", uma pequena alegoria sobre os nossos medos e os esforços que realizamos –por vezes em vão– para superá-los. "'Ah', disse o rato, 'o mundo torna-se a cada dia mais estreito. A princípio era tão vasto que me dava medo, eu continuava correndo e me sentia feliz com o fato de que finalmente via à distância, à direita e à esquerda, as paredes, mas essas longas paredes convergem tão depressa uma para a outra, que já estou no último quarto e lá no canto fica a ratoeira para qual eu corro'. – 'Você só precisa mudar de direção', disse o gato, e devorou-o". Na bela tradução de Modesto Carone, optou-se pelo termo parede, que em outras versões aparece como muro. O resultado é porém semelhante. Paredes ou muros são edificações que limitam a circulação, e essa é a situação experimentada pelo rato. Se até então ele se sentia livre para correr, com os obstáculos seu mundo acabou estreito, emparedado. É também menos feliz, pois destituído da liberdade de escolha. Aqui temos uma "dialética negativa", na expressão do tradutor, pois não há saída para o rato: ou corre para a ratoeira, ou vai parar na boca do gato. Essa micronarrativa tem título e estrutura de fábula. Em primeiro lugar, porque esse é um tempo sem tempo, em que os animais falavam. Em segundo, pois há sempre uma moral. Por vezes, como nas histórias de Esopo, é o autor que acrescenta uma mensagem; por vezes, somos nós que achamos uma. E o convite de Kafka, penso eu, nos desafia a esse papel. "Quem conta um conto aumenta um ponto" e, neste caso, arrisco alguns. É possível pensar que na fábula de Kafka todos os esforços para superar o medo correspondem apenas a variações na forma de reagir a um mundo dominado pela falta de liberdade. Afinal, o enredo se passa no presente, mas a lembrança do rato resta no passado: "Me dava medo", diz ele. E enquanto a vastidão atemorizava o rato, sua felicidade residia na opção por virar à esquerda ou à direita. A decorrência é supor, pois, que foram as paredes que subtraíram o livre-arbítrio e, assim, a alegria. Falta entender, porém, quem erigiu muros? O próprio rato? Foi ele sua própria ratoeira? Ser comido é desfecho lacônico ou esperado? Perdoem-me os leitores pela interpretação rasteira e colada aos ânimos do presente. A verdade é que ando me sentindo emparedada. A falta de "felicidade" vem talvez desses muros que temos erguido, e esses muros vão ganhando outro nome: intolerância. E a intolerância mora no início do ódio. Muros são construções reais ou simbólicas, mas sempre sólidas. Por causa deles, muitas vezes viramos reféns de um dos lados, e nesse movimento vai embora (ora quem) a felicidade! Não por descuido, o documento da Independência dos EUA de 1776, incluiu um substantivo forte: felicidade. "São verdades incontestáveis para nós; todos os homens nascem iguais; o Criador lhes conferiu certos direitos inalienáveis, entre os quais os de vida, de liberdade, e de buscar a felicidade (...)". Para Thomas Jefferson, felicidade tinha dois lados: aquele público, quando nos encontramos uns nos outros para definir o bem comum; e o privado, ligado às escolhas pessoais. Já a declaração francesa de 1789 afirmou solenemente: "A lei é a expressão da vontade geral; todos os cidadãos têm o direito de concorrer, pessoalmente ou por seus representantes, à sua formação; ela deve ser a mesma para todos, seja protegendo, seja punindo (...)". E incluiu uma trinca barulhenta e esperançosa: "Igualdade, liberdade, fraternidade". Liberdade, igualdade, fraternidade e felicidade fazem parte do ideário e dos sonhos republicanos. Na vida social só se encontra felicidade com diálogo, de iguais e entre iguais. Já o isolamento é caminho certo para a construção de muros cada vez mais altos. Historiadora e antropóloga que sou, sempre tive medo de previsões. Não me julgo ingênua, quero que os corruptos e os corruptores sejam julgados, mas também que os direitos sejam para todos. O que espanta é ver como no Brasil de hoje sobra muro e falta capacidade crítica para circular entre os dois lados da parede, que são, aliás, muitos. Wim Wenders, em "Alice nas Cidades", declinou uma frase paradoxal: "Não há nada a temer senão o medo". Quem sabe seja possível inverter a sentença e supor que não há nada a temer, se mantivermos o direito à felicidade. Não somos ratos, muito menos ratoeira. LILIA SCHWARCZ, 58, historiadora e antropóloga, é autora de "As Barbas do Imperador" e coautora de "Brasil: Uma Biografia", com Heloisa Starling, ambos editados pela Companhia das Letras
2016-03-31
opiniao
Opinião
http://www1.folha.uol.com.br/opiniao/2016/03/1755849-dialetica-do-muro.shtml
Brasil, campeão de patentes tecnológicas
Em apenas cinco anos, o número de patentes registradas pelo Brasil cresceu três vezes mais do que em toda a sua história, que começou a ser registrada a partir de 1963. Um fato dessa ordem tem de ter uma causa a ser identificada. Os dados mais recentes do escritório americano de patentes (USPTO) mostram que fomos de 103 registros de patentes por ano, em 2009, para 334, em 2014. Isso representa um crescimento de 224%, superior ao da Índia, da China e da Coreia do Sul. Foi o maior salto entre os países com mais de 100 patentes registradas (não há nenhum outro latino-americano no grupo). A geração e a incorporação de inovações tecnológicas a produtos e processos de fabricação são essenciais à competitividade. Embora não haja uma relação quantitativa, sabe-se que uma economia que produz mais inovações é mais competitiva no mercado global. Essa produção pode ser relacionada às patentes que forem outorgadas a seus residentes pelo escritório americano. Naturalmente, trata-se de uma fração das inovações, pois nem todas são patenteáveis. A preferência pelos EUA é porque este é o maior mercado de patentes –elas só têm validade no país de outorga, não há patente mundial. Foi em 2006 que começou a ser aplicada no Brasil uma política pública de estímulo à inovação tecnológica por meio da Lei de Inovação, que criou mecanismos para estimular a pesquisa e a inovação, e a Lei do Bem, que lhes concede incentivo fiscal. Como uma inovação pode levar meses para ser gerada e incorporada, e uma patente leva pelo menos três anos para ser concedida pelo USPTO, a diferença de tempo entre 2006 e 2010 fica bem explicada. Esse é um claro sucesso de política pública e, por isso, deve ser de Estado, permanente, para alcançar a plenitude dos seus resultados: uma indústria competitiva em nível mundial, promovendo emprego e renda no país, como ocorre em diversos países do sudeste asiático. Cabe ressalvar, porém, que esse mecanismo só alcança grandes empresas. É preciso assegurar o acesso direto das pequenas e médias à subvenção econômica, praticamente paralisado desde 2011 e sendo utilizada de forma contrária ao espírito da Lei de Inovação, reduzindo taxas de juros em empréstimos, em vez de compartilhar o risco adicional que o desenvolvimento de inovações tecnológicas pode acarretar às pequenas e médias empresas. Apesar disso, a visão de curto prazo do governo levou-o a editar, em fins de 2015, uma medida provisória propondo a suspensão dos incentivos, um tiro no pé. A MP, porém, não foi lida em plenário no Senado e caiu por decurso do prazo. Mas o risco não morreu, pois podem reeditá-la para o ano que vem. Portanto a sociedade brasileira precisa se mobilizar para assegurar a plena aplicação dos estímulo das leis do Bem e de Inovação para a indústria começar a sair dessa profunda depressão e alcançar competitividade mundial. Sem incentivos, perde a inovação tecnológica, perdem as empresas e perde o país. Precisamos inovar para crescer! ROBERTO NICOLSKY, 77, físico, é assessor de relações institucionais da Fundação Centro Universitário Estadual da Zona Oeste e diretor-presidente da Protec -Sociedade Brasileira Pró-Inovação Tecnológica
2016-03-31
opiniao
Opinião
http://www1.folha.uol.com.br/opiniao/2016/03/1755821-brasil-campeao-de-patentes-tecnologicas.shtml
Descrédito
É bem estabelecido entre os economistas que uma recessão acompanhada de problemas de crédito tende a ser mais acentuada que o normal; sua recuperação também costuma ser mais lenta. Pois o país enfrenta justamente um colapso do crédito, público e privado, para empresas e famílias. Os dados mais recentes divulgados pelo Banco Central, relativos a fevereiro, compõem um quadro desolador. No total, a retração em relação ao mesmo mês de 2015 alcança 16% (descontada a inflação). Houve queda ainda maior (32%) nas modalidades direcionadas - que seguem destinações legais, como financiamento imobiliário com recursos oriundos da caderneta de poupança, empréstimos do BNDES e crédito rural. Para ficar em só um caso, apesar de o governo Dilma Rousseff (PT) alardear a manutenção das linhas populares, os empréstimos com taxas subsidiadas para aquisição da casa própria caíram 38%. Enquanto isso, os juros cobrados na praça disparam. As taxas médias nas modalidades livres para pessoas físicas e empresas atingiram 68,1% e 31,9% ao ano em fevereiro, respectivamente. A explicação sem dúvida vai além das restrições de oferta de dinheiro novo por parte dos bancos. Com queda da produção, cortes maciços de estoques e maior rigor no pagamento de fornecedores, a demanda por capital de giro se reduz de forma acentuada. Até agora as empresas lidaram com o agravamento da crise com ajustes de custos, negociações de prazos de pagamentos e recebimentos, rolagens de dívidas em condições menos favoráveis etc. Com o aprofundamento da recessão e a falta de expectativa quanto à sua superação, no entanto, essas medidas vão perdendo eficácia -e o risco de calotes em série se torna mais concreto. Os bancos médios já têm sido atingidos. Ainda há certa distância, contudo, de uma situação de risco sistêmico. Apesar de terem provisionado R$ 148 bilhões para possíveis perdas, os cinco grandes bancos (Banco do Brasil, Itaú, Bradesco, Caixa e Santander) em geral têm sobras de capital e até mostraram crescimento dos lucros em 2015. Eis algo surpreendente. Embora o sistema financeiro seja oligopolizado em todo o mundo, o Brasil intriga porque, aqui, os bancos, mantêm lucros estratosféricos até num ambiente econômico devastado. Tornou-se lugar-comum dizer que, dada a notável retração de emprego e renda, o país caiu num poço e que é difícil afirmar que já atingiu o fundo. Nada mais correto, porém, quando se enfrenta a recessão mais grave dos anos 1980 -e quando nenhum sinal sugere que a retomada começou. [email protected]
2016-03-31
opiniao
Opinião
http://www1.folha.uol.com.br/opiniao/2016/03/1755829-descredito.shtml
Diplomacia do vale-tudo
Causou espanto o desatino do diplomata Milton Rondó Filho, chefe da Coordenação-Geral de Cooperação Humanitária e Combate à Fome do Itamaraty, ao enviar instruções inidôneas e panfletárias à rede de embaixadas do Brasil no exterior. Sem qualquer consulta prévia às áreas competentes do Itamaraty, estreou em tarefa que exorbita em muito a competência de quem, como ele, se dedica, há anos, a tarefas de facilitação logística, pomposamente denominadas de "combate à fome". O episódio é sintomático de um problema mais grave. Ao agredir as instituições da República em discursos, a presidente Dilma Rousseff gera facciosismo e incita comportamentos descontrolados entre militantes do PT que ocupam cargos públicos. Em meio à crise, o PT não hesita em fazer uso da máquina pública para desinformar governos estrangeiros e organizações internacionais sobre a realidade brasileira. O PT fez da afronta à soberania nacional o eixo de sua política externa do vale-tudo. Por um lado, jamais reage contra agressões ao Brasil de aliados ideológicos; por outro, mobiliza assessores palacianos para provocar ingerência externa em assuntos brasileiros. Não são nada mais do que isso as vazias declarações arrancadas por esses assessores de estrangeiros que repetem as teses petistas sobre o impeachment e a Lava Jato. O Planalto não deu um pio quando a tríade de tiranetes Evo Morales, Rafael Correa e Nicolás Maduro fez declarações ofensivas ao povo brasileiro e às instituições de nossa República. A presidente tem todo o direito de se defender contra o impeachment, mas deve fazê-lo na forma da lei. Dilma encarna no exterior não só o Executivo, mas também o Legislativo e o Judiciário. Ela não pode aceitar passivamente que autoridades de potências estrangeiras se intrometam em assuntos internos. Não é admissível que chefes de governo estrangeiros desqualifiquem processos constitucionais sem que o governo reaja. Quando afirmou que as investigações da Lava Jato seriam um "novo Plano Condor", o presidente do Equador, Rafael Correa, ofendeu a memória dos que sofreram nos porões das ditaduras. Isso já seria motivo suficiente para um protesto oficial. Mas não é só. Ele também desqualificou (sob aplausos do PT) o Poder Judiciário, o Ministério Público e a Polícia Federal. Os danos causados pelo uso partidário da máquina pública não serão facilmente revertidos. É péssimo a presidente da República falar em risco institucional. Os investidores consideram o Brasil um país com justiça e instituições confiáveis. Dilma quer convencer diplomatas estrangeiros em Brasília do contrário. Constrangeu-os a servir de claque a um comício lulopetista no Planalto. Lá tiveram que ouvir impropérios da presidente contra o Judiciário e o Legislativo e foram instados a juntar-se a gritos de "não vai ter golpe". Assessores do PT telefonam freneticamente para o exterior fazendo-se passar pelo que não são: representantes do governo brasileiro. Essa prática de usurpação dos canais oficiais da diplomacia merece ser combatida com veemência, e o ministro das Relações Exteriores, Mauro Vieira, deve explicações à Comissão de Relações Exteriores do Senado. ALOYSIO NUNES FERREIRA, 70, é senador (PSDB-SP) e presidente da Comissão de Relações Exteriores e Defesa Nacional do Senado * PARTICIPAÇÃO Para colaborar, basta enviar e-mail para [email protected]. Os artigos publicados com assinatura não traduzem a opinião do jornal. Sua publicação obedece ao propósito de estimular o debate dos problemas brasileiros e mundiais e de refletir as diversas tendências do pensamento contemporâneo.
2016-03-30
opiniao
Opinião
http://www1.folha.uol.com.br/opiniao/2016/03/1755377-diplomacia-do-vale-tudo.shtml
Os donos da festa
Com a ausência do vice-presidente Michel Temer, a reunião nacional do PMDB, realizada nesta terça-feira (29) em Brasília, formalizou em clima festivo, e em poucos minutos, a ruptura do partido com o Palácio do Planalto. A decisão, inegavelmente insólita no histórico de fisiologia da legenda, representa sério baque para as esperanças governistas de barrar o processo de impeachment da presidente Dilma Rousseff (PT). Ainda que existam alguns pontos de dissenso dentro da agremiação –caso dos ministros Celso Pansera (Ciência e Tecnologia), Marcelo Castro (Saúde) e Kátia Abreu (Agricultura)–, eles parecem insuficientes para reequilibrar a balança no Congresso, cada vez mais favorável aos anseios oposicionistas. Se Temer haverá de ser o principal beneficiário de eventual afastamento de Dilma, ele não foi o único dono dessa, passe o trocadilho, reunião a jato promovida pelo PMDB. A festa também pertencia ao presidente da Câmara dos Deputados, Eduardo Cunha, que há vários meses manifesta diuturna hostilidade contra o Planalto. O paradoxo e a complexidade desta crise política se expressam nessa circunstância. O PMDB apenas cumpre, com a proverbial astúcia de seus membros, o roteiro imposto pela sobrevivência política. Embora a sigla se associe ao repúdio da expressiva maioria da população, é incontornável a constatação de que, a começar de Cunha, a rebeldia da legenda não a isenta das mais sérias desconfianças. Os peemedebistas que agora rompem a sociedade mantida durante toda a administração petista intentam uma proeza. Saem do governo como se dele não houvessem participado, fingindo trazer a solução para um problema que não ajudaram a criar. Nada mais falso. Ademais, enquanto o processo de impeachment corre com celeridade, é natural que a mesma população que quer o afastamento de Dilma se pergunte como o presidente da Câmara se mantém no cargo. Cunha tem sido o regente de toda a investida oposicionista. Não só articulou diretamente a nomeação do presidente e do relator da comissão especial do impeachment como também atenta para detalhes como a garantia de seu quorum. Paralelamente, noticia-se que Eduardo Cunha, valendo-se de seu notório conhecimento regimental e de sua influência sobre dezenas de deputados, pavimenta caminhos para escapar ileso do processo que enfrenta no Conselho de Ética. A cisão entre o mundo político e a opinião pública, concentrada no impeachment, também se manifesta no que tange a Cunha e ao PMDB. Dessa perspectiva, a cerimônia desta terça-feira em nada altera o quadro geral. [email protected]
2016-03-30
opiniao
Opinião
http://www1.folha.uol.com.br/opiniao/2016/03/1755411-os-donos-da-festa.shtml
Na conta do santo
As planilhas da construtora Odebrecht com os nomes de mais de 300 políticos monopolizaram a atenção, mas a nova caixa de Pandora aberta pela fase Acarajé da Operação Lava Jato guardava mais revelações. Um manuscrito, em especial, vem reforçar a ideia de que, na vida pública, não há candidatos fortes à canonização. Veio a público, entre outros, o item número 53 do auto de apreensão pela Polícia Federal. A anotação encontrada em poder de um executivo da Odebrecht, Benedicto Barbosa da Silva Jr. -o "BJ"-, traz indícios claros de cartel na licitação de uma obra rodoviária do governo paulista em 2002. À época, como hoje, Geraldo Alckmin (PSDB) estava à frente do Estado. A concorrência para duplicação da rodovia Mogi-Dutra foi vencida pela Queiroz Galvão. Se comprovado o conteúdo do papel de BJ, ela teria acertado fatiar a obra com pretensos concorrentes. A Odebrecht ficaria com R$ 11 milhões, 19% do valor do contrato. E teria de pagar R$ 687 mil dos R$ 3.436.500 do "custo c/ santo", nos termos do manuscrito. Não terá sido a primeira vez, se verificado o conluio, que empreiteiras combinam resultados de licitações. Tampouco será inédito que tenham contado com a conivência de autoridades e reservado contribuições inconfessáveis para seus bolsos ou campanhas eleitorais. A própria Odebrecht, em nota divulgada na data das buscas, admitiu que a Lava Jato "revela na verdade a existência de um sistema ilegal e ilegítimo de financiamento do sistema partidário-eleitoral". Seria uma grata surpresa se o PSDB, ou qualquer outro partido, pudesse ser absolvido de qualquer pecado na corrupção endêmica no país. A lógica e os indícios, no entanto, apontam noutra direção. Os tucanos estão no comando do Estado há mais de 20 anos, e não lhes faltaram escândalos. Os mais notórios envolveram cartéis das firmas Siemens, CAF e Alstom no ramo ferroviário. Novas denúncias foram aceitas pela Justiça estadual, e sete executivos se tornaram réus na segunda-feira (28) por fraudes ocorridas seis anos atrás. Revelado o manuscrito comprometedor, o governo Alckmin adotou ares de santimônia e, em nota, afirmou que "quem tem que explicar as anotações mencionadas pela reportagem é quem as fez". Se as investigações sobre o petrolão avançaram a passos largos, o mesmo não cabe dizer das apurações em São Paulo. Todos ganhariam se os órgãos do Estado, sem resvalar em excessos inquisitoriais, rezassem pelo credo rigoroso professado no âmbito da Lava Jato. [email protected]
2016-03-30
opiniao
Opinião
http://www1.folha.uol.com.br/opiniao/2016/03/1755413-na-conta-do-santo.shtml
De formigueiros e nações
Até há pouco tempo, acreditavam pesquisadores e leigos que formigueiros eram administrados por suas rainhas. Existem 140 mil espécies diferentes de formigas, todavia com uma particularidade comum, o movimento de zigue-zague com que forrageiam e voltam com suas presas para o ninho. Hoje sabe-se que as rainhas não são mais que fábricas de larvas. As informações necessárias para encontrar a direção do formigueiro ou da forragem são trocadas pelas formigas operárias, que se tocam com suas antenas capazes de distinguir "cheiros" distintos de quem vai para o campo e de quem vem para o formigueiro. Daí o caminho incerto e a baixa eficiência do caminhar da formiga, pois o espaço real percorrido por ela é muito maior, mais de cem vezes, que a distância entre a forragem e o ninho. Economistas brasileiros atribuem o recente melhor desempenho do sistema produtivo de China e Cingapura, por exemplo, em relação ao Brasil à pior educação que teria o trabalhador brasileiro. Diferença esta que tem certamente importância. Acredito, entretanto, que a diferença fundamental é o caráter estruturante que os governos autoritários da Ásia puderam emprestar a estruturas produtivas de seus países. Veja-se o caso dos momentos de governos fascistas da Alemanha de Hitler, da Itália de Mussolini, do Chile de Pinochet, com inegável desenvolvimento econômico. Outro possível motivo para desenvolvimento acelerado é a existência de um inimigo externo. Talvez por isso os EUA se mantenham sempre em guerra. A Alemanha do pós-guerra é um sucesso não apenas por possuir alguns grandes complexos industriais, mas antes pela notável coerência de atuação de suas pequenas e médias empresas familiares, coerência esta obtida principalmente por uma virtual parceria entre governo, proprietários e sindicatos. A baixa produtividade de formigueiros e nações está claramente associada à ausência de fatores estruturantes de seus sistemas produtivos. Talvez seja por isso que interessa tanto aos países industrializados impor o "laissez-faire" aos países emergentes, com o que esperam reduzir-lhes a competitividade. Pois bem, então quais as opções para o Brasil? Será que uma guerrinha com a Argentina ajudaria? E que tal chamarmos de novo os milicos? Em ambos os casos, seria arranjar sarna para se coçar. Desde Juscelino Kubitschek, o Brasil tem tentado criar grandes "blocos de capital", mas as escolhas têm sido malfeitas. Empreiteiras atuam com tecnologias que se caracterizam por tempos de obsolescência longuíssimos. Como consequência, valem-se de lobbys, para dizer o menos, ao competir e têm como único cliente, ou quase, o governo. O BNDES tem-se esforçado, mas sozinho, para reverter esse quadro. Sem o apoio de ministérios de Indústria e Planejamento competentes, o Brasil não estruturará jamais seu setor produtivo. Façamos como o Japão, criemos um Miti (Ministério da Indústria e Comércio Exterior). Um ministério que seja de verdade, impositivo, e não uma rainha de formigueiro. ROGÉRIO CEZAR DE CERQUEIRA LEITE, 84, físico, é professor emérito da Unicamp e membro do Conselho Nacional de Ciência e Tecnologia e do Conselho Editorial da Folha * PARTICIPAÇÃO Para colaborar, basta enviar e-mail para [email protected]. Os artigos publicados com assinatura não traduzem a opinião do jornal. Sua publicação obedece ao propósito de estimular o debate dos problemas brasileiros e mundiais e de refletir as diversas tendências do pensamento contemporâneo.
2016-03-29
opiniao
Opinião
http://www1.folha.uol.com.br/opiniao/2016/03/1754110-de-formigueiros-e-nacoes.shtml
Mãos polidas ou polutas?
Agora tudo ficou claro. Sergio Moro, o juiz-mor da Lava Jato, queria só fazer jus ao título de grande agitador das massas. Subversivo, para ninguém duvidar: o novo campeão da "agitprop". Na Operação Lava Jato, a perícia é instalar uma máquina inquisitória interminável, a serviço dos mesmos poderes que já comemoram a próxima derrubada do governo e a destruição de seu oponente mais difícil. Aqui não se ouve, prende-se. Aqui não se solta, extrai-se delação. Aqui não se ajuíza, panfleta-se. Que o timing concatenado de seu vazamento fabricará a "verdade" do dia. Eduardo Cunha, presidente da Câmara, inventou as pautas-bombas para livrar a própria cara e permanecer onde está. O juiz-mor faz da agitação processual sua bomba de efeito moral, mesmo que às custas do atropelamento de qualquer legalidade. Contra os agentes do poder estatal que se protegem na sombra, a sombra de um grampo transparente em sua obscuridade. Quando representantes oficiais da Justiça assumem a ideologia da transparência total, que qualquer aluno de primeiro ano de linguística sabe ser falsa, é certo que haverá tantos outros interesses escusos, tantos outros partidarismos em trama. Dos mitos redivivos da "Mani Pulite" (mãos polidas, limpas) e de Watergate, mal se disfarça a obsessão em fazer do inquérito um desfile de fases intermináveis em sua nomeação/enumeração, que parecem ser pilar de uma instância autônoma do poder policial-judiciário condenada a se propagar sem meta final, requisito de qualquer investigação de interesse público. A Lava Jato é o "Processo" de Kafka feito para se eternizar, meta que agentes de uma Justiça e uma polícia autorreferentes cobiçam como sonho autocrático. E que é afinal populista, porque ancorada na publicidade extremada, na sensação dos segredos palacianos expostos, na humilhação do ex-presidente Lula, que deve voltar às origens de onde nunca deveria ter saído, para a sanha dos que não o vencem nas urnas. E Brasília? O país deve assistir agora ao inusitado processo dirigido por um Congresso de réus, encabeçado por duas figuras de forte matiz delinquencial –os presidentes da Câmara e do Senado. Isso não importa? Para a bazófia oportunista do grão-tucanato, certamente não. Mais vale um poder central na mão, nesse atalho cômodo, no cálculo das poucas dezenas de deputados venais que faltam para o butim, do que ter que correr atrás, daqui a dois anos, de mais de 50 milhões de votos. Aécio Neves, o inconformado, o neto que faria Tancredo, o legalista, corar, trocou o programa eleitoral que nunca teve pela sala de espera do impeachment. Já o vice-presidente, Michel Temer, agora incensado pelos sonhos igualmente golpistas de José Serra, parece não ter o que temer. A Fiesp o resguarda; Cunha, réu unânime no STF (Supremo Tribunal Federal), idem. Orquestrados, todos. E a Justiça populista subversiva vai iludindo as massas ignaras com o mito do justiceiro contra o dragão da corrupção: um caçador de marajás de capa preta. Já vimos esse filme antes. Michel Temer poderá assim vestir a faixa que lhe cabe, não a de chacal, por favor, mas a de pacificador popularíssimo como um bolero bolorento. Se a política degenera, pré-condição da emergência do fascismo de cada dia, de cada rua, isso já não é com os técnicos da toga ou da pura propaganda. E as "Mani Pulite", nessa lenda urbana do juiz-mor e de sua operação sem fim, vão se mostrando, irremediavelmente, mãos polutas, calcadas naquilo que nenhum conceito de justiça contempla: manipulação. O resto se chama tragédia brasileira. Quem responde por ela assim, convertida numa Grécia impensada, sem ruína e sem misericórdia? FRANCISCO FOOT HARDMAN, 64, doutor em filosofia pela USP e professor do Instituto de Estudos da Linguagem da Unicamp, é atualmente responsável pela cátedra em história da cultura brasileira na Universidade de Bolonha (Itália) * PARTICIPAÇÃO Para colaborar, basta enviar e-mail para [email protected]. Os artigos publicados com assinatura não traduzem a opinião do jornal. Sua publicação obedece ao propósito de estimular o debate dos problemas brasileiros e mundiais e de refletir as diversas tendências do pensamento contemporâneo.
2016-03-29
opiniao
Opinião
http://www1.folha.uol.com.br/opiniao/2016/03/1754104-maos-polidas-ou-polutas.shtml
Exemplo argentino
Que diferença. Em abril de 2009, ainda no começo de seu mandato presidencial, Barack Obama deu motivos para o governo brasileiro comemorar. Ao cumprimentar Luiz Inácio Lula da Silva no encontro de líderes do G20, em Londres, disse: "Eu adoro esse cara! É o político mais popular da Terra". O então presidente do Brasil de fato surfava boas ondas. Aproveitando a alta do preço das commodities, Lula promoveu no país notável processo de inclusão social e, apesar da crise financeira mundial, obteve taxa média de crescimento do PIB de 4,5%, de 2007 a 2010. A Argentina, em contrapartida, amargava os primeiros anos de Cristina Kirchner na Casa Rosada. Ao isolamento internacional, decorrente do calote de 2001, somavam-se sinais domésticos nada alvissareiros: havia indícios de manipulação das taxas de inflação, o governo entrava em confronto com ruralistas e se afastava da classe média. Passados sete anos, os vizinhos trocaram de papel. Sob a direção de Dilma Rousseff (PT), o Brasil afunda em uma das piores recessões de sua história, enquanto Lula, às voltas com inúmeras suspeitas de corrupção e acossado pelo Ministério Público Federal, converteu-se num dos políticos mais rejeitados do país. Se o Brasil andou para trás, a Argentina avançou. O presidente Mauricio Macri, eleito em 2015, não perdeu tempo. Tratou, logo nos primeiros meses de governo, de fechar acordo com os mais importantes credores internacionais, retirando o país do isolamento. Além disso, no intuito de superar os muitos desequilíbrios produzidos por sua antecessora, iniciou verdadeira terapia de choque para se livrar do acentuado intervencionismo. Entre suas iniciativas estão a redução do protecionismo e o fim do controle cambial. As medidas chamaram a atenção de Obama, o primeiro presidente dos EUA a ir à Argentina desde 1997. Ao visitar Buenos Aires na semana passada, o americano não conteve os elogios. "Estamos impressionados com o que Macri fez em tão pouco tempo", afirmou. Obama, que deixará a Casa Branca em janeiro de 2017, acrescentou: "Estou triste porque terei apenas nove meses para trabalhar com ele". O presidente americano não chegou ao ponto de dizer que Macri é "o cara", mas indicou que o argentino deve ser um exemplo aos demais líderes da região. Mauricio Macri, naturalmente, tem seus méritos. Mas, se o Brasil perde protagonismo, isso se deve menos ao progresso de outros países da vizinhança do que ao tremendo fracasso do atual governo. [email protected]
2016-03-28
opiniao
Opinião
http://www1.folha.uol.com.br/opiniao/2016/03/1754586-exemplo-argentino.shtml
Dizer o óbvio
Em entrevista publicada na quinta-feira (24) por esta Folha, o advogado Carlos Ayres Britto, ex-ministro do Supremo Tribunal Federal, tratou de dizer o óbvio: como o processo de impeachment está previsto na Constituição, não pode ser considerado um golpe. Um dia antes, Cármen Lúcia e Dias Toffoli, atuais integrantes da corte, haviam afirmado o mesmo. Em tese, deveria ser desnecessário recorrer a expoentes do mundo jurídico para obter resposta tão evidente quanto essa. Dada a escalada da crise política no país e da polarização exagerada que a acompanha, porém, mesmo as coisas mais óbvias precisam ser ditas. Tome-se o caso da presidente Dilma Rousseff. Assumindo o discurso capaz de engajar sua militância, a petista disse, na terça (22), que "está em curso um golpe contra a democracia". Dois dias depois, em entrevista a veículos estrangeiros, repetiu a ladainha. "Não estou comparando com os golpes militares do passado, mas isso [impeachment] seria uma ruptura da ordem democrática", afirmou a presidente, segundo o jornal britânico "The Guardian". É embaraçoso que a presidente do Brasil se permita, por puro apego ao cargo, arranhar a imagem do país no exterior. Ela sabe, ou deveria saber, que seu eventual afastamento pelo Congresso representará somente o fim de um ciclo de poder, e não uma fratura da Constituição. A frenética tática defensiva do governo está aí –e por isso convém reduzir ao mínimo os pretextos que possam ser utilizados pela militância na guerra retórica. As balizas do ordenamento jurídico devem ser observadas em qualquer circunstância, como lembraram Ayres Britto e Cármen Lúcia, mas a atual conjuntura impõe uma dose extra de zelo. Isso significa, obviamente, seguir à risca o roteiro descrito em lei. Significa fundar as decisões em bases sólidas. Significa também que os magistrados devem restringir aos autos seus comentários, sem antecipar juízos. Não se pode deixar de criticar, nesse contexto, a viagem do ministro Gilmar Mendes a Portugal, para um seminário no qual estarão reunidos líderes da oposição. O fato de ser um evento acadêmico programado há muito tempo não diminui sua inconveniência. Se o Executivo e o Legislativo gozam de pouco prestígio, se a presidente e lideranças do Congresso contribuem para acirrar os ânimos, cabe ao Judiciário dar o exemplo. Um processo de impeachment já é suficientemente traumático; o país não precisa sair da crise com suas instituições desacreditadas. [email protected]
2016-03-27
opiniao
Opinião
http://www1.folha.uol.com.br/opiniao/2016/03/1754336-dizer-o-obvio.shtml
Cai a última bandeira
Dado o descalabro econômico, era questão de tempo: no ano passado, pela primeira vez desde 1992, observou-se ao mesmo tempo uma queda na renda e um aumento de sua desigualdade entre os brasileiros. Além disso, encerra-se um período de 13 anos ininterruptos de melhoria na equidade social. Se o PT, desde o escândalo do mensalão, já não podia mais se arvorar em defensor da ética na política, agora precisará começar a arriar a última bandeira que lhe restava. Não é mistério que o papel preponderante para a redução da desigualdade na última década foi a forte criação de empregos, favorecida pela incomum conjunção de fatores positivos, tanto domésticos quanto internacionais. A equidade melhorou na medida em que os salários na base da pirâmide social cresceram mais que os outros. De 2003 a 2014, a renda dos 10% mais pobres aumentou 130% acima da inflação, contra apenas 30% na camada superior. Outros fatores foram importantes. O alargamento da cobertura da Previdência, o contínuo crescimento do salário mínimo e os programas de transferência de renda, como o Bolsa Família, ajudaram a espalhar renda em regiões de menor dinamismo econômico e reduziram a pobreza extrema. Desde 2015, todos esses vetores ficaram nulos ou mudaram de sentido –e justamente no mercado de trabalho, o mais relevante de todos, aparece inédita deterioração. Fecharam-se, nesse período, 1,8 milhão de vagas formais. A taxa de desocupação, medida pela Pnad contínua, atingiu 9,5% no trimestre encerrado em janeiro deste ano. Já são 9,6 milhões de desempregados. Ao contrário do que a militância petista gosta de tentar fazer crer, o governo só pode culpar a si mesmo. O diagnóstico é claro: de força motriz para a melhoria das condições sociais, a gestão da política econômica perdeu o rumo e se transformou em obstáculo. Acumularam-se desequilíbrios a partir de 2008, inicialmente pela insistência em expandir os gastos e o crédito público, depois pela recusa em mudar de direção enquanto havia tempo para isso. Resultaram daí o colapso das finanças públicas e a pior recessão das últimas décadas, uma tragédia que supera as piores previsões e os maiores alertas –que não faltaram. Não há como cuidar da igualdade de oportunidades, do acesso a bens públicos para todos e da redução da desigualdade com as finanças do Estado em frangalhos. Não haverá avanços sustentáveis em equidade social sem uma economia sadia e sem crescimento. Não haverá expansão do PIB sem políticas responsáveis, que cuidem do equilíbrio nas contas públicas e reduzam a inflação. Que ao menos a situação atual sirva para atestar que o populismo econômico prejudica sobretudo os mais pobres. [email protected]
2016-03-26
opiniao
Opinião
http://www1.folha.uol.com.br/opiniao/2016/03/1754224-cai-a-ultima-bandeira.shtml
Golpe contra trabalhadores
A base social da CUT protestará e sairá às ruas sempre que houver ameaças à democracia, ao Estado de Direito, às liberdades civis e aos direitos da classe trabalhadora. Defenderemos a todo momento as conquistas dos governos de Dilma Rousseff e do ex-presidente Lula. O processo de impeachment que tramita na Câmara dos Deputados não é um golpe contra Dilma, mas sim contra toda a classe trabalhadora brasileira. A história já nos ensinou -os trabalhadores são os mais prejudicados sempre que um governo de base popular é derrubado por forças conservadoras. O principal exemplo ocorreu em 1964, quando as forças de direita apoiaram o golpe e os militares assumiram o comando do país. Vivemos nos anos seguintes um período de arrocho salarial, com piora na distribuição de renda e perda de direitos, como o fim do regime de estabilidade no emprego. Os conservadores que agora tentam derrubar a presidente Dilma são os mesmos que apresentam projetos de lei para retirar direitos dos trabalhadores, como o PL 4330, da terceirização, o PLS 555, que abre o capital das estatais e limita a participação dos trabalhadores nos conselhos de administração, e o PLS 432, que flexibiliza o conceito de trabalho escravo. Como podemos ver, pouco mudou, o alvo de um golpe nunca deixa de ser o trabalhador. Há sim, no entanto, uma diferença significativa. Hoje os golpes tentam se apropriar de um discurso democrático, apenas para camuflar seus mesquinhos interesses próprios. Foi o que ocorreu em Honduras e no Paraguai. Por aqui, os grupos que perderam as eleições presidenciais de 2014 querem de toda forma ocupar a cadeira que não conquistaram legitimamente nas urnas. Tentam ainda inviabilizar a candidatura de Lula em 2018, criando um ambiente de crise política que agrava a crise econômica e paralisa o país. A estratégia é a mesma de 1964, o falso combate à corrupção. Sem compreender o momento histórico que o país vive, muitas pessoas acreditam que o fim do PT, a prisão de Lula e o impeachment de Dilma irão resolver, como num passe de mágica, todos os problemas econômicos e políticos enfrentados pelo Brasil. Quem for além desse raciocínio precário perceberá que vivemos um momento único de combate à impunidade e correção de rumos das instituições públicas e privadas. A investigação de todas as denúncias indica que estamos construindo um país melhor, mais ético. As perseguições contra Dilma e Lula têm caráter político. Não há base jurídica para cassar o mandato da presidente. Não há nada de concreto que justifique a prisão de Lula. O que a oposição, com forte apoio de parte da mídia, tenta fazer é dar a um golpe de Estado a aparência de operação judicial. Nossa resposta é uma só, fortalecer a democracia. Esse é o único campo fértil para garantirmos a manutenção e a ampliação dos direitos da classe trabalhadora, da justiça social e da distribuição de renda. Essa é a agenda da CUT para o Brasil. E foi justamente essa agenda que a CUT e dezenas de entidades dos trabalhadores e empresários entregaram para a presidente em dezembro do ano passado. Fizemos propostas de ações para a geração de emprego e o aquecimento da produção, garantindo, assim, o avanço do sistema econômico produtivo e das relações de trabalho. Sempre que necessário, estaremos nas ruas de todo o Brasil para defender a democracia e denunciar o golpe. Atos de resistência são fundamentais na luta contra os conservadores e a retirada de direitos. Acreditamos que os brasileiros, ricos e pobres, brancos e negros, podem e devem construir um país mais desenvolvido, mais solidário, mais justo e mais democrático, sem ódio nem intolerância. Por isso, reforço o convite para todos nos acompanharem nos próximos atos pela democracia. VAGNER FREITAS é presidente nacional da CUT - Central Única dos Trabalhadores * PARTICIPAÇÃO Para colaborar, basta enviar e-mail para [email protected]. Os artigos publicados com assinatura não traduzem a opinião do jornal. Sua publicação obedece ao propósito de estimular o debate dos problemas brasileiros e mundiais e de refletir as diversas tendências do pensamento contemporâneo.
2016-03-25
opiniao
Opinião
http://www1.folha.uol.com.br/opiniao/2016/03/1753706-golpe-contra-trabalhadores.shtml
Brasil não tem tempo a perder
O processo de impeachment da presidente Dilma pode dar fim à agonia política ou aprofundar a falta de consenso e governabilidade no país. O fato é que a rápida deterioração da economia compromete qualquer expectativa de recuperação em curto prazo. Não podemos nos dar ao luxo de colocar em risco os fundamentos macroeconômicos e as conquistas sociais alcançadas nos últimos 20 anos que alicerçaram o desenvolvimento do Brasil. Esse impasse pode nos afundar no atoleiro de uma nova década perdida ou nos lançar ao desafio de realizar reformas e ajustes essenciais. O clima de beligerância e a carência de líderes capazes de formular uma saída institucional para a crise agravam a percepção de que estamos caminhando para um cenário de consequências imprevisíveis nos próximos anos. A inabilidade política do governo e a falta de clareza da oposição impedem o estabelecimento de uma agenda mínima de governabilidade. Enquanto isso, as altas taxas de juros, inflação e desemprego, aliadas à recessão, corroem a vida de milhares de brasileiros, vítimas de um processo inoperante. Existe um consenso de que o governo Dilma perdeu a legitimidade para exercer o poder. Acabou, é o fim da linha. Mesmo que ainda lhe caiba a prerrogativa constitucional, embora as delações premiadas da Operação Lava Jato evidenciem o contrário, não há mais condições políticas (e morais) para encaminhar um desfecho razoável para a crise. A tormenta econômica e a espiral radioativa da Lava Jato dissipam qualquer tentativa para tal esforço. O que resta é aglutinar novas forças políticas e sociais para recompor o tabuleiro e restabelecer a confiança da população e do mercado. O mais preocupante é que todas as medidas tomadas pelo governo para reverter o quadro econômico fracassaram. Sabemos que qualquer intento se revelará inútil. Não há clima, tampouco vontade política. A presidente está isolada, encastelada no caos administrativo de um governo que definha a cada dia, até morrer. O mercado decretou a falência do corpo político petista. A escalada do desemprego afeta quase 10 milhões de pessoas. Segundo a Organização Internacional do Trabalho (OIT), o Brasil pode ter um em cada cinco novos desempregados do mundo em 2017. O quadro é crítico, sem horizonte em curto prazo. O trabalho é o elo que garante a mobilidade e dignidade da sociedade. É o modo pelo qual as pessoas transformam o país e a si mesmas. Afinal, o bem-estar social é construído sobre o alicerce do labor. Os agentes políticos devem apaziguar a disputa pelo poder às custas do trabalhador brasileiro, solapado de seus direitos. À presidente Dilma, cabe apenas reconhecer que não dá mais para continuar. O custo da inação política é muito alto. O país não pode esperar mais, sob pena de perdermos todos os avanços conquistados nas últimas duas décadas. O Brasil precisa de governantes que tenham a nobreza de reconhecer que a obstinação pelo poder não pode se sobrepor aos interesses da nação. DANILO PEREIRA DA SILVA é presidente da Força Sindical de São Paulo * PARTICIPAÇÃO Para colaborar, basta enviar e-mail para [email protected]. Os artigos publicados com assinatura não traduzem a opinião do jornal. Sua publicação obedece ao propósito de estimular o debate dos problemas brasileiros e mundiais e de refletir as diversas tendências do pensamento contemporâneo.
2016-03-25
opiniao
Opinião
http://www1.folha.uol.com.br/opiniao/2016/03/1753708-brasil-nao-tem-tempo-a-perder.shtml
E agora, São Paulo?
Desde o início da elaboração do Plano Diretor Estratégico de São Paulo e de seu zoneamento, sancionado nesta quarta (23) pelo prefeito Fernando Haddad (PT), alguns urbanistas que há décadas trabalham sobre o tema têm protestado contra duas diretrizes adotadas sem justificativa. Primeiro, a de liberalizar o setor imobiliário para produzir edifícios muito maiores que os permitidos até agora, sem condicioná-los à capacidade de suporte das zonas nem a diretrizes democraticamente definidas para os bairros atingidos. Segundo, a de limitar o zoneamento à imposição de parâmetros técnicos dos edifícios implantados em qualquer ponto de grandes zonas heterogêneas, sem definir normas que orientassem o desenvolvimento harmônico de cada bairro ou zona específica. Embora tivéssemos apresentado nossas discordâncias e propostas no Conselho Municipal de Política Urbana e em nosso blog (www.discutindo a cidade.com.br), a condução dos trabalhos impôs restrições inaceitáveis à participação da sociedade civil na orientação dos trabalhos e nas audiências públicas. É mais que sabido que, em toda a experiência internacional de planejamento urbano, o interesse coletivo de superar os problemas estruturais da cidade. Isso exige a definição precisa, em cada zona, dos usos do solo que podem ou não ser implantados em cada terreno em função das limitações e potencialidades dos bairros e as características quantitativas e volumétricas de cada novo edifício. Isso tendo sempre em vista evitar que os bairros evoluam apenas ao sabor de iniciativas aleatórias do mercado imobiliário, voltado para a maximização do lucro, insensível aos prejuízos causados ao conjunto da população e aos usuários portadores de necessidades e direitos. Para tanto interessa absolutamente um planejamento objetivo, lúcido e preciso do uso do solo, calcado em diagnóstico das peculiaridades e possibilidades de cada zona possíveis de serem aproveitadas no contexto de cada via, quadra ou conjunto urbano passível de reurbanização. É nessa escala local que terão de se definir as normas locais que defenderão os cidadãos da ação irresponsável do mercado. Em consequência destas e de outras lacunas e imprecisões, pode-se afirmar que o zoneamento apresentado, em vez de harmonizar as relações entre os vários agentes privados ou públicos influentes no uso do solo, toma partido de preservar sobretudo os interesses comerciais do setor imobiliário, permitindo-lhe continuar a atuar de forma dominante sobre os interesses coletivos. Nessa perspectiva, o zoneamento proposto não pode ser considerado coerente com os princípios e instrumentos definidos no Estatuto da Cidade que regulamentou a política de desenvolvimento urbano instituída pela Constituição de 1988. Ao contrário, agrava os problemas críticos, favorece o domínio do poder econômico sobre os direitos civis e desprotege o interesse coletivo presente nas diferentes regiões, bairros e zonas da cidade. Além disso, pode-se afirmar que nenhuma das grandes questões que vitimizam a cidade em crise foram consistentemente equacionadas e resolvidas: nem a dos transportes e mobilidade que paralisa a cidade, nem a do saneamento básico e das inundações que vitimizam a cada ano milhões de cidadãos, nem a das carências crônicas de serviços públicos, vigorosamente reclamados por toda a população no campo da educação, saúde pública e lazer, entre outros aspectos. Tampouco o zoneamento implanta um sistema de produção imobiliária que permita ao poder público captar recursos e terras suficientes para produzir infraestrutura e equipamentos urbanos necessários para atender a urbanização compacta proposta. Definitivamente, não é esse o planejamento urbano que a sociedade esperava para implementar os princípios e instrumentos definidos no Estatuto da Cidade, no qual o caráter democrático teria de ser garantido por uma participação popular continuada que efetivamente não ocorreu. Desta forma, a comunidade paulistana continua a esperar por um planejamento demonstradamente eficaz, viável e socialmente justo que venha a ser elaborado, seja imediatamente, na hipótese de impugnação do plano por via judicial, seja na hipótese de, em uma nova administração municipal, o Plano Diretor Estratégico e a lei de zoneamento serem reelaborados com tempo suficiente e critérios científicos e democráticos que faltaram às propostas ora formuladas. LUIZ CARLOS COSTA, 80, é professor de planejamento urbano aposentado da FAU-USP- Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da USP. Foi coordenador do projeto Plano Diretor de São Paulo em várias administrações * PARTICIPAÇÃO Para colaborar, basta enviar e-mail para [email protected]. Os artigos publicados com assinatura não traduzem a opinião do jornal. Sua publicação obedece ao propósito de estimular o debate dos problemas brasileiros e mundiais e de refletir as diversas tendências do pensamento contemporâneo.
2016-03-24
opiniao
Opinião
http://www1.folha.uol.com.br/opiniao/2016/03/1753510-e-agora-sao-paulo.shtml
Petrobras a longo prazo
Pode parecer paradoxal que a divulgação do prejuízo recorde registrado pela Petrobras em 2015 não tenha provocado um colapso no preço das ações da estatal. O rombo alcançou inacreditáveis R$ 34,8 bilhões, cerca de 60% a mais do que o verificado em 2014, o recorde anterior. Apesar de serem agora dois anos consecutivos de perdas bilionárias, o mercado preferiu observar os incipientes sinais de reforma na companhia. Não que tenham se dissipado as inúmeras razões para pessimismo. A perda de valor dos ativos e dos investimentos da empresa montou a R$ 49,8 bilhões, a maior redução entre as grandes petrolíferas em todo o mundo. Queda do preço do petróleo, aumento no risco de crédito (a exemplo do Brasil, a Petrobras perdeu o selo de boa pagadora) e reavaliação de perspectivas dos negócios formam uma tóxica combinação, para a qual ainda contribuem fatores de menor relevo, como provisões para processos judiciais e paradas imprevistas nas operações. Constata-se, mesmo assim, um passo importante. Pela primeira vez em muito tempo, a estatal acumulou dinheiro em caixa (R$ 15,6 bilhões), graças a cortes nos investimentos desvairados dos últimos anos e a um aumento de 25% no resultado operacional. Ademais, a companhia renegociou condições de pagamento de suas dívidas, obtendo fôlego para enfrentar o longo e difícil processo de arrumação da casa depois dos descalabros da última década. O conserto está apenas no começo. Não houve, por exemplo, redução palpável nas despesas administrativas e de pessoal, uma área na qual a Petrobras precisa mostrar muito mais determinação. São conhecidos os cabides de empregos e os excessos nos benefícios para funcionários e corpo diretivo. O principal problema, de todo modo, continua sendo o tamanho da dívida, que chega a R$ 392 bilhões (descontado o caixa), montante equivalente a 5,3 vezes a geração de lucro anual. A estatal não gera lucro suficiente para bancar as amortizações e, ao mesmo tempo, cumprir as gigantescas necessidades de aportes do pré-sal. Não por acaso os cortes nos planos de investimento se sucedem –e estão longe de terminar. É preciso, ao mesmo tempo, vencer resistências e acelerar vendas de ativos para reduzir a dívida. A Petrobras pretende arrecadar US$ 14,4 bilhões com vendas de participações e negócios, entre eles a BR Distribuidora, mas os progressos nessa frente tem sido tímidos. Há muito por fazer, portanto. O mais importante é não perder de vista a necessidade de reformar as estruturas da empresa a fim de garantir que nunca mais se repitam a pilhagem e a incompetência verificadas na gestão petista. [email protected]
2016-03-24
opiniao
Opinião
http://www1.folha.uol.com.br/opiniao/2016/03/1753562-petrobras-a-longo-prazo.shtml
Obama em Cuba
A viagem do presidente Barack Obama a Cuba daqueles raros eventos nos quais o epíteto "histórico" não soa como exagero. Até o último domingo (20), quando começou a visita oficial de três dias, haviam se passado 88 anos desde que o último mandatário dos EUA aportara na ilha, distante apenas 150 quilômetros da costa norte-americana. À proximidade geográfica, como se sabe, opunha-se, desde o começo dos anos 1960, uma hostilidade ideológica mútua. Com a vitória de um dos lados na Guerra Fria, Cuba tornou-se uma espécie de museu; com a derrocada da Venezuela, que substituiu a União Soviética no financiamento do regime comunista, Havana precisou rever suas antigas posições. Em dezembro de 2014, foi anunciada a retomada das relações diplomáticas com os EUA. Reabriram-se as embaixadas, retirou-se Cuba da lista de Estados patrocinadores do terrorismo, restabeleceram-se voos comerciais e iniciaram-se operações de empresas norte-americanas na ilha. A visita de Obama representa o ápice simbólico dessa reaproximação. Mais: por meio da viagem, o presidente dos EUA busca consolidar o relacionamento entre os dois países de maneira a tornar impraticável para seu sucessor reverter o processo de distensão e abandonar as tratativas com Havana. É provável que o consiga, e não apenas pela dificuldade de desatar os laços econômicos e institucionais que estão sendo firmados. As conquistas dos últimos 15 meses demonstraram à exaustão os equívocos da estratégia de confrontação mantida durante décadas pelos Estados Unidos. Foi o clima de normalização política entre ambos os países que permitiu os avanços nos campos da liberdade de expressão e de imprensa vistos em Cuba durante a visita do presidente americano. Na tarde de segunda-feira, ao lado de Obama, o ditador cubano, Raúl Castro, aceitou ser questionado por jornalistas em uma entrevista transmitida ao vivo pela TV da ilha –algo sem precedentes nas mais de cinco décadas do regime. Ainda há muito a ser feito. Afigura-se crucial, por exemplo, o fim do embargo econômico imposto a Cuba, questão que só pode ser decidida pelo Congresso dos EUA, hoje dominado pelos republicanos. O melhor caminho para eliminar os traços ditatoriais do regime cubano será não o isolamento da ilha, mas a sua reinserção na economia de mercado e, com a crescente popularização da internet por lá, a sua abertura para o mundo. [email protected]
2016-03-24
opiniao
Opinião
http://www1.folha.uol.com.br/opiniao/2016/03/1753563-obama-em-cuba.shtml
Tributação perversa
O relatório "Doing Business", organizado pelo Grupo Banco Mundial, é um dos medidores mais importantes do mercado global. Divulgado anualmente, analisa especialmente a capacidade regulatória oferecida por determinado Estado para incentivar e facilitar a produção de novos negócios. Não é de se espantar que o Brasil ocupe atualmente a posição 116º entre 189 nações. Pior é observar o critério que mais pesa na balança para tamanho "downgrade". Quando falamos de "pagamento de tributos", ocupamos a 178ª posição. Não é só o quanto se paga que pesa na colocação, mas também o tempo despendido e o "custo administrativo" enfrentado pelas empresas -leia-se burocracia. Para aqueles que operam o direito tributário diariamente, não há dúvida nenhuma de que esse é o aspecto mais desgastante na relação entre contribuinte e Estado. Numa nuvem de procedimentos administrativos complexos e sem a correspondente coordenação operacional, as empresas e os cidadãos saem sempre prejudicados. Talvez o traço mais característico dessa sombria relação se materialize nos procedimentos para renovação da Certidão Negativa de Débitos (CND). Sem ela, as empresas ficam impedidas de praticar diversos atos imprescindíveis à dinâmica dos negócios. A renovação semestral da CND é uma (exaustiva) luta já conhecida pelos setores de tax, principalmente quando há débitos parcelados com a própria Receita. O Programa de Redução de Litígios Tributários (Prorelit) é o exemplo mais recente dessa constante. Instituído definitivamente pela lei 13.202/2015, facultava aos contribuintes com débitos em discussão que estes fossem quitados mediante utilização do prejuízo fiscal. Se a intenção era reduzir o contencioso, o efeito foi o inverso. Intensas disputas foram travadas com a Receita quando da renovação da CND, majoritariamente porque, sem mecanismos operacionais, o Fisco não detinha o controle de quais débitos haviam sido negociados no âmbito do Prorelit. As pendências, assim, continuaram constando no relatório de restrições das empresas, não obstante a regularização. Desproporcional ônus foi imputado aos contribuintes, impedidos de comprovar a inexigibilidade das restrições ante a ausência de alocação dos pagamentos aos seus respectivos débitos. Resultado: novas demandas judiciais foram ajuizadas para simplesmente obrigar a Receita a emitir a CND. Na nebulosidade, uma certeza: a burocracia só privilegia o Fisco. Reféns dos procedimentos, empresas preferem desistir das discussões judiciais para se concentrar na operacionalização das atividades diárias. Sacrificam-se pela sobrevivência. Esse sacrifício não é só comercial. É de toda a sociedade. Um sistema tributário perverso afronta o Estado democrático de Direito, que se legitima na transparência das relações entre subordinados e príncipe (accountability). Enquanto essa luta não for comprada pela sociedade civil, conformemo-nos com o lugar que ocupamos no "Doing Business": somos top 10, ainda que às avessas. FÁBIO BERBEL e p(tagline). LUCAS REZENDE, advogados, são membros do escritório Bichara Advogados * PARTICIPAÇÃO Para colaborar, basta enviar e-mail para [email protected]. Os artigos publicados com assinatura não traduzem a opinião do jornal. Sua publicação obedece ao propósito de estimular o debate dos problemas brasileiros e mundiais e de refletir as diversas tendências do pensamento contemporâneo.
2016-03-24
opiniao
Opinião
http://www1.folha.uol.com.br/opiniao/2016/03/1753493-tributacao-perversa.shtml
Idealização e ilusão
O brasileiro está perplexo diante dos fatos que escancaram as entranhas e histórias de várias de nossas instituições públicas e privadas. A vida em sociedade faz-se de exemplos e convivemos, faz tempo, com os de perversão e ganância de ícones representativos da sociedade. Essa história vai além dos tempos atuais e conta como construímos nossa cultura social. Exemplos que afetam nossa capacidade de confiança e relacionamento. O ciclo é perigoso e vicioso. Delata-se com o único objetivo de redução da própria pena, da compra da própria liberdade em troca da clausura de outrem, ato ainda mais hediondo. Ninguém é capaz de admitir seus próprios erros, mesmo em casos de réus primários, e confiar no princípio de equilíbrio da Justiça. O direito é equilíbrio e, portanto, é a própria Justiça que está em risco. Queremos a lei do "olho por olho, dente por dente". O judiciário é fundamental para o exercício da democracia, mas não é somente um poder de fato, pois deve exercer também seu papel primordial de serviço à sociedade. O exercício da Justiça deve estar longe da espetacularização e da sede de sangue da sociedade, deve procurar servir aos cidadãos com o bom senso para aplicar a lei e resguardar a sociedade. Será que somos capazes de dimensionar o trauma social que o país atravessa? Precisamos viver o luto da morte da confiança no próximo, luto que não é de esquerda, de direita ou de qualquer ideologia. É muito mais profundo, é a perda do nosso ideal. Ao idealizarmos o Brasil como nação maravilhosa, sem limites e cheia de potencial, também somos levados à ilusão do paraíso. A grande nação, mãe de todos nós. Queremos mamar eternamente em berço esplêndido. A realidade, porém, impõe-se e temos que lidar com os nossos limites. Sofremos o desmame, somos jovens, imaturos; ainda precisamos viver e crescer na dor de uma democracia a ser conquistada a duras penas. Estamos perplexos, desmamados do seio protetor da nossa mãe. Perplexidade combina com paralisia, e paralisia significa inação, incapacidade de pensar. Sintoma que se assemelha ao estresse que, quando aumenta a produção de cortisol no corpo, gera um pensamento nebuloso, incapaz de raciocinar clara e logicamente. Estamos estressados e angustiados diante da realidade. Vamos "desidealizar" o Brasil! O país não se sustentará na desconfiança dos pilares das delações premiadas. Independente do julgamento de mérito de tais medidas, precisamos dar um passo maior, mudar o sistema de relações entre o público e o privado. Os homens e a sociedade são capazes e competentes somente quando a confiança se estabelece. Precisamos ter a capacidade de elaborar e construir novos caminhos, inspirados em virtudes como a prudência, a perseverança e a coragem. Precisamos de comprometimento e de ação da sociedade para lutar por um caminho político-institucional moderno, descentralizado, não autoritário, não persecutório, de respeito à natureza, distributivo e ético. Essa é uma longa luta, dolorosa, que demandará a firmeza e a altivez necessárias para um novo e moderno pacto social. LUIZ AUGUSTO CANDIOTA, economista formado pela PUC-RJ - Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro, foi diretor de política monetária do Banco Central (governo Lula) * PARTICIPAÇÃO Para colaborar, basta enviar e-mail para [email protected]. Os artigos publicados com assinatura não traduzem a opinião do jornal. Sua publicação obedece ao propósito de estimular o debate dos problemas brasileiros e mundiais e de refletir as diversas tendências do pensamento contemporâneo.
2016-03-23
opiniao
Opinião
http://www1.folha.uol.com.br/opiniao/2016/03/1752996-idealizacao-e-ilusao.shtml
Governo de SP comenta texto sobre novo corregedor do Tribunal de Justiça
A Secretaria da Administração Penitenciária esclarece que os dados sobre o sistema penitenciário paulista usados no texto Novo corregedor do TJ-SP propõe rever processos e acelerar indultos estão errados. O custo total por preso é de R$ 1.450 mensais, não R$ 8.000. Além disso, a população prisional ainda não chegou a 240 mil: em 14/3 eram 231.687, sendo 228.715 na Secretaria da Administração Penitenciária e 2.972, na Secretaria de Segurança Pública. * PARTICIPAÇÃO Os leitores podem colaborar com o conteúdo da Folha enviando notícias, fotos e vídeos (de acontecimentos ou comentários) que sejam relevantes no Brasil e no mundo. Para isso, basta acessar Envie sua Notícia ou enviar mensagem para [email protected]
2016-03-23
paineldoleitor
Painel do Leitor
http://www1.folha.uol.com.br/paineldoleitor/2016/03/1753065-governo-de-sp-comenta-texto-sobre-novo-corregedor-do-tribunal-de-justica.shtml
De tropeço em tropeço
Durante o regime militar, pessoas eram presas ilegalmente e levadas ao cárcere. A tortura era tolerada até por presidentes-ditadores, como foi revelado pelo jornalista Elio Gaspari em um de seus livros sobre essa época sombria da história do Brasil. Com o fim da ditadura, a Constituição Federal de 1988 dedicou aos direitos e às garantias individuais expressiva atenção. O Código de Processo Penal também é rico em definir direitos e garantias dos investigados e réus. Há referências explícitas, por exemplo, de que a condução coercitiva deve ser exclusivamente aplicada em casos nos quais o acusado não atendeu uma intimação anterior. A Convenção Americana de Direitos Humanos, por sua vez, repudia a privação de liberdade física não prevista em lei. Apesar desses regramentos jurídicos, presenciamos no começo do mês um marcante espetáculo de violência e ilegalidade: a condução coercitiva do ex-presidente Lula para depor em inquérito policial para o qual não havia sido intimado. Desnecessário dizer que todos os suspeitos de crimes devem ser investigados, até mesmo ex-presidentes, mas as investigações criminais contra todos os cidadãos, do mais humilde ao mais privilegiado, devem respeitar direitos e garantias. Naquela ocasião, Lula experimentou uma sensação já vivenciada por mais de uma centena de outros investigados e testemunhas na Operação Lava Jato -ser tolhido em sua liberdade de locomoção, uma das mais preciosas garantias constitucionais. A ordem superior, como em todas as outras oportunidades, partiu do juiz federal Sergio Moro, com a observação de que a "medida não implica cerceamento real da liberdade de locomoção, visto que dirigida apenas à tomada de depoimento". Ou seja, instituiu-se, ilegalmente, a "prisão para averiguação". A reação a essa providência judicial foi tão forte que o juiz emitiu nota tentando explicar a medida, nitidamente arbitrária e dispensável. Não deixa de ser muito estranho um juiz recorrer à imprensa para justificar sua decisão lançada no processo e consumada pela aparatosa força policial. Pior ainda é que a nota apenas agravou a situação, já que ofereceu resposta pública às críticas do ex-presidente Lula -o que, certamente, não fica bem para um juiz de direito, que só deve falar nos autos. A réplica altamente qualificada ao desastroso episódio não se fez esperar. Veio de forma veemente pela voz do ministro Marco Aurélio Mello, do Supremo Tribunal Federal: "Condução coercitiva? O que é isso? Eu não compreendi. Só se conduz coercitivamente, ou, como se dizia antigamente, debaixo de vara, o cidadão que resiste e não comparece para depor. E o Lula não foi intimado". Alguns dias depois, em 16 de março, uma nova violência processual maculou a imagem do juiz Moro -a quebra do sigilo da conversa telefônica entre Lula e a presidente Dilma, interceptada pela Polícia Federal. A Presidência da República, como instituição, foi violada, na medida em que Moro, juiz de primeira instância, permitiu a divulgação da gravação que deveria ser avaliada pelo Supremo Tribunal Federal, única instância judicial competente para fazê-lo. A correta persecução penal, seguindo o devido processo legal, não pode, de tropeço em tropeço, estar calcada em medidas ilegais de força, capazes de agradar a uma parcela da opinião popular (não confundir com opinião pública), mas que apenas desservem aos preceitos constitucionais e à democracia. TALES CASTELO BRANCO, 80, é advogado criminalista. Foi presidente do Instituto dos Advogados de São Paulo FERNANDO CASTELO BRANCO, 49, advogado criminalista, é professor de processo penal da PUC/SP - Pontifícia Universidade Católica de São Paulo * PARTICIPAÇÃO Para colaborar, basta enviar e-mail para [email protected]. Os artigos publicados com assinatura não traduzem a opinião do jornal. Sua publicação obedece ao propósito de estimular o debate dos problemas brasileiros e mundiais e de refletir as diversas tendências do pensamento contemporâneo.
2016-03-23
opiniao
Opinião
http://www1.folha.uol.com.br/opiniao/2016/03/1752994-de-tropeco-em-tropeco.shtml
Incidentes perigosos
Mostram-se apaixonadas e enfáticas, em vários setores da sociedade brasileira, as opiniões a favor e contra o impeachment da presidente Dilma Rousseff (PT). Como se sabe, as redes sociais têm o efeito de intensificar as convicções de cada um, e o fenômeno produz inclusive a impressão distorcida de que o país se encontra às vésperas de um conflito radical. Exceção feita a alguns breves incidentes, nada indica, até o momento, que se esteja diante de um quadro capaz de trazer riscos à segurança pública e à paz social. A própria assimetria entre os grupos parece contribuir para que não se desencadeiem enfrentamentos de grandes proporções. Como mostrou o Datafolha, 68% da população defende o impeachment, enquanto 27% são contra. Cumpre zelar, ainda assim, pelo máximo de serenidade e de respeito pela opinião alheia no atual ambiente político. Os eventos ocorridos na PUC-SP na segunda-feira (21), portanto, inspiram cuidado. Foram poucos os envolvidos, por certo: num trio elétrico, estudantes daquela universidade protestavam contra a corrupção. Logo se formou um contingente de cerca de 30 outros alunos, reagindo à manifestação antipetista. Do alto do prédio, atiraram-se objetos na direção dos alunos pró-impeachment e da Polícia Militar, que os vigiava. A PM reagiu como de hábito. Usou cassetetes, gás de pimenta e balas de borracha, avançando muito além do que seria preciso, ou mesmo legítimo, para conter os ânimos mais exaltados. Dias antes, um comício a favor de Lula em Diadema, na sede do sindicato dos metalúrgicos da região, também sofreu uma bizarra intervenção policial; sem maiores consequências, a investida não deixou de trazer tensão a um ato político pacífico. Pela repetição de excessos como esses, e pelo clima de forte excitação política que acomete parcelas da sociedade, cabe insistir no óbvio. O direito de manifestação pacífica está consagrado na Constituição, mas o recurso à violência física por parte de quem protesta deve ser contido e reprimido pelas forças de segurança. O alerta vale inclusive para os atos realizados na avenida Paulista. A ação da PM se fará necessária sempre que houver perturbação da ordem ou interrupção, sem aviso, da livre circulação do trânsito. Tanto a Polícia Militar, notoriamente despreparada para lidar com manifestantes, como também estes, quaisquer que sejam suas convicções, têm uma responsabilidade fundamental para com o sistema democrático e com os direitos de cada cidadão. Como nunca, impõe-se garanti-los, sem incidentes que venham a agravar o clima, apaixonado, mas pacífico, que predomina no país. [email protected]
2016-03-23
opiniao
Opinião
http://www1.folha.uol.com.br/opiniao/2016/03/1753044-incidentes-perigosos.shtml
Presidente do diretório do PSDB comenta editorial sobre prévias
Sobre o editorial PSDB x PSDB, o partido não sai rachado das prévias. Houve só uma desistência e pedido de desfiliação. Já o uso de "expedientes condenáveis" por parte do pré-candidato João Dória é objeto de representação em análise pelo partido. Quanto ao suposto "uso da máquina do Estado" em prol de Dória, tal alegação causa estranheza, pois, se assim fosse, este teria garantido sua vitória ainda no primeiro turno. Mais: as prévias são importantes por democratizarem a escolha do candidato. E, mesmo concorrendo sozinho, João Dória teve votação maior que a de José Serra, vencedor das prévias em 2012. * PARTICIPAÇÃO Os leitores podem colaborar com o conteúdo da Folha enviando notícias, fotos e vídeos (de acontecimentos ou comentários) que sejam relevantes no Brasil e no mundo. Para isso, basta acessar Envie sua Notícia ou enviar mensagem para [email protected]
2016-03-23
paineldoleitor
Painel do Leitor
http://www1.folha.uol.com.br/paineldoleitor/2016/03/1753000-presidente-do-diretorio-do-psdb-comenta-editorial-sobre-previas.shtml
Queda de mortes mostra que redução de velocidade valeu a pena, diz leitor
Merece destaque a notícia Mortes no trânsito de SP têm a maior queda desde 1998, principalmente aos críticos da redução de velocidade. Eu, inicialmente, fui contra, mas depois verifiquei que o trânsito ficou mais disciplinado e pouca ou nenhuma diferença fez no tempo de percurso. O resultado com a diminuição acentuada de mortes demonstra que a medida foi acertada. Se a redução significasse poupar uma única vida, já teria valido a pena. * PARTICIPAÇÃO Os leitores podem colaborar com o conteúdo da Folha enviando notícias, fotos e vídeos (de acontecimentos ou comentários) que sejam relevantes no Brasil e no mundo. Para isso, basta acessar Envie sua Notícia ou enviar mensagem para [email protected]
2016-03-23
paineldoleitor
Painel do Leitor
http://www1.folha.uol.com.br/paineldoleitor/2016/03/1753020-queda-de-mortes-mostra-que-reducao-de-velocidade-valeu-a-pena-diz-leitor.shtml
Quimera econômica
Resignado com a impossibilidade política de encaminhar a única reforma digna do nome que vinha sendo proposta pelo Planalto –a da Previdência–, o ministro da Fazenda, Nelson Barbosa, busca o que no contexto atual parece a quadratura do círculo. Quer mais flexibilidade na gestão dos gastos públicos, mas, procurando convencer a sociedade de que o governo não reincidirá na irresponsabilidade, propõe estabelecer limites para as despesas e criar mecanismos automáticos de correção de exageros. É um avanço necessário, mas o diabo mora nos detalhes. Há controvérsia sobre como conter gastos que são obrigatórios por lei. Além disso, algumas das regras propostas apenas explicitam medidas já adotadas ou irrelevantes no curto prazo, como adiamento de reajustes para o funcionalismo ou impedimento de correção real (além da inflação) do salário mínimo. A maior liberdade decorreria de um projeto que mantém a salvo de cortes alguns tipos de despesas, como obras em etapa final, serviços públicos essenciais e custeio. Na prática, equivale a um salvo-conduto para gastar além do inicialmente autorizado pelo Congresso. No fundo, o governo não consegue disfarçar seu desejo de gastar mais. Barbosa deixou para depois o anúncio de uma nova revisão da meta de poupança pública, mas parece dado que o deficit primário (saldo entre receitas e despesas antes do pagamento de juros) será ainda maior que os R$ 60,2 bilhões definidos para este ano. O plano de Barbosa também inclui a flexibilização da Lei de Responsabilidade Fiscal, no intuito de destravar o orçamento dos Estados. Como contrapartida a um alívio nas condições de pagamento das dívidas, os governos estaduais estariam proibidos de contratar novos empréstimos e assumiriam compromissos de reduzir gastos com folha salarial e de melhorar seus sistemas previdenciários. Acredite quem quiser. Seja como for, as medidas nem sequer apontam para um conjunto mínimo de reformas estruturais, único caminho capaz de devolver credibilidade ao país e recolocá-lo na rota do crescimento sustentado. Retrocedendo na iniciativa de equilibrar as contas da Previdência, o governo acena para o que entende ser sua base, mas se afasta da agenda necessária para conquistar apoios mais amplos na sociedade. Enquanto essa lógica prevalecer, e talvez o tempo de mudá-la tenha passado, dificilmente haverá inversão da dinâmica que continua a afundar a economia. As últimas projeções indicam queda do PIB de 3,6% neste ano. Na melhor hipótese, portanto, o plano do governo terá baixa eficácia. Na pior, colocará mais lenha na fogueira do descrédito, fazendo subir os juros cobrados do Tesouro e acentuando o cenário recessivo. [email protected]
2016-03-22
opiniao
Opinião
http://www1.folha.uol.com.br/opiniao/2016/03/1752570-quimera-economica.shtml
PSDB x PSDB
A notícia, nua e crua, parece piada pronta: mesmo com candidato único nas prévias do PSDB-SP, partido sai rachado após votação. A sequência de eventos, como se sabe, não é tão simples assim. De fato João Doria não teve adversário no domingo (20), quando conquistou, em segundo turno, o direito de disputar a Prefeitura de São Paulo pelo PSDB. Mas isso se deveu apenas à desistência de Andrea Matarazzo, que anunciou sua desfiliação da legenda na sexta-feira. Vereador mais votado da sigla em 2012, com 117 mil votos, Matarazzo fez críticas tão duras quanto merecidas ao descer do barco no qual navegou por 25 anos. "Infelizmente, a ala liderada pelo [governador] Geraldo Alckmin não me deixou alternativa. Não tem espaço para mim num partido que se coaduna com a compra de votos, com abuso de poder econômico e com o tipo de manobras que fizeram", afirmou Matarazzo. Referia-se, naturalmente, a expedientes condenáveis que teriam sido empregados por Doria durante a campanha. Sobraram indícios de irregularidade no pleito, enquanto o governador de São Paulo tratou de jogar todo o peso da máquina estatal a favor de seu preferido. Se Matarazzo agiu como mau perdedor ao abandonar a disputa interna e procurar outra agremiação para concorrer à prefeitura, nem por isso deixa de revelar uma fratura partidária que vai muito além de sua pessoa. Não é segredo que Alckmin e o senador José Serra enxergam no tabuleiro municipal um movimento estratégico para a corrida presidencial de 2018. Pode-se dizer, nesse sentido, que relegam a segundo plano os interesses da cidade. De certo ponto de vista também os interesses do PSDB perderam prioridade. Alckmin vinha defendendo, ao longo desse processo, que a prévia constitui o sistema mais democrático de escolha. Difícil contestar o argumento, a não ser pelo fato de que Doria foi votado por apenas 3.152 filiados, num universo de 27 mil. Ao todo, 3.266 tucanos foram às urnas, ou 12% do total. Se Alckmin buscava dar representatividade ao empresário, a missão não deu certo. A julgar pelo tom agressivo adotado por João Doria em recentes depoimentos dirigidos a membros do PT, é melhor que o candidato tenha pouco respaldo interno. Seria um grande retrocesso para São Paulo acompanhar uma eleição pautada não em propostas, mas na intolerância e nos ataques pessoais. [email protected]
2016-03-22
opiniao
Opinião
http://www1.folha.uol.com.br/opiniao/2016/03/1752572-psdb-x-psdb.shtml
Somos todos Sergio Moro
A Operação Lava Jato é um marco na história do Brasil. Temos visto, ao longo dos anos, desde a redemocratização do país e a promulgação da Constituição de 1988, inúmeros escândalos que nos causam indignação e repulsa. Passados mais de 25 anos da promulgação da Carta Magna, deveríamos ter uma nação melhor, na qual efetivamente estivessem cumpridas as promessas, feitas pelos constituintes, de uma sociedade livre, justa e solidária. No entanto, o que vimos foram muitas situações em que aproveitadores, nos mais diversos postos do Estado e fora dele, valeram-se de suas posições para enriquecer às custas do povo brasileiro. Nesses anos todos, a Polícia Federal, a Receita Federal e o Ministério Público Federal investigaram, colheram robustas provas e, em razão disso, ofereceram inúmeras denúncias à Justiça Federal. Tivemos um lento e gradual processo democrático de fortalecimento das instituições brasileiras. É triste constatar que muitas dessas investigações não chegaram a bom termo por conta de artifícios legais que levaram à prescrição da pretensão punitiva, resumindo, à impunidade. Nós, juízes federais brasileiros, de todos os graus de jurisdição, jamais nos conformamos com isso. Por meio de nossa associação de classe, a Ajufe (Associação dos Juízes Federais do Brasil), temos nos manifestado, e lutado incansavelmente, para que as leis sejam alteradas, e o sistema judicial criminal seja aperfeiçoado. Nos últimos anos, muitas proposições foram feitas pela Ajufe para modificar o Código de Processo Penal e as leis penais brasileiras, bem como a administração da Justiça. Nós, juízes federais, como todos os cidadãos, queremos um país melhor. Precisamos disso. Muitas dessas proposições foram acolhidas e contribuíram para que os meios de combate à corrupção sistêmica fossem aperfeiçoados e municiados de condições para que corruptos pudessem ser punidos. A Operação Lava Jato é resultado disso. O juiz federal Sergio Moro, importante colaborador nos estudos para formulação das proposições da Ajufe, tem feito um trabalho responsável em todas as investigações e ações penais decorrentes dessa operação. A seriedade de seu trabalho é reconhecida pelo povo brasileiro nas inúmeras manifestações vistas nos últimos dias. É importante dizer que Moro não está sozinho. Somos cerca de 2.000 juízes federais, de primeiro e segundo graus, em todo o Brasil e, discretamente, proferimos decisões que repercutem na construção de um novo país, com base em novas leis, firmes e eficazes, que buscam pôr fim à impunidade decorrente de uma legislação arcaica, que contribui para perpetuar sistemas corruptos de poder. A independência judicial é fundamental para isso. É a garantia do cidadão para assegurar a plenitude dos seus direitos. As tentativas temerárias de ingerência nas decisões judiciais por meios que não os estabelecidos na ordem jurídica devem ser veementemente repelidas. Estamos honrados com as manifestações de apoio e reconhecimento do trabalho da Justiça Federal, neste momento simbolizada na pessoa do juiz Sergio Moro. O povo brasileiro pode confiar em seus juízes federais. Não permitiremos que as instituições sejam conspurcadas, nem que a impunidade se estabeleça. A Justiça deve prevalecer sempre. A Justiça não tem partido, credo ou ideologia política. A Ajufe é a nossa voz, nos apoia e apoiará, sempre. A Ajufe somos nós, juízes federais. E nós somos todos Sergio Moro. NINO OLIVEIRA TOLDO, 51, doutor em direito pela USP, é desembargador federal. Foi presidente da Ajufe - Associação dos Juízes Federais do Brasil * PARTICIPAÇÃO Para colaborar, basta enviar e-mail para [email protected]. Os artigos publicados com assinatura não traduzem a opinião do jornal. Sua publicação obedece ao propósito de estimular o debate dos problemas brasileiros e mundiais e de refletir as diversas tendências do pensamento contemporâneo.
2016-03-21
opiniao
Opinião
http://www1.folha.uol.com.br/opiniao/2016/03/1751832-somos-todos-sergio-moro.shtml
O perigoso caso da "pílula do câncer"
Diante de prognóstico desfavorável, é fácil entender que os pacientes com câncer e seus familiares percam as esperanças e passem a buscar soluções mágicas. Não podemos, porém, aceitar que as instituições também se curvem ao desespero e à irracionalidade. É neste momento que precisamos delas mais firmes. Entretanto, as discussões que envolvem o uso da fosfoetanolamina no tratamento do câncer têm nos revelado uma outra realidade. Há mais de 20 anos, um professor de química da USP (São Carlos) vem estudando a fosfoetanolamina, uma substância que acredita ser capaz de "tratar todos os tipos de câncer". Animados com os resultados dos testes em culturas de células e pequenos animais, os pesquisadores decidiram ignorar a necessidade de realizar os estudos necessários para qualquer substância ser considerada medicamento e passaram a distribuí-la para pessoas com câncer. Surpreendentemente, o grupo afirma ter tratado mais de 40 mil pacientes, longe dos olhos das instituições responsáveis pela fiscalização e controle de medicamentos, ignorando completamente as regras internacionais. A história só chamou a atenção quando a distribuição da substância foi interrompida por falta de verbas. Nesse momento, a molécula e seu criador alcançaram notoriedade nacional, e as demandas de pacientes passaram a movimentar o sistema Judiciário e a classe política brasileira, gerando uma crise sem precedentes em nosso meio. A despeito de posições contrárias da Anvisa, do Conselho Federal de Medicina e de diversas sociedades médicas, as decisões do Poder Judiciário vêm colocando nas mãos de pacientes uma substância não reconhecida como medicamento, sobre a qual pouco se sabe. Agora, a política entra em cena para tornar as coisas ainda piores. No dia 8 de março de 2016, a Câmara dos Deputados aprovou o projeto de lei 4.639/2016, de diversos autores, segundo o qual "ficam permitidas a produção, manufatura, importação, distribuição, prescrição, dispensação, posse ou uso da fosfoetanolamina sintética, direcionadas aos usos de que trata esta lei, independentemente de registro sanitário, em caráter excepcional, enquanto estiverem em curso estudos clínicos acerca dessa substância". O projeto segue agora para votação no Senado. Desprezando a necessidade de realizar pesquisas clínicas antes de se liberar um medicamento, os parlamentares fazem o Brasil regredir décadas em sua escalada civilizatória. O Conselho Federal de Medicina, a Associação Médica Brasileira e a Sociedade Brasileira de Oncologia Clínica se posicionam contra esse projeto de lei, que entendemos como um risco à saúde pública e um agravo ao poder constituído das entidades médicas. Pessoas desesperadas tomam más decisões. Devemos cuidar para que isso não aconteça. É nosso dever preservar a vida. CARLOS VITAL é presidente do Conselho Federal de Medicina - CFM FLORENTINO CARDOSO é presidente da Associação Médica Brasileira - AMB GUSTAVO FERNANDES é presidente da Sociedade Brasileira de Oncologia Clínica - SBOC * PARTICIPAÇÃO Para colaborar, basta enviar e-mail para [email protected]. Os artigos publicados com assinatura não traduzem a opinião do jornal. Sua publicação obedece ao propósito de estimular o debate dos problemas brasileiros e mundiais e de refletir as diversas tendências do pensamento contemporâneo.
2016-03-20
opiniao
Opinião
http://www1.folha.uol.com.br/opiniao/2016/03/1751830-o-perigoso-caso-da-pilula-do-cancer.shtml
Tolerância e realismo
Quando este artigo for publicado, talvez o clima de tensão extrema tenha avançado algumas casas no abrasivo tabuleiro da política brasileira. Vivemos um momento em que todos os limites da racionalidade foram ultrapassados, impulsionado por pessoas que se movem por fúria descontrolada. Uma raiva que não poupa cores que não sejam as suas. As democracias se enfraquecem e morrem quando a intolerância escala níveis sucessivos de ódio e de vontade de exterminar o que lhe é diferente, mesmo quando o diferente tem garantias constitucionais. Os sinais de alertas estão acesos e, por isso, é preciso cuidado máximo. Como ministro da Comunicação Social, peço cautela extra aos agentes e faço um chamamento especial à imprensa, que leva a informação às casas e à rua. Só o funcionamento equilibrado das instituições, com sensibilidade para a disposição das forças sociais, pode nos dar uma chance real de superar os abismos atuais, dados pela radicalização que assola o debate político. Neste momento, o pomo da discórdia é a ida do ex-presidente Lula para o posto de ministro da Casa Civil. A oposição ao governo quer impedir a transmissão de cargo e a assunção do novo ministro já empossado. A narrativa central é que o gesto se resumiria à busca de foro privilegiado e constituiria obstrução das investigações. A intolerância e o interesse meramente político motivam essa argumentação. A oposição e certas correntes jurídicas fazem tábula rasa do fato de que o processo investigativo continua íntegro em mãos do Supremo Tribunal Federal. Colocam sob suspeita o vértice do Judiciário. Mesmo sem indiciamento do ex-presidente, já sustentam, veladamente, o corolário de seu script: a condenação de Lula, antecedida, convenientemente, pelo impedimento do exercício do cargo. Em nada questiono as atribuições do juiz Sergio Moro. Integro um governo que sempre defendeu as apurações das denúncias, com respeito à legislação e ao princípio do contraditório. É incontroverso, no entanto, o fato objetivo de que o juiz fez gravações ilegais de conversa telefônica entre a presidenta Dilma Rousseff e o ex-presidente Lula, às vésperas da nomeação. A Presidência da República anunciou que serão tomadas as medidas judiciais necessárias para coibir este ato ilícito. O mandatário máximo de um país ser "grampeado" por um juiz federal, de qualquer instância, sem amparo na legislação, é a liberação mortífera de atos de exceção. Quando até a presidenta é alvo, o que será do cidadão comum? O STF se pronunciará agora sobre liminares e mérito no tocante às ações contra a posse do ministro da Casa Civil. Confiamos que o faça com equilíbrio e justiça. Nestes momentos, cabe à Suprema Corte fazer prevalecer a Constituição. Na Câmara dos Deputados, por sua vez, instalou-se a comissão do processo de impeachment. O ritual seguirá, agora, seu curso. Nele, o governo e sua base parlamentar atuarão para desconstruir a tentativa de impedimento, em nada e por nada justificável. O importante, agora, é que os ânimos se esfriem e que a racionalidade prevaleça. O passado nos deixou lições muito importantes sobre como começam e terminam crises agudas e desagregadoras. Em 1954, o suicídio de Getúlio Vargas nos ensinou que mesmo os gestos extremados de renúncia não cancelam ajustes de contas só contornáveis com a sabedoria essencial das forças que se confrontam. Em 1964, o vulcão da intolerância encontrou a predisposição militar para o golpe. Deu no que deu. Ao longo de duras crises econômicas entre os anos 1970 e 1990, compreendemos que não há bala de prata possível contra desajustes estruturais na economia. Se agora enfrentamos uma crise, não é porque os fundamentos estejam ruins ou sejam inajustáveis, mas porque o dissenso político parece querer contaminar todas as chances de entendimento racional entre adversários. Os progressos sociais das últimas duas décadas deveriam ser um ponto a favor do equilíbrio e da racionalidade. Comportamo-nos, porém, como se o Brasil não fosse uma nave comum. Ignoramos que, se a nave cair, todos seremos vítimas. O momento exige um plano pactuado de reformas. Precisamos de uma espécie de pacto westfaliano, envolvendo as forças políticas e as instituições. Com um lado acreditando que pode jogar o outro para fora da embarcação, ou esmagá-lo, não chegaremos a lugar algum. É ilusório acreditar que forças sociais que se fundamentam em princípios democráticos e num espectro amplo de esquerda, como as que este governo e eu representamos, possam ser riscadas do mapa do Brasil sem consequências. A hora é de tolerância e realismo. Nosso povo precisa e merece isso. EDINHO SILVA, 50, é ministro-chefe da Secretaria de Comunicação Social da Presidência da República * PARTICIPAÇÃO Para colaborar, basta enviar e-mail para [email protected]. Os artigos publicados com assinatura não traduzem a opinião do jornal. Sua publicação obedece ao propósito de estimular o debate dos problemas brasileiros e mundiais e de refletir as diversas tendências do pensamento contemporâneo.
2016-03-20
opiniao
Opinião
http://www1.folha.uol.com.br/opiniao/2016/03/1751827-tolerancia-e-realismo.shtml
Desastre de receita
A arrecadação de impostos do governo federal cai em velocidade cada vez maior. A Receita Federal divulgou nesta sexta-feira (18) dados que indicam uma alarmante perda de recursos. Nesse ritmo, sobrevirá uma escassez que levará a presente administração à beira da paralisia ou a deficit ainda mais assustadores, solapando o crédito do governo. Quem quer que esteja no poder ao final do processo de impeachment deverá apresentar, de forma urgente, um plano de emergência. A arrecadação baixava ao ritmo de 2,5% ao ano em janeiro de 2015, quando começava o segundo mandato de Dilma Rousseff (PT). A presidente fazia promessas de austeridade nos gastos, desmentindo o que dissera na campanha, para choque de seus eleitores. Em fevereiro deste ano, a perda de receita chegou a 11,5% em comparação com o mesmo mês de 2015, ou 6,6% no acumulado de 12 meses (todos os indicadores são apresentados em termos reais, já descontada a inflação). Esse imenso talho na arrecadação de impostos, contribuições e pagamentos à Previdência representa cerca de R$ 90 bilhões. Para ter uma ideia, o montante equivale a quase duas vezes toda a despesa federal em investimentos. Em outra comparação, representa mais de três vezes o orçamento anual do programa Bolsa Família. Em palestra nesta sexta, em São Paulo, o ministro da Fazenda, Nelson Barbosa, afirmou que tem atuado com urgência, mas também com serenidade. Disse ainda que espera a aprovação da CPMF pelo Congresso e que discute com o Banco Central medidas de relaxamento do crédito. Segundo Barbosa, são iniciativas capazes de minorar a penúria dos cofres públicos e evitar redução ainda maior da atividade econômica. Nesse ínterim, seriam apresentadas reformas de longo prazo. Serenidade, porém, é atributo escasso no país, e muito mais no governo Dilma –que ademais não conta com competência ou recursos políticos necessários para encaminhar um plano mínimo de contenção de desastre maior. Mesmo o plano modesto de reformas que a equipe econômica intenta apresentar tornou-se rarefeito, dada a fragilidade do mandato presidencial. Note-se que tal recuo ocorreu antes de a crise se tornar frenética. No momento, lamentavelmente, não há como esperar nem ao menos a aprovação de remendos na economia, dado o ambiente político. Os responsáveis pela condução do país devem prestar muita atenção ao cenário de terra arrasada que terão de administrar. É preciso elaborar desde já um um programa de ação imediata a ser implementado assim que o tumulto diminuir. [email protected]
2016-03-19
opiniao
Opinião
http://www1.folha.uol.com.br/opiniao/2016/03/1751781-desastre-de-receita.shtml
Parlamentarismo pode ser solução para crise política no Brasil? Sim
SISTEMA MAIS FLEXÍVEL E DINÂMICO A grave crise política que toma conta do Brasil possui diversos fatores: econômicos, financeiros, políticos, eleitorais e até mesmo criminais. É temerário crer que existam soluções simples para problemas complexos. Não há dúvida, porém, de que a rigidez do sistema presidencialista seja um obstáculo à superação da crise. O Senado Federal aprovou a criação de uma comissão especial para debater o tema e formular uma proposta de sistema de governo de matriz parlamentarista. Essa comissão foi temporariamente suspensa para que o tema, tão importante para o futuro do país, não seja contaminado pela conjuntura política atual. Prevalece a opinião de que qualquer proposta, depois de promulgada pelo Congresso Nacional, deverá ser submetida a referendo popular. A ideia é que o novo sistema entre em vigor a partir do próximo pleito presidencial. O semipresidencialismo, como é chamado o sistema misto que combina características parlamentares e presidenciais, parece adequado ao Brasil. O presidente da República, chefe de Estado, continua sendo eleito diretamente pelo povo e mantém poderes efetivos de participação nas questões políticas e governamentais. No entanto, não concentra tantos poderes como no regime presidencialista. A direção geral do governo cabe ao primeiro-ministro, chefe de governo, nomeado pelo presidente com base na composição majoritária do Congresso. Há uma interdependência entre os Poderes Executivo e Legislativo. De um lado, a sustentação do governo depende do apoio da maioria parlamentar; de outro, a falta de apoio às políticas formuladas pelo Executivo pode levar, em determinadas circunstâncias, à dissolução da Câmara e à convocação de novas eleições parlamentares. Nesse caso, o povo será chamado a escolher outra Câmara, que terá influência decisiva na formação do novo governo. Esse desenho político-institucional tem muitas vantagens. É mais flexível, dinâmico e adaptável às circunstâncias econômicas, políticas e sociais. Permite a troca de governos ineficientes e impopulares de forma mais ágil, sem o risco de rupturas institucionais ou a ocorrência de processos traumáticos, como o impeachment. A alternância de poder ocorre naturalmente, sem sobressaltos e sem a rigidez de um prazo fixo para o mandato do governo. O sistema exige de parlamentares e partidos políticos, inclusive da oposição, consistência, responsabilidade com os assuntos governamentais e trabalho de modo mais construtivo. Isso porque, na iminência de uma demissão do governo ou de uma nova composição parlamentar, todos devem estar prontos para assumir o poder. O semipresidencialismo pode, perfeitamente, ser desenhado para dar mais estabilidade ao exercício do poder. Há instrumentos jurídicos e políticos para isso, como a "moção de censura construtiva", que existe em outros países, além de limitações temporais e materiais ao exercício dos poderes de demissão do governo e de dissolução da Câmara dos Deputados. É evidente que crises surgem no presidencialismo e no parlamentarismo. Não se resolvem apenas pela virtude interna de um ou de outro sistema político. O parlamentarismo é um sistema evolutivo, que vai se consolidando com a prática e o fortalecimento da democracia. Se é verdade que as regras, sozinhas, não moldam instituições, também é certo que elas podem ser reformadas para que assegurem, cada vez mais, os princípios que estruturam o Estado democrático, como os da transparência, estabilidade e legitimidade. ANTONIO CARLOS VALADARES, 72, é senador (PSB/SE), líder do PSB no Senado Federal. Foi governador de Sergipe (1987-1991) * PARTICIPAÇÃO Para colaborar, basta enviar e-mail para [email protected]. Os artigos publicados com assinatura não traduzem a opinião do jornal. Sua publicação obedece ao propósito de estimular o debate dos problemas brasileiros e mundiais e de refletir as diversas tendências do pensamento contemporâneo.
2016-03-19
opiniao
Opinião
http://www1.folha.uol.com.br/opiniao/2016/03/1751822-parlamentarismo-pode-ser-solucao-para-crise-politica-no-brasil-sim.shtml
Protagonismo perigoso
Em momentos de crispação nas ruas como estes que o Brasil conhece, nada mais importante que dispor de instituições sólidas e equilibradas, capazes de moderar o natural ímpeto das manifestações e oferecer respostas seguras dentro de um quadro de legalidade. Preocupam, por isso, os sinais de excesso que nos últimos dias partem do Judiciário, precisamente o Poder do qual se esperam as atitudes mais serenas e ponderadas. Não se trata de relativizar o peso das notícias acerca da Operação Lava Jato, ou de minimizar o efeito político e jurídico das gravações telefônicas divulgadas nesta semana. O imperioso combate à corrupção, entretanto, não pode avançar à revelia das garantias individuais e das leis em vigor no país. Tal lembrança deveria ser desnecessária num Estado democrático de Direito, mas ela se torna relevante diante de recentes atitudes do juiz federal Sergio Moro, em geral cioso de seus deveres e limites. Talvez contaminado pela popularidade adquirida entre os que protestam contra o governo da presidente Dilma Rousseff (PT), Moro despiu-se da toga e fez o povo brasileiro saber que se sentia "tocado pelo apoio às investigações". Ocorre que as investigações não são conduzidas pelo magistrado. A este compete julgar os fatos que lhe forem apresentados, manifestando-se nos autos com a imparcialidade que o cargo exige. Demonstrando temerária incursão pelo cálculo político, resolveu assumir de vez o protagonismo na crise ao levantar o sigilo de conversas telefônicas de Lula (PT) bem no momento em que o ex-presidente se preparava para assumir a Casa Civil. Por repulsiva que seja a estratégia petista de esconder o ex-presidente na Esplanada, não cabe a um magistrado ignorar ritos legais a fim de interromper o que sem dúvida representa um mal maior. Pois foi o que fez Moro ao franquear a todos o acesso às interceptações e transcrições que, como regra, devem ser preservadas sob sigilo. Ao justificar a decisão, Moro argumenta de maneira contraditória. Sustenta que o caso, por envolver autoridades com foro privilegiado, deve ser remetido ao Supremo Tribunal Federal, mas tira da corte a possibilidade de deliberar sobre o sigilo das interceptações. Pior, a lei que regula o tema é clara: "A gravação que não interessar à prova será inutilizada". Quem ouviu as conversas de Lula pôde perceber que muitas delas eram absolutamente irrelevantes para qualquer acusação criminal. Por que, então, foram divulgadas? Ademais, a conversa entre Lula e Dilma ocorreu depois que o próprio Moro havia mandado ser interrompida a escuta. Acerca disso o juiz a princípio não se pronuncia. É sem dúvida importante que a população saiba o que se passa nas sombras do poder. Daí não decorre, obviamente, que os juízes possam dar de ombros para as leis. Mais do que nunca, o exemplo deve partir do Poder Judiciário –sua eventual desmoralização é o pior que pode acontecer. [email protected]
2016-03-18
opiniao
Opinião
http://www1.folha.uol.com.br/opiniao/2016/03/1751311-protagonismo-perigoso.shtml
Lula ministro, para quê?
Há dias circulavam rumores de que o alto escalão do governo federal e a cúpula do PT estudavam a nomeação do ex-presidente Lula, acusado de envolvimento em casos de corrupção, para o cargo de ministro. Tais boatos se concretizaram na última quarta (16). O objetivo da manobra, ao que tudo indica, é garantir ao ex-presidente a prerrogativa de "foro privilegiado". Como consequência, as denúncias contra ele dirigidas deixariam de ser examinadas pela Justiça Federal comum, evitando que o caso chegue às mãos do juiz Sergio Moro. O STF (Supremo Tribunal Federal) é que decidiria a questão. A Constituição confere à presidente o poder de escolher seus ministros. Trata-se, porém, de uma faculdade apenas aparente, pois sujeita a limitações rígidas, decorrentes, primordialmente, do fato de que a atuação da administração deve ser pautada por fins e interesses públicos, nunca particulares. De fato, os poderes constitucionalmente conferidos ao governante são garantidos a ele na qualidade de integrante do Estado. Existem apenas para que possa cumprir seu dever de atender aos interesses da coletividade. São estes, nunca é demais recordar, que justificam a existência do próprio aparelho estatal e da posição ocupada. Justamente por isso é que o artigo 37 da Constituição determina que as autoridades conduzam seus atos com impessoalidade e moralidade. Simpatias pessoais e/ou interesses de facções e grupos ligados ao governante não podem interferir na gestão da coisa pública. Diante desse quadro, não há dúvidas de que a nomeação do ex-presidente esbarra nas limitações referidas. Isso porque realizada com objetivo preponderante de protegê-lo ou de amenizar a sua complicada situação, na qualidade de pessoa próxima à presidente. Como tal, é completamente inválida. O STF é firme em reconhecer que o tratamento privilegiado que não decorra de "causa razoavelmente justificada" implica inadmissível "quebra de moralidade". A Corte Suprema, a propósito, já analisou questão idêntica, decidindo que: "A nomeação para o cargo de assessor... é ato formalmente lícito. Contudo, no momento em que é apurada a finalidade contrária ao interesse público, qual seja, uma troca de favores..., o ato deve ser invalidado, por violação ao princípio da moralidade administrativa e por estar caracterizada a sua ilegalidade, por desvio de finalidade". A propósito, não se diga que a presença do ex-presidente no corpo ministerial pode contribuir para amenizar a grave crise de legitimidade do governo. Nem que pode, de alguma forma, auxiliar na reversão da cambaleante situação econômica do país. Afinal, se assim fosse, a nomeação teria ocorrido muito antes, já que esse quadro se arrasta há meses. A situação foi agravada pela divulgação do diálogo entre os dois protagonistas, no qual, nitidamente, fica evidenciado que o intuito da nomeação foi proteger Lula do pedido de prisão preventiva que seria examinado pelo juiz Sergio Moro. Tal gravação comprova que foram feridos quatro princípios fundamentais da administração pública, elencados pela Constituição Federal. São eles: o princípio da moralidade (nomeação para ministro de Estado de um investigado por corrupção), da impessoalidade (nomeação no interesse pessoal do amigo, e não no interesse público), da eficiência (nomeação exclusivamente para blindá-lo, não em virtude dos atributos para o exercício do cargo) e da legalidade (desvio de finalidade na nomeação). O juiz Moro, por sua vez, atendeu ao princípio da publicidade ao retirar o sigilo da gravação, já que o interesse público justifica a divulgação da conversa. A nomeação de Lula ao cargo de ministro, portanto, com evidente desvio de finalidade, conduz a uma questão da mais alta relevância: não constitui, ela própria, ato de improbidade administrativa capaz de motivar o impeachment de Dilma? IVES GANDRA DA SILVA MARTINS, 81, advogado, é professor emérito da Universidade Mackenzie, da Escola de Comando e Estado-Maior do Exército e da Escola Superior de Guerra HAMILTON DIAS DE SOUZA, 72, é jurista e mestre em direito pela USP p(star). * PARTICIPAÇÃO Para colaborar, basta enviar e-mail para [email protected]. Os artigos publicados com assinatura não traduzem a opinião do jornal. Sua publicação obedece ao propósito de estimular o debate dos problemas brasileiros e mundiais e de refletir as diversas tendências do pensamento contemporâneo.
2016-03-18
opiniao
Opinião
http://www1.folha.uol.com.br/opiniao/2016/03/1751291-lula-ministro-para-que.shtml
Morte da Guerra Fria na América Latina
Os últimos resquícios da Guerra Fria na América Latina morrem entre os dias 21 e 23 de março deste ano. Dois fatos marcantes acontecem naqueles dias. Nos dias 21 e 22 do próximo mês, Barack Obama visita Cuba. O último presidente norte americano que esteve em Cuba foi Calvin Coolidge em 1928. Cuba ainda vivia sob a Emenda Platt, aquela que os EUA colocaram na Constituição do país de que, se houvessem problemas sociais e políticos, os EUA estavam autorizados a invadirem a pequena ilha do Caribe. Em janeiro de 1959, Fidel Castro tomou o poder e logo marcha para o lado dos soviéticos. Em 1962, os norte-americanos descobrem que a União Soviética estava colocando mísseis em Cuba voltados para os EUA. Foi um alvoroço, momento que o mundo esteve mais perto de uma guerra nuclear entre as duas superpotências. Houve um acordo e é aceito que os EUA se comprometeram em não invadirem Cuba, mas irão impor um duro bloqueio econômico ao país. Os soviéticos passaram a bancar os cubanos. Agora veio a reaproximação e fatos começaram a acontecer. Uma fábrica de tratores dos EUA vai se instalar em Cuba e vender para a iniciativa privada. Avião comercial dos EUA fará voos regulares para Havana. Acredita-se ainda que o bloqueio econômico seja suspenso e a prisão em Guantánamo fechada. E, para coroar o momento, Obama vai ao país naqueles dias de março. Morre ali um dos últimos símbolos da Guerra Fria. Interessantemente, no dia 23 de março, também em Havana, a Farc ou Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia assina um acordo de paz com o governo colombiano. É uma guerrilha que começou em 1964. Morreram mais de 220 mil pessoas no conflito e milhares de outras deslocaram de seus lugares por causa da dura luta entre os lados nesses mais de 50 anos. Morre ali também outro símbolo da Guerra Fria. Nos muitos pontos do acordo se prevê a participação dos antigos guerrilheiros na política e também afastamento ou apoio ao narcotráfico (uma das fontes de sustento da guerrilha). Este ponto deveria preocupar o Brasil. Já está provado que os seguidos ataques aos que fabricam cocaína na Colômbia e Peru fez com que muitos fossem para a Bolívia. O acordo com a Farc fará mais gente envolvida na produção de cocaína ir para o país vizinho. Voltando à morte da Guerra Fria na América Latina. Acaba em março, portanto, o sonho de muitos de se ter na região um bastião socialista para servir de modelo para outros lugares do mundo. O capitalismo deve ser o caminho. Talvez seja por isso que simbolicamente Barack Obama esteja indo a Cuba justamente naqueles dias. E, para completar, irá à Argentina, ficando até o dia 24 de março, lugar que pode ter começado o desmonte do populismo de esquerda na região. Também, no dia 25 de março, pela primeira vez, um dos símbolos do modo de ser do mundo capitalista, os Rolling Stones, estarão se apresentando gratuitamente em Havana. Coincidências interessantes entre os dias 21 e 25 de março. ALFREDO DA MOTA MENEZES é doutor em história da América Latina pela Tulane University, EUA. Publicou, entre outros, "Ingênuos, Pobres e Católicos - a Relação dos EUA com a América Latina" * PARTICIPAÇÃO Para colaborar, basta enviar e-mail para [email protected]. Os artigos publicados com assinatura não traduzem a opinião do jornal. Sua publicação obedece ao propósito de estimular o debate dos problemas brasileiros e mundiais e de refletir as diversas tendências do pensamento contemporâneo.
2016-03-18
opiniao
Opinião
http://www1.folha.uol.com.br/opiniao/2016/03/1751299-morte-da-guerra-fria-na-america-latina.shtml
Valor não calculado
A Constituição Federal Brasileira estabelece que os Estados detêm o monopólio da distribuição de gás canalizado no país. Na grande maioria dos casos, os Estados criaram para esse fim uma ou mais companhias concessionárias e transferiram a elas os encargos de implantação e operação de uma custosa rede de infraestrutura de dutos. Como auxiliares nessa tarefa, buscaram sócios ou terceiros. Os Estados de São Paulo e do Rio de Janeiro são exceções. Nessas unidades federativas, atuam mais de uma concessionária e não há participação direta dos governos estaduais no capital social das empresas. No restante do país, entretanto, os governos dos Estados dividem ações ordinárias com a Petrobras, por meio de sua subsidiária Gaspetro, e com alguma outra empresa privada. A governança das companhias também é semelhante. Em geral, a diretoria é composta por três membros. Cabe à Petrobras a indicação da diretoria comercial e de operação. Como ocorre em toda concessão pública, esse serviço é regulado. As tarifas são estabelecidas de forma a possibilitar o pagamento dos custos operacionais da empresa e a remuneração do capital investido. Não é aí, contudo, que reside o principal interesse da Petrobras em participar desse negócio. Além de já controlar os gasodutos de transporte no território nacional, a empresa é gestora dos aspectos comerciais das companhias distribuidoras de gás canalizado. Isso permite a ela bloquear a venda direta de gás natural às companhias distribuidoras. Como consequência, os outros produtores de gás são forçados a negociar a venda de sua produção com a Petrobras. Esse mesmo gás acaba sendo vendido pela Gaspetro às distribuidoras. Antes de concretizado o negócio, a Petrobras adiciona uma grande margem comercial que, por vezes, equivale a mais que o dobro do valor pago ao produtor. Há alguns anos a Mitsui, uma trading japonesa, adquiriu participação societária em várias companhias distribuidoras de gás do Nordeste e do Sul do país, tornando-se sócia nessas empresas da Petrobras e dos Estados. Mas seu interesse estratégico no negócio parece não ter sido compreendido por todos. Nos últimos dias de 2015, a Petrobras comunicou ao mercado a venda para a Mitsui de 49% da Gaspetro. A negociação atingiu a cifra aproximada de R$ 1,9 bilhão. Com isso, a Mitsui passou também a ter participações indiretas nas companhias, ampliando sua atuação para mais 11 distribuidoras estaduais. Apesar de não ter sido divulgado o conteúdo do acordo de acionistas da nova Gaspetro, é impossível imaginar que na compra de 49% de uma companhia não se negocie a possibilidade de veto em matérias relevantes, incluindo o direito de preferência de compra dos restantes 51% das ações. Se isso de fato ocorreu, a Mitsui passa a ser o caminho de todos os futuros produtores de gás natural do Brasil para a venda da produção. Em janeiro, a Justiça Federal da Bahia concedeu liminar suspendendo a venda, alegando, entre outros pontos, falta de transparência na negociação. A Petrobras informa que está promovendo sua defesa na forma da lei. Ao permitir o crescimento da participação da empresa japonesa, a Petrobras abriu mão não só de uma participação societária em um negócio regulado. A empresa está perdendo o controle de algo que sempre teve: a comercialização de gás no Brasil. Isso é algo cujo valor é muito difícil de estimar no momento. Certamente, superará o montante noticiado. JOSÉ CARLOS ALELUIA, 68, engenheiro eletricista, é deputado federal pelo DEM-BA * PARTICIPAÇÃO Para colaborar, basta enviar e-mail para [email protected]. Os artigos publicados com assinatura não traduzem a opinião do jornal. Sua publicação obedece ao propósito de estimular o debate dos problemas brasileiros e mundiais e de refletir as diversas tendências do pensamento contemporâneo.
2016-03-17
opiniao
Opinião
http://www1.folha.uol.com.br/opiniao/2016/03/1750834-valor-nao-calculado.shtml
Sustentabilidade dos gastos sociais
A Constituição de 1988 foi generosa em garantir direitos e falhou ao não se preocupar com o impacto da ampliação da proposta assistencialista no equilíbrio das contas públicas. O ex-ministro Maílson da Nóbrega afirma que "o brutal aumento da despesa (pública) dos últimos anos se deve muito mais à opção por um padrão europeu de gastos sociais, sem dispormos de condições similares de renda e riqueza". Ele recomenda a revisão da política de reajustes reais do salário mínimo, responsável pela metade dos gastos do INSS, e também das demais transferências. Segundo Mansueto Almeida, da Fundação Getulio Vargas, nos últimos 15 anos as transferências sociais foram responsáveis por 82% do crescimento dos gastos não financeiros da União. Especial atenção certamente deve ser dispensada aos desequilíbrios do nosso sistema previdenciário, com três causas principais: os deficits financeiros do Regime Geral gerido pelo Instituto Nacional do Seguro Social (INSS), do Regime Próprio dos Servidores Públicos Federais e do Regime Próprio dos Servidores Públicos dos Estados. O Regime Geral, que assiste todos aqueles não ligados ao poder público, teve um rombo de R$ 57 bilhões em 2014, provocado na realidade por deficit de R$ 82 bilhões dos trabalhadores rurais, que consumiram um superávit de R$ 25 bilhões dos trabalhadores urbanos. Há de se rever os critérios de concessão das aposentadorias rurais que, mesmo em número significativamente menor do que as urbanas, estranhamente geram esse enorme buraco. Conveniente, além disso, apertar medidas para combate as fraudes, mas também as aposentadorias urbanas devem ser repensadas diante do explosivo crescimento previsto para a diferença entre gastos e arrecadação do INSS: mais de R$ 80 bilhões no último ano e R$ 125 bilhões em 2016. Além da necessária idade mínima para aposentadoria de pelo menos 65 anos, média dos países da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), contra média de 57,5 anos no Brasil hoje, convém discutir outros pontos como redução da diferença de tempo de contribuição entre homens e mulheres. Para o Regime Próprio dos Servidores Públicos Federais se prevê a seguinte evolução do déficit: R$ 63 bilhões em 2014, R$ 69 bilhões em 2015 e R$ 70 bilhões em 2016. Lembrando que atende em torno de 1 milhão de servidores e pensionistas, contra aproximadamente 30 milhões de assistidos do INSS, portanto, um rombo per capita quase 30 vezes maior no último ano. A reforma para equiparar as aposentadorias dos servidores públicos federais aos da iniciativa privada, acabando com as aposentadorias integrais, foi aprovada em 2003 no Congresso Nacional, encaminhada pelo ex-presidente Lula. Não foi implantada, todavia, por falta de regulamentação, em função de pressões do PT. Só em 2012, por iniciativa da presidente Dilma, ocorreu a regulamentação. A lei 7.808 criou a Fundação de Previdência Complementar do Servidor Público Federal do Poder Executivo (Funpresp), uma aposentadoria complementar para os novos entrantes no serviço público que passam a sujeitar-se aos mesmos limites dos trabalhadores privados. Na prática, ainda não está trazendo os resultados previstos. Finalmente, o Regime Próprio dos Servidores Públicos dos Estados apresentou um rombo de R$ 51 bilhões em 2014. Segue a mesma tendência das outras duas categorias. Alguns Estados já estão fazendo as suas reformas. Em 2011, foi criada a Fundação de Previdência Complementar do Estado de São Paulo. Em 2015, Santa Catarina criou a Fundação de Previdência Complementar do Estado de Santa Catarina - SCPrev. Outros Estados também já o fizeram ou estão tentando. Mas é necessário, além disso, rever, por exemplo, aposentadorias especiais concedidas a profissionais da segurança, medicina e educação, que se aposentam com menos tempo de contribuição. O excesso de generosidade de nossa assistência social, além de desestimular a tão necessária poupança interna do país, gera desequilíbrios fiscais que acabam tendo que ser pagos pela própria população, via aumento de impostos. Devemos eliminar excessos e regalias, combater mais duramente as fraudes e assistir os realmente necessitados. CARLOS RODOLFO SCHNEIDER, empresário e coordenador do Movimento Brasil Eficiente - MBE * PARTICIPAÇÃO Para colaborar, basta enviar e-mail para [email protected]. Os artigos publicados com assinatura não traduzem a opinião do jornal. Sua publicação obedece ao propósito de estimular o debate dos problemas brasileiros e mundiais e de refletir as diversas tendências do pensamento contemporâneo.
2016-03-17
opiniao
Opinião
http://www1.folha.uol.com.br/opiniao/2016/03/1750839-sustentabilidade-dos-gastos-sociais.shtml
O que celebrar no dia do desarmamento?
Não há o que comemorar quando o assunto é regulação de armas na América do Sul. Três dos maiores países da região -Brasil, Colômbia e Venezuela- concentram uma em cada cinco mortes por armas de fogo no planeta. A região precisa, mais do nunca, adotar uma legislação responsável sobre as armas. Apesar dos custos sociais e econômicos inaceitáveis das dezenas de milhares de mortes por ano, estimados em R$ 133 bilhões por ano somente no Brasil (ou 2,5% do PIB), muitas vezes aceitamos essa calamidade como algo inevitável. Mas não é. A redução da violência por armas de fogo precisa ser uma prioridade na agenda de segurança pública nos países sul-americanos. A redução do número de armas em circulação e a regulação do comércio, da posse e do porte de armas e munições são fundamentais para a queda dos estoques desviados da legalidade para o crime. A regulação responsável também impacta diretamente a dinâmica dos chamados homicídios por motivos fúteis, nos quais a disponibilidade de uma arma é decisiva para que o conflito tenha um desfecho trágico. No Mercosul, o tema da regulação de armas e munições deu origem à Declaração de Buenos Aires sobre o Desarmamento da Sociedade Civil, de 2012. Reconhecendo que as armas são fatores de risco para o aumento da violência, os signatários da declaração apontaram para a necessidade de produção e intercâmbio de dados e informações. Também julgaram fundamental fortalecer a articulação com as organizações da sociedade civil e os meios de comunicação. Nenhum país é mais atingido pelo uso de armas de fogo do que o Brasil. São mais de 47 mil vítimas todos os anos, que custam R$ 5 bilhões anualmente ao SUS. Diante dessa tragédia, faz todo o sentido que o país tenha liderado, na 36ª Reunião dos Ministros do Interior do Mercosul (2015), a proposta de criação do Dia Sul-Americano do Desarmamento Voluntário, cuja primeira celebração ocorre nesta terça (15). A data poderia certamente servir como um momento estratégico para impulsionar uma série de ações no país, incluindo o lançamento de um pacto nacional pela redução de homicídios, a melhoria e a integração dos sistemas de controle de armas, a destruição de armas acauteladas e a retomada das campanhas de entrega voluntária. Infelizmente, em meio a outras prioridades e impasses do cenário político atual, é muito provável que este primeiro Dia Sul-Americano do Desarmamento passe em branco. Enquanto sociedade, porém, não podemos mais permitir que a hesitação de nossos governos seja confundida com uma suposta normalidade e inevitabilidade da violência. A população precisa encarar os fatos friamente. Nosso país, campeão de homicídios do planeta, precisa assumir a liderança. É urgente elaborar um novo pacto social que valorize a vida, todas as vidas, e coloque a regulação de armas em uma posição no centro da pauta. Essa iniciativa precisa vir de nosso recurso mais valioso: nós mesmos, indivíduos que transformam as sociedades do Brasil e da América do Sul. ILONA SZABÓ, 37, mestre em estudos de conflito e paz pela Universidade de Uppsala, na Suécia, é diretora-executiva do Instituto Igarapé, especializado em segurança e desenvolvimento MICHELE RAMOS, 31, mestre em segurança internacional pela Sciences Po (Instituto de Estudos Políticos de Paris), é pesquisadora do Instituto Igarapé * PARTICIPAÇÃO Para colaborar, basta enviar e-mail para [email protected]. Os artigos publicados com assinatura não traduzem a opinião do jornal. Sua publicação obedece ao propósito de estimular o debate dos problemas brasileiros e mundiais e de refletir as diversas tendências do pensamento contemporâneo.
2016-03-15
opiniao
Opinião
http://www1.folha.uol.com.br/opiniao/2016/03/1749914-o-que-celebrar-no-dia-do-desarmamento.shtml
A farsa da "ideologia de gênero"
Há situações em que os esforços para invisibilizar ou deturpar um assunto acabam por afirmá-lo e ampliar sua circulação. É como diz a letra da canção: "Peço tanto a Deus/ Para lhe esquecer/ Mas só de pedir me lembro". Gênero, equidade de gênero e identidade de gênero estão nessa categoria. O processo da transexualização público de Thammy Miranda, a história do escritor João Nery e a recente decisão de um juiz de permitir a alteração de registro de uma menina transgênero no Brasil são exemplos recentes de luzes atravessando a barreira que as forças políticas lhes impõem. "Ideologia de gênero" é a expressão cunhada por fundamentalistas religiosos para deturpar o debate acerca de equidade e identidade de gênero -como se essa agenda representasse a abolição da diferença biológica entre os sexos- e, assim, enfraquecer a luta por direitos das pessoas transexuais e das mulheres em geral. Apesar dos esforços para banir essas questões da agenda republicana, o tema está emergindo com força até mesmo em Hollywood. O filme "A Garota Dinamarquesa", vencedor do Oscar de melhor atriz coadjuvante (Alicia Vikander), ainda em cartaz no Brasil, narra ao grande público as desventuras da pintora transexual Lili Elbe, uma das primeiras pessoas a se submeter a uma incipiente técnica cirúrgica de redesignação sexual. A história de Lili Elbe evoca as de um número crescente de pessoas que lutam por visibilidade e respeito. São aqueles e aquelas que correspondem ao T da sigla LGBT: travestis e transexuais (ou transgêneros). Assim como Lili Elbe, são pessoas equivocadamente classificadas como portadoras de "disforia de gênero" ou de outros transtornos psíquicos, numa patologização que acarreta violências simbólicas e físicas. Uma confusão cada vez mais estimulada por esses setores é a que se faz entre orientação sexual (De quem eu gosto? Quem eu desejo?) e identidade de gênero (Quem eu sou para mim mesmo? Como me vejo ou me percebo no mundo do qual faço parte?). Recentemente o público do "Jornal Nacional" conheceu a história de um menino de nove anos que conseguiu, por meio da Justiça e com o consentimento e a compreensão dos pais, retificar seu registro civil para que fosse reconhecido, legalmente, como menina, pois desde os primeiros anos de vida identificava-se com o gênero feminino. Apesar de respeitosa, a reportagem não fez qualquer ligação com o recente debate que varreu o país em torno da referência à identidade de gênero nos planos nacional e municipais de educação. Também não citou o projeto de lei João Nery, de minha autoria, atualmente em debate na Câmara, alvo de deturpação por fundamentalistas religiosos que me acusam de querer "obrigar criança a mudar de sexo" ou "a virar gay". O foco principal do projeto, cujo nome homenageia o escritor nascido mulher que passou por operação de mudança de sexo em 1977, é reconhecer a identidade de gênero como um direito. O projeto prevê que o (a) jovem trans -e não "qualquer criança"- deverá ter acesso à Justiça quando um de seus responsáveis se opuser ao seu desejo expresso de iniciar o processo de transexualização, que inclui procedimentos como o uso de bloqueadores de hormônios, terapia hormonal, cirurgias plásticas, implante de seios, mamoplastia, depilação a laser, entre outros. Alguém pode imaginar o sofrimento de uma pessoa que começa a sentir os sinais da puberdade, a barba ou os seios crescendo, quando isso parece estar em completo desacordo com quem ele ou ela acha que é? A cirurgia de redesignação sexual nem sempre é um anseio da pessoa transgênero. Ela deseja, antes de tudo, ser tratada pelo nome com o qual se identifica, ter a documentação condizente com sua identidade social e ser respeitada. Tentar varrer da agenda pública as questões de gênero põe em dúvida se de fato estamos sob um Estado democrático e laico, do qual todos dependemos para exercer nossas liberdades e nossos direitos. JEAN WYLLYS é deputado federal pelo PSOL-RJ * PARTICIPAÇÃO Para colaborar, basta enviar e-mail para [email protected]. Os artigos publicados com assinatura não traduzem a opinião do jornal. Sua publicação obedece ao propósito de estimular o debate dos problemas brasileiros e mundiais e de refletir as diversas tendências do pensamento contemporâneo.
2016-03-15
opiniao
Opinião
http://www1.folha.uol.com.br/opiniao/2016/03/1749913-a-farsa-da-ideologia-de-genero.shtml
Água abaixo
Para o senso comum, não há dúvida de que as chuvas torrenciais de quinta-feira (10) foram as maiores responsáveis pelas 25 mortes registradas nas enchentes do Estado de São Paulo –seis a mais que na tragédia de Mariana (MG). Com efeito, o caudal precipitado se mostrou surpreendente, diante da média de 188 mm na região metropolitana para março inteiro. Em meras 24 horas, caíram 170 mm sobre Guarulhos –quase o mesmo volume mensal– e 130 mm sobre Mairiporã e Franco da Rocha. O poder público, no entanto, tem por obrigação atuar acima desse plano imediatista. Compete a ele formular o planejamento para mitigar riscos previsíveis, que sua omissão acaba por reiterar. "Todo verão a gente sabe que vai chover, e aí precisa ter reservação dessa água, porque infelizmente as várzeas foram ocupadas", já afirmou o governador paulista, Geraldo Alckmin (PSDB). Disse-o, porém, há cinco anos, quando o município de Franco da Rocha, na Grande São Paulo, enfrentou outra enchente devastadora. Alckmin prometera então construir quatro piscinões na área. Só em dezembro de 2015 houve sinal verde para licitar a obra do primeiro deles. Reportagem desta Folha revelou, ainda, que nem R$ 1 foi gasto, pela gestão tucana, dos R$ 65 milhões previstos para reassentar moradores de áreas vulneráveis nesses cinco anos. O governo estadual alega ter investido "R$ 1,9 bilhão em urbanização de favelas e reassentamento de famílias e mais R$ 3,5 bilhões em provisão de moradias –que tem em sua prioridade o atendimento de famílias em áreas de risco". Ao camuflar o esforço preventivo no pacote portentoso dos gastos com habitação, mas sem gastar um centavo na rubrica específica, o Palácio dos Bandeirantes consegue apenas demonstrar que o Orçamento constitui peça de ficção. Não é assim que se planeja, nem é assim que se prestam contas. Por certo não se trata de deficiência exclusiva ao governo estadual. Outra reportagem deste jornal mostrou que a prefeitura paulistana, sob Fernando Haddad (PT), usou só 39% das verbas para controle de cheias orçadas de 2012 a 2015. A administração petista põe a culpa na falta de recursos prometidos pela esfera federal. A ocupação de várzeas e encostas, cabe lembrar, não acontece por acaso, mas por negligência dos governos. Como tais eventos meteorológicos extremos tendem a ser mais frequentes, com a mudança climática global, a incúria contumaz dos governantes torna-se, a cada verão, mais e mais criminosa. [email protected]
2016-03-15
opiniao
Opinião
http://www1.folha.uol.com.br/opiniao/2016/03/1749972-agua-abaixo.shtml
Paradoxo econômico
Vista de longe, a economia nacional vive momento contraditório. Nas últimas semanas, enquanto se divulgavam dados sobre uma recessão que talvez se mostre sem paralelos em nossa história, os preços dos ativos brasileiros caminhavam na direção oposta –ações subiram de preço, juros de longo prazo caíram e o real se valorizou. O paradoxo tem explicação. A degradação das condições econômicas, combinada com as recentes revelações da Lava Jato, eleva a insatisfação popular com o governo Dilma Rousseff (PT); as chances de a presidente sofrer impeachment também aumentam nesse cenário. Certa ou errada, predomina a visão de que eventual mudança no Planalto destravaria decisões e abriria caminho para uma agenda mínima de reformas. Daí por que a percepção de um desenlace da crise política impulsiona as cotações. A alta na Bolsa chegou a 25% desde meados de fevereiro, a cotação do real se valorizou cerca de 10% e os juros reais (descontada a inflação) de longo prazo caíram para 6,5%, nível que vigorava pouco antes de o país perder o selo de bom pagador, em setembro. Trata-se de movimento significativo, pois a situação permanece crítica. A queda do PIB desde meados de 2014, quando a recessão se iniciou, pode chegar a 8,7% até o final deste ano, completando 11 trimestres consecutivos de contração. Será o pior resultado da história, superando as retrações do início dos anos 1980 e do período Collor (1990-1992). Outros fatores podem ser elencados para justificar o paradoxo. Por exemplo, o fato de a crise atual não decorrer de um quadro de insolvência em moeda estrangeira –ou seja, o país não tem dívida externa excessiva (Petrobras à parte) e conta com reservas internacionais de US$ 370 bilhões. Ao contrário de quase todas as crises anteriores, o problema hoje é essencialmente doméstico. Explica-se pelo crescimento explosivo da dívida pública interna em moeda nacional, que deriva dos erros na gestão econômica e da incapacidade do governo Dilma de reequilibrar as contas. Em tese, retomar as rédeas da economia depende de decisões internas. O que há hoje no Brasil é uma paralisia de decisões dos agentes econômicos, travando investimento e consumo. Sobra, por isso mesmo, capacidade ociosa –e crescer utilizando tal capacidade é mais fácil do que superar gargalos. Os contornos de uma nova etapa ainda não estão claros, mas o comportamento dos mercados chama a atenção para algo importante. Num estado de depressão geral, mudanças nas expectativas têm poder maior que o usual para modificar a realidade econômica. [email protected]
2016-03-15
opiniao
Opinião
http://www1.folha.uol.com.br/opiniao/2016/03/1749973-paradoxo-economico.shtml
O céu sobre as cabeças
O historiador grego Estrabão conta que, certa vez, quando Alexandre, o Grande, encontrou guerreiros celtas que viviam às margens do Danúbio, perguntou-lhes o que mais temiam. Ouviu como resposta que não temiam nada, exceto que o céu lhes caísse sobre as cabeças. É difícil imaginar de qual experiência concreta guerreiros celtas do século 4º a.C. possam ter tirado esse medo, mas quem vive no século 21 tem razões para temor comparável: os drones. Eles estão cada vez mais populares, embora existam poucas regras para seu uso. Nos EUA, no último Natal, foram vendidos 400 mil aparelhos que voam controlados por um piloto em terra. No Brasil, devido à carência de regulamentação, o número nem sequer é conhecido. Especula-se que o atual estoque de drones no país esteja em torno de 50 mil. De vez em quando essas aeronaves caem. Desde 2001, os militares norte-americanos já registraram 237 acidentes classe A (que resultaram na destruição da nave ou provocaram prejuízos de ao menos US$ 2 milhões) com seus aparelhos em todo o mundo. Pode-se assumir que drones militares são melhores e mais bem pilotados que os civis. Uma investigação do jornal "The Washington Post" sugere que esse número pode ser bem maior. A febre dos drones civis é mais recente, mas já há registro de acidentes. Por enquanto, sem mortes. O quadro fica mais preocupante pelo risco de colisão com aeronaves tripuladas. Um estudo americano contou, de dezembro de 2013 a setembro de 2015, 921 ocorrências desse gênero, das quais 35% se enquadraram nos critérios de quase acidente da FAA, a agência de aviação civil dos Estados Unidos. Resolver o problema não é tão simples quanto pode parecer. Uma medida óbvia como exigir que o piloto esteja sempre próximo à aeronave e jamais a perca de vista limita o potencial de usar esses aparelhos para fins comerciais —caso das entregas, por exemplo. Atuando nesse complexo xadrez, a FAA pretende baixar regras menos restritivas do que as atualmente em vigor nos EUA, muito embora o quadro geral seja descrito como um Velho Oeste. No Brasil, a regulação é ainda mais precária. Sabe-se que ela deve envolver pelo menos as agências responsáveis pelas radiofrequências (Anatel), pelo uso do espaço aéreo (Decea) e pelas regras de aparelhos e pilotos (Anac). Como nada em Brasília deve acontecer até que a crise política se resolva, só nos resta, como os celtas, rezar para que o céu não nos caia sobre as cabeças. [email protected]
2016-03-14
opiniao
Opinião
http://www1.folha.uol.com.br/opiniao/2016/03/1749597-o-ceu-sobre-as-cabecas.shtml
A nossa geração sobreviveu
Nasci em 1996. Lula assumiu seu primeiro mandato na Presidência em 2002. Eu tinha seis anos na ocasião e sonhava ser catador de lixo. Ele tinha 57 e acabara de concretizar o próprio sonho. De lá para cá, 14 anos se passaram. Desde que tomei consciência de minha própria existência e do mundo a meu redor, o PT está no poder. Em termos de política nacional, os únicos exemplos que vivenciei vieram desse partido. Na República, os únicos valores que vi colocados em prática foram os petistas. Enquanto Lula aparelhava o Estado, eu estava no quintal de casa, fingindo ser um dos heróis da série "Power Rangers". No programa, um inimigo ficava gigante quando era derrotado pela primeira vez, causando ainda mais destruição. Os Rangers, então, tinham de utilizar um robô igualmente colossal para combatê-lo. O que aprendi com o petismo assemelha-se muito ao que aprendi com vilões de séries e desenhos. Existe, é claro, a diferença fundamental de que os petistas têm ambições mais singelas: querem apenas dominar o Estado, não o mundo inteiro. A estratégia do PT e dos monstros que assombraram minha infância é bem simples. Se seus inimigos o criticam, diga que o fazem única e exclusivamente porque são seus inimigos. Se você for derrotado, volte maior, mais violento e retalie da pior maneira possível. Se um colega começar a prejudicá-lo, elimine-o. A opinião pública pode ser útil para macular a imagem do inimigo com mentiras; se ela, no entanto, se voltar contra você, não há problema. A opinião da vítima não interessa. A dinastia petista obrigou toda uma geração a engolir a impunidade, a polarização da sociedade e do debate político, o desrespeito sistemático às instituições, o discurso de que, "se todos roubam, não adianta mudar o governo". O PT sonegou os valores da democracia a mim e a outros milhões de jovens. Pouco importa a idade de Lula, de Dilma Rousseff ou a do PT. O que importa é que eles representam a velha política. Seus valores são decadentes. E, na prática, eles foram tudo o que experimentei na política brasileira. Eu estava apenas com seis anos quando eles começaram. Não tinham o direito de tentar solapar o respeito às instituições, à democracia, à liberdade. Tentaram privar-me de valores fundamentais que eu nem conhecia. Minha geração precisa viver a democracia. Ela nunca experimentou nada além da ditadura da propina implantada pelo PT. Nunca viu um diálogo entre o governo e o Congresso. Jamais assistiu ao Estado atender aos interesses da sociedade. Conhece apenas o ente estatal privatizado, propriedade de um partido. Hoje, dia 13 de março de 2016, temos a esperança de viver os valores que nos foram roubados. Não estaremos nas ruas apenas por conta da corrupção ou da incompetência do governo mas para demonstrar nossa revolta contra todos os vícios que macularam nossa República e que têm tudo para estragar toda uma geração. Hoje começa a contagem regressiva para o fim do governo petista e o começo de um novo tempo para a democracia. Com seis anos, eu lutava contra monstros que eram derrotados e voltavam gigantes. Lula, depois de ter sido derrotado no mensalão, voltou ainda maior no petrolão. Os Rangers uniam-se e fundiam seus veículos para compor o robô gigante. Precisamos de algumas centenas de milhares de brasileiros para montar o nosso. KIM KATAGUIRI, 20, é coordenador do Movimento Brasil Livre - MBL e colunista da Folha * PARTICIPAÇÃO Para colaborar, basta enviar e-mail para [email protected]. Os artigos publicados com assinatura não traduzem a opinião do jornal. Sua publicação obedece ao propósito de estimular o debate dos problemas brasileiros e mundiais e de refletir as diversas tendências do pensamento contemporâneo.
2016-03-13
opiniao
Opinião
http://www1.folha.uol.com.br/opiniao/2016/03/1749131-a-nossa-geracao-sobreviveu.shtml
O ano em que o Brasil não cumprirá o ideal olímpico
O Brasil têm encontrado dificuldades crescentes para vencer no campeonato da produção global, tanto no comércio exterior, quanto jogando em casa, pois o mercado interno foi muito abastecido nos últimos anos por produtos estrangeiros. O problema está se tornando tão agudo, que, no ano em que o País sediará a Olimpíada do Rio de Janeiro, nossas empresas, ironicamente, sequer conseguirão exercitar o tradicional ideal olímpico de que "o importante é competir". Afinal, quem consegue concorrer na economia mundial enfrentando taxas de juros e impostos extorsivos, câmbio esquizofrênico, insegurança jurídica e um ambiente de negócios contaminado pela crise política e ética? Todos esses problemas e a baixa competitividade afetam gravemente os setores produtivos, principalmente a indústria de transformação. Exemplo encontra-se nos plásticos, que caíram 8,7% em 2015, com produção de 6,1 milhões de toneladas. O recuo foi o pior desde a crise iniciada em setembro de 2008 e que apresentou seus mais sérios reflexos no mercado mundial e brasileiro durante o ano de 2009, período em que a produção do setor retrocedeu 13,3%. O desempenho dos plásticos seguiu de perto o da indústria de transformação, cuja queda geral de produção foi de 9,9%. Importantes setores demandantes de plásticos tiveram quebras mais significativas, como o automotivo (-25%), alimentos (-2,4%), bebidas (-5,4%), eletroeletrônicos (-30%) e higiene e perfumaria (-3,8%). Como se observa, os problemas relativos ao cenário interno do País estão corroendo importantes segmentos. O dólar mais elevado, ainda que de modo incipiente, tem ajudado alguns ramos a aumentarem as vendas externas. As exportações de transformados plásticos cresceram 8,8% em 2015. No entanto, da mesma forma que o câmbio favorece pontualmente um incremento de nossas vendas externas, impacta de maneira direta os nossos custos, pois as matérias-primas, em especial as resinas termoplásticas, têm parte de seus preços determinados em dólares. No mercado internacional há um movimento de retração de preços de resinas por conta da forte queda do petróleo e derivados, mas isso ainda não foi sentido aqui no Brasil, por conta das variações cambiais repassadas aos preços nos mercados domésticos. A conjunção de queda nos volumes produzidos, somada à baixa expectativa do empresário quanto ao retorno do crescimento econômico, resulta em um dos mais dramáticos sinais da crise enfrentada pelo nosso setor: o fechamento de quase 30 mil postos de trabalho. A indústria de transformação do plástico é um dos quatro maiores empregadores industriais do País e, dentre os setores geradores de mão de obra intensiva, é o que paga os melhores salários e contrata profissionais mais qualificados. Infelizmente, ainda não vemos alteração desse cenário. Para 2016 estimamos recuo de 3,5% e de 1,3% no emprego. Somente as exportações seguirão com um desempenho positivo, na ordem de 12%. A realidade da indústria de transformação e a presente conjuntura não significam que temos um país inviável. O Brasil possui imenso potencial para vencer a crise e ingressar num novo ciclo de crescimento sustentado. Porém, precisa parar de fazer gols contra! Necessitamos de um projeto viável de país, de médio e longo prazo, mas que comece, de modo urgente, com a remoção dos obstáculos à produção aqui citados. Se continuarmos patinando nos mesmos problemas, seguiremos amargando derrotas na economia mundial. JOSÉ RICARDO RORIZ COELHO é presidente da Associação Brasileira da Indústria do Plástico - Abiplast e do Sindicato da Indústria de Material Plástico do Estado de São Paulo - Sindiplast-SP e vice-presidente da Fiesp * PARTICIPAÇÃO Para colaborar, basta enviar e-mail para [email protected]. Os artigos publicados com assinatura não traduzem a opinião do jornal. Sua publicação obedece ao propósito de estimular o debate dos problemas brasileiros e mundiais e de refletir as diversas tendências do pensamento contemporâneo.
2016-12-03
opiniao
Opinião
http://www1.folha.uol.com.br/opiniao/2016/03/1748972-o-ano-em-que-o-brasil-nao-cumprira-o-ideal-olimpico.shtml
Petrobras deve ser operadora única do pré-sal? Não
UM PROJETO A FAVOR DO BRASIL Projeto de lei de minha autoria aprovado no Senado desobriga a Petrobras de ser operadora de todos os campos do pré-sal e de bancar 30% de todos os investimentos e bônus de assinatura. Pelo projeto, a Petrobras mantém a preferência para operar qualquer novo campo, se desejar, e se o Poder Executivo aprovar. O regime de partilha e a competência do Executivo para ditar o rumo dos leilões das diferentes áreas não são alterados, nem se mexe nas políticas de conteúdo nacional de insumos para o setor. A Agência Nacional de Petróleo (ANP) e a empresa estatal Pré-Sal Petróleo SA (PPSA) mantêm seus imensos poderes para regular, acompanhar e intervir em qualquer dos campos sob exploração. Meu propósito é duplo: fortalecer a Petrobras, que está na UTI, livrando-a de encargos que hoje não suporta, e incentivar investimentos privados no pré-sal, para aumentar a geração de empregos e as receitas de União, Estados e municípios. A situação financeira da Petrobras é desesperadora: dívida bruta superior a R$ 500 bilhões, com custos de captação e rolagem cada vez mais altos. É a segunda empresa mais endividada das Américas, no equivalente a cinco vezes seu valor de mercado. O desastre financeiro não se deveu apenas à queda dos preços do petróleo e aos efeitos da desvalorização cambial sobre a dívida em reais mas também à péssima gestão da empresa desde o segundo governo Lula. Só os investimentos megalomaníacos e malfeitos nas refinarias e o arrocho eleitoreiro dos preços dos combustíveis causaram prejuízo de R$ 140 bilhões. Diante disso, a atual diretoria da Petrobras passou a cortar investimentos e a vender ativos. Já passou aos japoneses a Gaspetro e vai alienar seus gasodutos. Anunciou a venda de 104 concessões terrestres –do Espírito Santo até o Ceará. A meta de produção de cerca de 5 milhões de barris por dia em 2020 já foi oficialmente reduzida para quase a metade. A quantidade de poços perfurados no ano passado foi metade da atingida há 45 anos. O projeto de lei do Senado 131/2015 é um alívio para a Petrobras e um alento para a expansão da produção no pré-sal. Os argumentos "técnicos" dos adversários do projeto não se sustentam. "Retirará recursos da educação", dizem alguns. Ao contrário, ao fomentar investimentos contribuirá para o aumento dos royalties e da parcela destinada à educação. "Venderá reservas do pré-sal a preço de banana para investidores privados", queixam-se outros. Absurdo! O cronograma dos leilões é competência indelegável do Executivo. O projeto não mexe nisso. "O custo de produção da Petrobras no pré-sal é de US$ 8, o menor do mundo", argumentam também. Falso. Dados do último balanço da empresa situam o preço médio de produção em US$ 25 por barril, fora os custos de capital. No pré-sal, os custos são maiores do que os da produção em terra. Horas antes da votação no Senado, chegou-nos uma proposta do governo Dilma, sugerindo mudanças que não comprometem a essência do projeto. Fechamos um acordo que facilitou a aprovação. O PT, no entanto, votou contra. Persiste uma oposição feroz entre parlamentares governistas, ativistas partidários e alguns tribunos. Gritaria motivada por três coisas: puro desconhecimento do assunto; tentativa dos que arruinaram a Petrobras de encontrar um discurso "progressista"; e pressão de dirigentes sindicais que se acham donos dos ativos da companhia, enquanto nós, o resto da sociedade, ficamos com os passivos. JOSÉ SERRA, 73, é senador (PSDB-SP). Foi ministro da Saúde e do Planejamento e Orçamento (governo FHC), prefeito de São Paulo (2005-2006) e governador de São Paulo (2007-2010) * PARTICIPAÇÃO Para colaborar, basta enviar e-mail para [email protected]. Os artigos publicados com assinatura não traduzem a opinião do jornal. Sua publicação obedece ao propósito de estimular o debate dos problemas brasileiros e mundiais e de refletir as diversas tendências do pensamento contemporâneo.
2016-12-03
opiniao
Opinião
http://www1.folha.uol.com.br/opiniao/2016/03/1749115-petrobras-deve-ser-operadora-unica-do-pre-sal-nao.shtml
Petrobras deve ser operadora única do pré-sal? Sim
O FUTURO DO PAÍS NAS MÃOS DO CONGRESSO A decisão do Senado favorável à mudança no marco regulatório do petróleo torna ainda mais urgente o debate sobre a importância do pré-sal para a economia brasileira e o papel da Petrobras nos futuros leilões. Trata-se de uma política de Estado que transcende qualquer disputa entre governo e oposição. Preocupantemente, o resultado da votação entre os senadores espelha o argumento, cada vez mais propalado pela mídia após o avanço da Lava Jato, de que a Petrobras não tem mais condições de ser a operadora única do pré-sal. Por isso, segundo tal visão, é preciso acelerar os novos leilões para atrair grandes players internacionais. O argumento não para em pé por várias razões. A primeira é que o Brasil não precisa de novos leilões no curto prazo. O país ostenta hoje o segundo maior crescimento mundial em produção de petróleo estimado até 2020. A Petrobras tem 14,6 anos de produção garantida com suas atuais reservas. Acelerar as descobertas no novo pré-sal com inclusão de novas reservas não é uma necessidade de curto prazo. A segunda razão diz respeito ao papel da Petrobras e seu fôlego financeiro. Não resta dúvida quanto à capacidade tecnológica e operacional da empresa, que já ultrapassou o pico de produção de mais de 1 milhão de barris por dia no pré-sal. A produtividade de seus poços, a rapidez da perfuração e a otimização da infraestrutura garantem uma produção economicamente viável. Já a questão financeira é, sobretudo, uma crise de financiamento de curto prazo, já superada para 2016. Exigiu da companhia um plano de corte de investimentos, agora concentrados na excelência da exploração das atuais reservas. Hoje, de fato, a Petrobras não teria como se comprometer com investimentos de no mínimo 30% em novas áreas leiloadas. Rever seu papel como operadora única, entretanto, só faria sentido se o país necessitasse de novas reservas no curto prazo, o que não ocorre. A terceira razão diz respeito à cadeia produtiva nacional. Não é conveniente, também sob essa ótica, que o país acelere a produção do novo pré-sal enquanto sua indústria não pode ser uma grande fornecedora de equipamentos e serviços. Com as refinarias em plena capacidade e sem planos para a construção de novas, todo o acréscimo de produção no Brasil será destinado às exportações. Isso aumenta a intensidade da "maldição do petróleo", com a chamada "doença holandesa" que destrói a capacidade produtiva nacional por meio do acelerado crescimento das exportações, das pressões no câmbio e da inundação de importações. Em 2010, os congressistas foram sábios ao definir que o ritmo dos leilões para contratos de partilha de produção seria estabelecido pelo presidente da República, ouvido o Conselho Nacional de Política Energética (CNPE), que, por seu turno, deveria observar "a política energética, o desenvolvimento e a capacidade da indústria nacional para o fornecimento de bens e serviços". O marco regulatório, portanto, não prioriza apenas a Petrobras mas sim a indústria brasileira. Mudar a legislação, como propõe o senador José Serra, atenderá apenas aos interesses das grandes petrolíferas privadas globais que, hoje, buscam acesso a novos recursos para exploração futura. O debate na sociedade sobre o novo pré-sal e o marco regulatório tem de ser amplo e desassociado das emoções e manchetes provocadas pela Lava Jato, sob o risco de o Congresso legislar e tomar uma decisão que instalará no país um neocolonialismo extrativista, penalizando toda a cadeia industrial brasileira. JOSÉ SÉRGIO GABRIELLI DE AZEVEDO, 66, é professor titular aposentado pela UFBA - Universidade Federal da Bahia. Foi presidente da Petrobras (2005-2012) * PARTICIPAÇÃO Para colaborar, basta enviar e-mail para [email protected]. Os artigos publicados com assinatura não traduzem a opinião do jornal. Sua publicação obedece ao propósito de estimular o debate dos problemas brasileiros e mundiais e de refletir as diversas tendências do pensamento contemporâneo.
2016-12-03
opiniao
Opinião
http://www1.folha.uol.com.br/opiniao/2016/03/1749117-petrobras-deve-ser-operadora-unica-do-pre-sal-sim.shtml
Brasil é um fracasso
Vamos direto ao assunto: quando é que o governo federal vai deixar de bravatas e assumir de uma vez que o Brasil está falido? Muito além dos problemas econômicos, o país é um fracasso na educação, na saúde e na infraestrutura básica. Como se não bastasse, pesquisa recente revelou que 21 das 50 cidades acima de 300 mil habitantes mais violentas do planeta são brasileiras. O Brasil não se cansa de bater recordes negativos. Nos rankings internacionais de educação estamos sempre nas últimas posições. Não oferecemos ao povo saúde de qualidade, nem conseguimos combater a dengue e, mais recentemente, a zika. Milhões de pessoas ainda são desprovidas de água encanada e saneamento básico. Nossos trabalhadores são penalizados com as mais altas cargas tributárias do mundo. E ainda somos violentos. A lista anual divulgada no fim de janeiro pela ONG mexicana Conselho Cidadão para a Segurança Pública e a Justiça Penal mostra que estamos perdendo uma guerra contra nós mesmos. Das 26 capitais listadas, além do Distrito Federal, 17 são nossas, com taxas de homicídios elevadíssimas por cada 100 mil habitantes. Fortaleza (CE) lidera entre as cidades brasileiras citadas no estudo –está na 12ª colocação geral, seguida por Natal (RN) e Salvador (BA). João Pessoa (PB), Maceió (AL) e São Luís (MA) estão logo abaixo. Caracas, a capital da Venezuela, é a primeira do ranking geral. A violência na terra de Hugo Chávez pode ser reflexo da forte crise econômica e da instabilidade política que o país enfrenta. E no Brasil? Nossos valores morais têm sido gradativamente reduzidos a pó. A concepção familiar é frequentemente atacada por aqueles que a odeiam. As portas para as drogas estão abertas, e o Estado não consegue combater o narcotráfico. A polícia é ultrajada por quem deveria respeitá-la. Os governos estaduais não cumprem suas atribuições. Falta educação. Os salários são baixos. O resto é consequência de tudo isso. A propaganda estatal diz que tudo vai bem, que a solução está próxima, e que o problema do Brasil é o pessimismo alheio. Penso justamente o contrário: nosso povo é até muito otimista por suportar tanta adversidade e encontrar forças para batalhar por algum futuro que teima em não chegar nunca. O fracasso do país está na desfaçatez, na arrogância e na omissão. As pessoas estão cansadas. Realmente cansadas. Tenho percorrido o Brasil inteiro nos últimos anos em virtude da minha função e vejo muita frustração por toda parte. Acredito que sairemos da crise econômica, como já fizemos outras vezes, mas e o restante? A educação, a saúde, a segurança e os outros valores subjetivos serão resolvidos em um passe de mágica? Por osmose? A sociedade perdeu o referencial do que é bom e do que é ruim. Faltam líderes capazes de inspirar e mostrar o caminho a seguir. A juventude não se identifica mais com seus representantes, nem com o sistema político atual. Um país sem rumo faz de seus filhos um povo sem perspectiva. E a falta de perspectiva de um povo leva o país à ruína. Nesse cenário, continuarão a maquiar os efeitos em vez de fulminar a causa. Os péssimos índices registrados no país só aumentarão, como um câncer silencioso que vai invadindo e destruindo as células sadias, se não tomarmos agora atitudes de fato relevantes. O impeachment, caso prospere no Congresso Nacional, poderá ser uma saída para o impasse. É muito difícil, mesmo com as melhores intenções, resistir a tantos problemas de uma só vez. MARCOS PEREIRA, 43, é advogado e presidente nacional do PRB. Pastor licenciado da Igreja Universal do Reino de Deus, foi vice-presidente da rede Record * PARTICIPAÇÃO Para colaborar, basta enviar e-mail para [email protected]. Os artigos publicados com assinatura não traduzem a opinião do jornal. Sua publicação obedece ao propósito de estimular o debate dos problemas brasileiros e mundiais e de refletir as diversas tendências do pensamento contemporâneo.
2016-11-03
opiniao
Opinião
http://www1.folha.uol.com.br/opiniao/2016/03/1748642-brasil-e-um-fracasso.shtml
Código Florestal: a lei da insatisfação generalizada
Em fevereiro desse ano, o Programa de Regularização Ambiental (PRA) foi regulamentado no Estado de São Paulo pelas Secretarias de Meio Ambiente (SMA) e da Agricultura e Abastecimento (SAA), por meio da Resolução Conjunta SMA/SAA nº 01/2016. A edição da resolução conjunta ocorreu menos de quatro semanas após uma resolução exclusiva da SMA sobre o tema ter sido revogada depois de apenas uma semana em vigor, o que se deve, segundo veiculado pela imprensa, a pressões de ruralistas. O recente ocorrido revela que o cenário de insegurança jurídica que cerca a aplicação da Lei nº 12.651/2012, especialmente no tocante à compensação de reserva legal, cômputo de áreas de preservação permanente (APP) e áreas de Cerrado, que ainda prevalecem. Desde sua publicação, há quase quatro anos, o Código Florestal tem sido objeto de polêmicas e não foi plenamente aplicado. Ainda em 2012, poucos meses após sua publicação, a polêmica acerca da legislação florestal chegou aos tribunais, escancarando a insatisfação generalizada de ruralistas e ambientalistas. De um lado, produtores rurais que buscaram regularizar seus imóveis nos termos da nova lei, valendo-se, especialmente, do acréscimo das APPs ao cômputo da área de reserva legal e da compensação ambiental; de outro, o Ministério Público (MP) a sustentar a tese da inconstitucionalidade da Lei nº 12.651/2012, com fundamento na chamada Teoria da Proibição do Retrocesso, segundo a qual, em tese, uma lei superveniente não pode reduzir a proteção anteriormente outorgada por outra ao meio ambiente. Ações civis públicas e termos de ajustamento de conduta (TAC) iniciados ou firmados sob vigência da lei florestal antiga, mas ainda em curso ou em fase de cumprimento no advento da nova lei, são exemplos das questões que alcançaram os tribunais. A pressão do MP tem sido tamanha que, no noroeste paulista, em alguns casos, imóveis sem curso d'água e, portanto, sem APP, passaram a valer mais que imóveis cortados por riachos, já que ter APP no imóvel tornou-se sinônimo de problema. De olho nas usinas de açúcar, álcool e etanol, alguns promotores de Justiça passaram a pressionar pequenos produtores rurais, que arrendavam parte de suas terras para o cultivo de cana. Esses custam ainda a entender por que o MP lhes nega a possibilidade de incluir as APP no cômputo da reserva legal. "Por que o Código Penal pode retroagir para beneficiar bandido, mas o Código Florestal não pode retroagir para me beneficiar?", questionou-me certa vez um produtor da região de São José do Rio Preto, interior de SP. Atentas à necessidade de segurança jurídica, as Câmaras Reservadas ao Meio Ambiente do Tribunal de Justiça de São Paulo têm se manifestado, desde 2012, pela constitucionalidade da Lei nº 12.651/2012, determinando, na grande maioria dos casos, a sua imediata aplicação. Contudo, a maioria das turmas julgadoras do Superior Tribunal de Justiça (STJ) reforma decisões favoráveis à aplicação do Código Florestal, com base na já mencionada Teoria da Proibição do Retrocesso, afastando, assim, mais uma vez, a aplicação da nova legislação. Ademais, antes mesmo de completar um ano, o Código Florestal se tornou objeto de três ações diretas de inconstitucionalidade (ADI), ajuizadas pela Procuradoria-Geral da República (PGR) no Supremo Tribunal Federal (STF). Embora o pedido liminar para suspender a aplicação da Lei nº 12. 651, de 2012, tenha sido negado pelo ministro Luiz Fux, as ADIs ainda aguardam julgamento. A questão ganhou um novo capítulo: relator das Ações no Supremo, Fux convocou Audiência Pública para o dia 18 de abril para tratar da matéria. Em São Paulo, a Procuradoria Geral do Estado (PGE) emitiu, em maio de 2013, um parecer com respostas a questões formuladas pela SMA sobre a aplicação do novo Código Florestal em território paulista. Em linhas gerais, o documento seguiu a regra de prevalência da norma mais restritiva e protetiva ao meio ambiente, inviabilizando, na prática, a aplicação de importantes instrumentos da nova lei, em especial a possibilidade de instituição de reserva legal por meio de compensação ambiental. Desta sorte, grande parte dos processos administrativos com pedidos de compensação ambiental deixaram de ser apreciados pelo órgão ambiental paulista, à espera da regulamentação estadual sobre o tema, que só ocorreu com a recente edição da resolução conjunta das Secretarias de M eio Ambiente e da Agricultura. A nova regulamentação, apesar de mais flexível que o mencionado parecer da PGE, ainda dificulta bastante a compensação ambiental, restringindo-a muito em comparação com o texto original da Lei nº 12.651, de 2012. Ruralistas e ambientalistas ainda terão que conviver neste cenário de insegurança jurídica por mais algum tempo. O prazo para inscrição no Cadastro Ambiental Rural (CAR), que é requisito para adesão ao PRA, se estende até maio de 2016. Até lá, ainda que o STF se manifeste de forma conclusiva com o julgamento das ADIs, questões técnicas, especialmente relacionadas à regeneração e recomposição de áreas de Cerrado, podem reacender os debates. Infelizmente, a Lei nº 12. 651, de 2012 não foi formulada com base nos fundamentos técnicos-científicos necessários para evitar uma série de problemas jurídicos. LETÍCIA YUMI MARQUES é especialista em direito ambiental da Lee, Brock Camargo Advogados, e professora convidada de Direito Ambiental do Curso de Direito Imobiliário do Cogeae-PUC-SP e membro da Comissão de Infraestrutura, Logística e Desenvolvimento Sustentável da OAB-SP * PARTICIPAÇÃO Para colaborar, basta enviar e-mail para [email protected]. Os artigos publicados com assinatura não traduzem a opinião do jornal. Sua publicação obedece ao propósito de estimular o debate dos problemas brasileiros e mundiais e de refletir as diversas tendências do pensamento contemporâneo.
2016-11-03
opiniao
Opinião
http://www1.folha.uol.com.br/opiniao/2016/03/1748602-codigo-florestal-a-lei-da-insatisfacao-generalizada.shtml
O Supremo Tribunal, de guardião a dono da Constituição
Ocorreu um debate no início do século 20 sobre o papel que deveria desempenhar o órgão incumbido da guarda da Constituição. Como está acima das leis comuns, a dúvida era se as normas constitucionais deveriam ser guardadas por um órgão composto por juízes, semelhante ao nosso Supremo Tribunal Federal, ou por um órgão político, como o Senado Federal. A maioria das democracias ocidentais adota o primeiro modelo, jurisdicional. O problema ocorre quando esse órgão, ao invés de guardar a Constituição, entende-se como dono dela e a reescreve a cada julgamento. Uma das funções do direito é dar segurança jurídica às pessoas. Imaginem assinar um contrato de locação e ele ser interpretado como uma compra e venda? Foi algo semelhante a isso que o STF fez em seus julgamentos mais recentes. Entendeu-se dono da Constituição e a reescreveu. Está escrito na Constituição "ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória", e o STF entendeu que não era preciso o trânsito em julgado para que uma pessoa fosse desde logo presa após o julgamento em segunda instância. Também está escrito que "é inviolável o sigilo da correspondência e das comunicações telegráficas, de dados e das comunicações telefônicas, salvo, no último caso, por ordem judicial, nas hipóteses e na forma que a lei estabelecer para fins de investigação criminal ou instrução processual penal", e o STF decidiu que não é necessária ordem judicial, permitindo que o fisco da União, dos Estados e também o dos Municípios violem o sigilo dos contribuintes, para finalidades que não sejam penais. As pessoas podem gostar ou não do que está escrito na Constituição. Caso não gostem, devem buscar sua alteração através do Poder Legislativo. O que o STF fez foi se substituir ao Poder Legislativo, modificando direitos fundamentais, o que é muitíssimo perigoso. Haverá quem defenda esse procedimento, argumentando que se trata de um processo informal de modificação constitucional. Ledo engano. Não se mudam direitos fundamentais através de processos informais. Para fazer coro com o Ministro Marco Aurélio, que foi vencido nas duas votações, aquelas não foram "tardes felizes". Em nome de maior celeridade no aprisionamento de pessoas e de fiscalização tributária, o que pode até ser desejável, o STF está se tornando dono da Constituição. Por ora foi apenas um rapto. Temos que resgatá-la. FERNANDO FACURY SCAFF, advogado, é professor da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo - USP * PARTICIPAÇÃO Para colaborar, basta enviar e-mail para [email protected]. Os artigos publicados com assinatura não traduzem a opinião do jornal. Sua publicação obedece ao propósito de estimular o debate dos problemas brasileiros e mundiais e de refletir as diversas tendências do pensamento contemporâneo.
2016-10-03
opiniao
Opinião
http://www1.folha.uol.com.br/opiniao/2016/03/1748143-o-supremo-tribunal-de-guardiao-a-dono-da-constituicao.shtml
Sem golpe de cúpulas
É uma autêntica tradição da política brasileira que, em meio a crises lancinantes, apareça alguém com uma proposta parlamentarista. Cogita-se disso (ou de um "semipresidencialismo") na cúpula do Senado, que instalou comissão especial para estudar o tema. Em artigo recente na imprensa, o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso (PSDB) relançou a ideia de uma "Presidência forte e equilibradora, mas não gerencial". Para além das ambições pessoais deste ou daquele senador a que possa convir, compreende-se o atrativo da propositura. Sistemas parlamentaristas tornam a maioria no Legislativo responsável, porque interessada no êxito do governo, ao mesmo tempo em que permitem abreviar sem trauma uma administração que tenha fracassado. Por valorizar essas vantagens, do prisma doutrinário esta Folha apoia há décadas o parlamentarismo. Mas adotá-lo de improviso, num passe de mágica congressual, não parece indicado. Seria um remendo comparável ao de 1961, logo revogado pelo plebiscito de 1963, que restaurou os poderes da Presidência. Uma segunda consulta popular, feita em 1993 a mando da nova Constituição, confirmou a anterior por larga maioria (55,6% X 24,9%). A fim de não configurar intolerável golpe de cúpulas, qualquer solução do tipo demandaria aprovação num terceiro referendo. Sobretudo no caso de se pretender implantar a medida durante o atual mandato, seja com a atual presidente reduzida a figura decorativa, seja com o vice em seu lugar. Difícil crer, ainda assim, que a maioria do eleitorado se disponha a conferir mais poderes a um Congresso que é desprezado em escala quase universal. Mesmo que terminasse aceito, tal arranjo não estaria assentado em persistente campanha de persuasão pública que houvesse formado lastro na sociedade. Decerto seria a primeira coisa que o presidente eleito com imensa legitimidade em 2018 trataria de desfazer. Somadas as dificuldades, a sugestão resulta inviável. Parte de seu espírito, no entanto, poderá se materializar na prática, uma vez que um eventual governo Michel Temer (PMDB) necessitaria de ampla base parlamentar e concederia o que fosse necessário para conquistá-la, na tentativa de confinar na oposição apenas o que restasse do PT e sua franja ideológica. O futuro parece mais volátil do que nunca, exceto pela sólida convicção de que a solução da crise acontecerá dentro da lei. Em meio ao cenário desolador, as instituições têm dado provas de bom funcionamento. Não é hora de mexer na única parte do sistema que vai bem. [email protected]
2016-10-03
opiniao
Opinião
http://www1.folha.uol.com.br/opiniao/2016/03/1748245-sem-golpe-de-cupulas.shtml
Resgatar a imagem
O futebol mundial conhece um momento de mudanças dentro e fora dos gramados. No último sábado (5), poucos dias após a eleição do novo presidente da Fifa e a adoção de uma série de regras moralizadoras pela entidade, aprovou-se a realização de testes com imagens de vídeo para auxiliar os árbitros em lances duvidosos. A decisão tomada pela Ifab (International Football Association Board), órgão que regulamenta as regras do jogo, pode representar a queda de um tabu futebolístico. De modo anacrônico, o esporte resiste há anos a implementar um recurso já utilizado com sucesso no basquete, no tênis, no vôlei e no hóquei, por exemplo. O uso do vídeo será permitido apenas em lances capitais, como nos casos em que houver dúvida sobre gol ou marcação de um pênalti, além de situações envolvendo atitudes violentas. Os testes deverão começar até a metade do ano que vem. Se a medida for implementada em definitivo, deverá aumentar a lisura dos jogos e diminuir os equívocos que prejudicam o futebol como espetáculo e empreendimento. A CBF (Confederação Brasileira de Futebol), uma das entidades mais atuantes na defesa da iniciativa modernizadora, almeja pô-la em prática já no Campeonato Brasileiro deste ano, em agosto. Pretende, com isso, dar resposta a dirigentes insatisfeitos com os recorrentes erros de arbitragem no torneio do ano passado. Procura, ademais, atingir outro objetivo: resgatar um pouco da própria imagem, combalida pelos recentes escândalos de corrupção. Com esse intuito, a CBF criou no mês passado um comitê de reformas. Seus 17 integrantes têm a missão de propor alterações em temas que vão de seu Código de Ética ao calendário, passando pelo estatuto da entidade e pelo desenvolvimento do futebol feminino. As propostas devem ser apresentadas até o final de 2016. Tendo seus três últimos presidentes acusados pela Justiça americana de participação em um esquema de propinas e lavagem de dinheiro, à CBF só resta se mexer. Há, entretanto, justificadas dúvidas sobre a independência de um comitê de reformas composto majoritariamente de cartolas, presidentes de federações estaduais e pessoas ligadas à própria CBF. Diante da necessidade de modernizar o futebol brasileiro e aumentar a transparência de clubes e entidades desportivas, será uma pena se a iniciativa for somente, como se diz, para inglês ver. [email protected]
2016-09-03
opiniao
Opinião
http://www1.folha.uol.com.br/opiniao/2016/03/1747885-resgatar-a-imagem.shtml
Cadê o dinheiro do seguro agrícola?
O Sul, em especial a Serra Gaúcha, é responsável por 90 % da produção de vinhos do país, ocupando 42 mil dos mais de 80 mil hectares de videiras plantadas em todo o país para a produção de sucos, vinhos, espumantes e uvas para consumo in natura. Produzimos vinhos reconhecidos mundialmente, que abastecem o mercado nacional e para países como Estados Unidos, Reino Unido, Alemanha, Holanda e outros. O que torna a cultura tão especial é a quantidade de empregos que gera. Enquanto outras culturas são mecanizadas, a viticultura depende do agricultor, em uma proporção de quase 1 hectare para cada trabalhador. São cerca de 100 mil pessoas empregadas em toda a cadeia, segundo o Instituto Brasileiro do Vinho (Ibravin). Tão importante na base da economia gaúcha, o setor vem sofrendo sucessivas baixas. A principal delas, a queda de 65% da última safra por conta de questões climáticas, vem tirando o sono dos milhares de produtores. Além do prejuízo estimado de R$ 380 milhões, a subvenção federal do seguro agrícola de 2015, a ser pago pelo Ministério da Agricultura, até hoje não aconteceu. Somente no caso da uva e demais frutas de caroço, o valor do seguro a ser repassado é de R$ 30 milhões. Para não perder o direito ao seguro, muitos agricultores estão se desfazendo de seus bens para honrar a parte que caberia ao governo. Tenho feito inúmeras reuniões na Presidência da República, nos ministérios da Agricultura e Fazenda para tentarmos chegar a uma solução. Mesmo sensíveis ao problema, até agora não se chegou a uma solução para essa questão. O tempo passa e os agricultores sem veem cada vez mais endividados. Outra ameaça iminente é a importação a granel de suco de uva, vinhos e demais derivados da uva. O pedido partiu de algumas empresas e está em análise pelo governo. Porém, a importação, em especial da Argentina, pode agravar ainda mais a crise no setor. Vale ressaltar que os sucos de uva argentinos têm características qualitativas diferentes do nosso suco, perdendo em cor e sabor. Baixa produção e preço em queda forçado pela concorrência desleal podem decretar o fim de vinícolas centenárias. Muitos agricultores ameaçam abandonar suas produções e engrossar a fila dos desempregados na região Serra Gaúcha. Isso seria uma tragédia sem precedentes, não só para nossa economia, mas para as nossas tradições. Em plena Festa Nacional da Uva, em Caxias do Sul, principal evento para divulgação do setor, a preocupação com os rumos da produção é iminente. A falta de ação do governo também preocupa. Apesar dos rumores, uma boa notícia abre uma esperança: a redução do IPI (Imposto sobre Produtos Industrializados), anunciado pelo ministro do Trabalho e Previdência Social, Miguel Rossetto, na abertura da Festa, na solenidade representando a presidente Dilma Rousseff. A redução do IPI de 10% para 6%, em 2016, e 5%, em 2017, significa um alívio para os vinicultores, mas não irá impedir um aumento no preço do vinho nacional. Isso porque os insumos como garrafas, rolhas e embalagens - que tem custos dolarizados - e o aumento do ICMS que estamos aguardando uma compensação anunciada pelo governo do nosso estado do Rio Grande do Sul. Esse setor sozinho movimenta R$ 2,2 bilhões ao ano em todo o país. Precisamos tirar o Brasil dessa crise, que consome as famílias brasileiras e para isso, temos que fortalecer nossa produção! MAURO PEREIRA, 57, deputado federal (PMDB-RS) é presidente da Frente Parlamentar de Defesa e Valorização da Produção Nacional de Uvas, Vinhos, Espumantes e Derivados * PARTICIPAÇÃO Para colaborar, basta enviar e-mail para [email protected]. Os artigos publicados com assinatura não traduzem a opinião do jornal. Sua publicação obedece ao propósito de estimular o debate dos problemas brasileiros e mundiais e de refletir as diversas tendências do pensamento contemporâneo.
2016-09-03
opiniao
Opinião
http://www1.folha.uol.com.br/opiniao/2016/03/1747696-cade-o-dinheiro-do-seguro-agricola.shtml
Turbulência no dia a dia
Nada mais natural, num momento de grave crise política e econômica, que os debates girem em torno sobretudo de demandas urgentes e temas de grande impacto, como a gestão do Orçamento e a política monetária do país. Tais discussões, contudo, não abrangem todas as agruras que afligem os agentes econômicos. Abaixo da superfície, acumulam-se problemas no dia a dia das empresas, enquanto a agenda em favor da produtividade parece ter submergido em meio à turbulência. O último esforço concentrado nessa direção remonta ao início do primeiro mandato de Lula (PT), quando alguns avanços pontuais se revelaram importantes para o crescimento que se seguiu. A criação do crédito consignado, por exemplo, propiciou a redução dos juros e a expansão do volume de financiamento, com impacto positivo no segmento de bens duráveis, como eletrodomésticos. Outra melhoria relevante deu-se na legislação de alienação fiduciária, que suscitou maior segurança aos mercados e alavancou os empréstimos para carros e imóveis. De lá para cá, entretanto, pouco se avançou. Houve, em muitos casos, grande retrocesso. A partir de 2008, em particular, o governo petista trilhou rumo mais intervencionista, com mudanças frequentes de regras, redução de transparência e deterioração na regulação em setores estratégicos, como energia e infraestrutura. Testemunho da degradação é a piora persistente da posição do país nas listas internacionais de competitividade. Segundo relatório do Banco Mundial, o Brasil ocupa a 116ª posição em termos de qualidade do ambiente de negócios. Itens cruciais para o bom funcionamento da economia ainda carecem de atenção. Continua a ser difícil e custoso, por exemplo, enfrentar o problema insolvência de empresas, que, no Brasil, toma em média quatro anos –o dobro ou mais que o observado na maior parte dos países desenvolvidos. Pior ainda, a recuperação de valores de empresas insolventes é uma fração da obtida nos melhores casos, pois no Brasil não se conseguem preservar adequadamente os ativos durante os procedimentos. Isso para nada dizer do cada vez mais impenetrável emaranhado regulatório, que onera as empresas. O desenvolvimento é processo de longo prazo, ancorado em permanente esforço de amadurecimento institucional. Verdade que essa disposição edificadora não guarda regras fixas; depende da tradição social e cultural de cada país. O esforço, contudo, precisa ser incessante, sob pena de decaimento, como se vê hoje. É o trabalho do detalhe –no mais das vezes ele não rende manchetes, mas é essencial para restaurar a disposição ao investimento. [email protected]
2016-09-03
opiniao
Opinião
http://www1.folha.uol.com.br/opiniao/2016/03/1747887-turbulencia-no-dia-a-dia.shtml
A mácula da ilegalidade
Há muito se anuncia que Lula é o real alvo da Operação Lava Jato. Na última sexta (4) realizou-se a profecia. Escolhido o criminoso, foi preciso encontrar o crime. A devassa na vida familiar do ex-presidente, na de seus familiares e colaboradores e a condução coercitiva foram as formas eleitas para tal desfecho. Surpreendeu a todos que zelam pelo Estado democrático de Direito a decisão proferida pelo juiz Sergio Moro, a pedido dos integrantes da Lava Jato. Nem mesmo o fato de a operação já ter emitido 117 mandados de condução coercitiva (condução compulsória por agentes policiais) tem o condão de legitimar a ilegalidade agora praticada. No presente caso, sem a existência dos requisitos legais, o juiz autorizou, além da condução coercitiva, a realização de busca e apreensão em residências e escritórios. Moro ancorou a medida, de forma inusitada, na necessidade de garantir a própria segurança do depoente e "evitar possíveis tumultos". Registra-se que, na mesma semana, o Tribunal de Justiça de São Paulo havia concedido liminar reconhecendo a impossibilidade da condução coercitiva anunciada pelo promotor de Justiça Cassio Roberto Conserino, decisão que, sem dúvida, é parâmetro para confirmar a ilegalidade autorizada por Moro, da 13ª Vara Federal de Curitiba. Ilustres juristas e representantes dos tribunais superiores manifestaram espontânea indignação. A ilegalidade se estendeu a cada detalhe da operação. Fotos tiradas de dependências íntimas de familiares de Lula acabaram nas revistas sensacionalistas costumeiras. No Instituto Lula, os agentes que cumpriram o mandado de busca e apreensão levaram as senhas de acesso a todos os e-mails, embora não houvesse mandado judicial com essa amplitude. Foi arrombada uma porta no interior do estabelecimento, a despeito da informação de que chaves estavam prestes a chegar. Filhos do ex-presidente também foram alvos de abusos. Policiais invadiram a residência de Luis Cláudio Lula da Silva e apreenderam documentos e objetos nas sedes das empresas LFT e Touchdown, de sua propriedade, com base em mandado emitido contra empresa diversa estabelecida em outro endereço. Na garagem do apartamento de Fábio Lula da Silva, agentes fotografaram veículos de outros moradores como se fossem dele. Nas residências dormiam netos de Lula no momento do cumprimento dos mandados. O depoimento de Lula, tomado por dois delegados da Polícia Federal e por dois membros do Ministério Público Federal (MPF), foi marcado por perguntas já respondidas nos três depoimentos anteriores prestados de forma espontânea ao MPF e à PF, sobre questões referentes ao tríplex em Guarujá (SP), ao sítio em Atibaia (SP) e às supostas benfeitorias feitas nesses locais. Os documentos relativos aos imóveis, dotados de fé pública, indicam quem são os efetivos proprietários. O sítio foi comprado por meio de cheques administrativos emitidos por Fernando Bittar e Jonas Suassuna. Os imóveis estão situados em São Paulo e não possuem qualquer relação com a Justiça Federal do Paraná. Não havia fato que justificasse a condução coercitiva, pois tudo já fora respondido. Não houve recusa a novo depoimento. O que ocorreu, inegavelmente, foi um grave atentado à liberdade de locomoção de um ex-presidente da República sem qualquer base legal. A tentativa de vincular Lula a um "esquema de formação de cartel e corrupção na Petrobras" apenas atende a anseio pessoal das autoridades envolvidas na operação, além de configurar infração de dever funcional, na medida em que a nota emitida pelo MPF antecipou juízo de valor, o que é vedado pelo Conselho Nacional do Ministério Público. Não se contesta que o respeito devido a Lula é o mesmo que se deve a qualquer outro cidadão brasileiro. Mas, da mesma forma, Lula, como qualquer outro cidadão, não pode ser exposto ao arbítrio e ao prejulgamento. Lula jamais participou ou foi beneficiado por qualquer ato ilegal. ROBERTO TEIXEIRA, 71, advogado de Lula desde os anos 1980, foi presidente da subseção da OAB - Ordem dos Advogados do Brasil - de São Bernardo do Campo (1981 a 1985) CRISTIANO ZANIN MARTINS, 40, é advogado de Lula * PARTICIPAÇÃO Para colaborar, basta enviar e-mail para [email protected]. Os artigos publicados com assinatura não traduzem a opinião do jornal. Sua publicação obedece ao propósito de estimular o debate dos problemas brasileiros e mundiais e de refletir as diversas tendências do pensamento contemporâneo.
2016-09-03
opiniao
Opinião
http://www1.folha.uol.com.br/opiniao/2016/03/1747799-a-macula-da-ilegalidade.shtml
Pressa, sem atropelo
Para usar uma expressão popular, partidos de oposição e movimentos contra a presidente Dilma Rousseff (PT) atiraram no que viram, acertaram no que não viram. No final do ano passado, mesmo antes de o Supremo Tribunal Federal (STF) botar freios no rito de impeachment adotado pelo deputado Eduardo Cunha (PMDB-RJ), presidente da Câmara, líderes oposicionistas mostravam-se dispostos a, de forma temporária, diminuir a pressão sobre o governo. Calculavam que três meses de inevitável paralisia provocariam o agravamento da crise econômica; o apoio ao afastamento de Dilma, que parecia refluir em dezembro, voltaria com toda a força em março. Por motivos muito diversos, os dias que antecedem as manifestações do próximo dia 13 têm sido marcados por grande agitação política. O combustível, entretanto, não veio exatamente da divulgação do PIB ou dos dados sobre a inflação e o desemprego, mas das frentes investigativa e judicial. À recente prisão de João Santana, marqueteiro das campanhas de Dilma, somou-se a notícia, conhecida na quinta-feira (3), de que Delcídio do Amaral (PT-MS) fechara acordo de delação premiada. Um dia depois, o ex-presidente Lula viu-se obrigado a comparecer perante a autoridade policial. Seguiram-se, e ainda não cessaram, discursos inflamados acerca da condução coercitiva de Lula. Num exagero retórico, Dilma a classificou como "violência injustificável"; o ex-presidente aproveitou a ocasião para assumir o papel de vítima e atiçar a militância. Por coincidência, Michel Temer (PMDB) tinha agenda pública no domingo (6). Tietê, cidade do interior paulista onde o vice-presidente nasceu, comemorava 174 anos. Na solenidade, sem transparecer a mesma ânsia de agosto ou dezembro, Temer novamente defendeu a união para tirar o país da crise, num esforço para o qual contribuiria "a iniciativa privada, prestigiada pelo poder público". A jogada estava feita; o vice quer soar como a voz ponderada num ambiente cada vez mais conflagrado. Parte do PMDB também se mexeu. Alguns diretórios planejam discutir, no próximo final de semana, a ruptura com o PT. Enquanto isso, vendo o governo acuado, oposicionistas abandonam qualquer compromisso com a responsabilidade e anunciam a intenção de bloquear a pauta do Congresso até que se constitua a comissão especial para discutir o impeachment de Dilma na Câmara. Nesta segunda-feira (7), dois novos lances abriram o tabuleiro. Eduardo Cunha, cuja presença tem contaminado o processo de impeachment, foi notificado do processo de cassação no Conselho de Ética. O STF, por sua vez, começou a liberar os votos que definiram o rito do afastamento presidencial. Em ritmo frenético, as peças se movem. Desde que não haja atropelos, é melhor assim. Seja qual for o desenlace, o Brasil não pode continuar refém da crise política. [email protected]
2016-08-03
opiniao
Opinião
http://www1.folha.uol.com.br/opiniao/2016/03/1747444-pressa-sem-atropelo.shtml
Agentes de transformação
Os rumos da equidade e do fortalecimento da mulher traçados em nosso mercado de trabalho me deixam muito confiante. Por certo ainda temos bastante a crescer, mas não podemos esquecer o quanto avançamos nesse assunto. Vemos atualmente mulheres ocupando altos cargos em empresas antes totalmente masculinas. No varejo, na década de 1990, quando assumi a superintendência do Magazine Luiza, era a única representante mulher nesse segmento. Nunca procurei equiparar-me a um modelo masculino, nunca deixei de ser feminina para poder exercer minha liderança. Tive sempre a certeza de que nossa forma de gestão, a maneira como percebemos as coisas, faria a diferença nas organizações. Nada melhor do que perceber que essa hora chegou. Intuição, flexibilidade no lidar e poder de realizar várias atividades ao mesmo tempo são algumas das qualidades necessárias aos líderes de hoje. Vivemos um período de conquistas e valorização alcançadas pelas próprias mulheres –e o melhor, com diversos exemplos de lideranças bem-sucedidas em ambientes muitas vezes extremamente masculinos. Podemos citar como exemplo as gestões de Claudia Sender, Sonia Hess, Chieko Aoki, Duda Kertész, Janete Vaz, Sandra Costa, Annette de Castro, entre tantas outras. Criamos recentemente o Grupo Mulheres do Brasil, que conta com representantes de dezenas de áreas de atuação. Sonho que iremos contribuir de forma concreta para as diversas mudanças necessárias. Estamos juntando forças para isso. Outra questão importante são as cotas para mulheres em conselhos de administração. Sou totalmente favorável a qualquer tipo de ação temporária para combater uma distorção causada pela sociedade, distorção que levará dezenas de anos para ser corrigida se esse sistema não for adotado. Há variados motivos para explicar o pequeno número de mulheres no comando de grandes empresas. Certamente o preparo intelectual e a capacidade de trabalho não estão entre eles. As mulheres, é óbvio, estão aptas a ocupar essas vagas e totalmente em sintonia com as modernas tendências de administração. Os Princípios de Empoderamento das Mulheres, criados pelo Pacto Global e a ONU Mulheres, elencam as lutas sempre defendidas por nós, como igualdade de gênero, maiores investimentos em saúde e educação e engajamento social. Acho fundamental o apoio de empresas e entidades a este pacto –se não por engajamento na causa, que seja por inteligência. Está provado que o consumo do mundo inteiro é movido pela mulher. Recentemente estive no Japão com integrantes do Grupo Mulheres do Brasil e fiquei impressionada com a importância dada às políticas de valorização da mulher em um país tão tradicional. O próprio primeiro-ministro japonês esteve em todas as reuniões e entrou em todas as discussões para entender as formas de ampliar o protagonismo do papel feminino. Nós mulheres devemos ser agentes de transformação da sociedade. Precisamos ampliar nossa participação na economia, na política e fazer a diferença no Brasil. LUIZA HELENA TRAJANO é presidente do Conselho de Administração do Magazine Luiza e do IDV - Instituto para Desenvolvimento do Varejo * PARTICIPAÇÃO Para colaborar, basta enviar e-mail para [email protected]. Os artigos publicados com assinatura não traduzem a opinião do jornal. Sua publicação obedece ao propósito de estimular o debate dos problemas brasileiros e mundiais e de refletir as diversas tendências do pensamento contemporâneo.
2016-08-03
opiniao
Opinião
http://www1.folha.uol.com.br/opiniao/2016/03/1747420-agentes-de-transformacao.shtml
Planos nada didáticos
Começou repleto de dificuldades o ano letivo de centenas de milhares de alunos das redes estadual e municipal de São Paulo. Três semanas após o início das aulas, cerca de 125 mil estudantes da capital não haviam recebido da prefeitura seus uniformes escolares. Além disso, a 541 mil alunos –nada menos que dois terços da rede– não tinham sido entregues os kits compostos por lápis, canetas, cadernos e outros apetrechos. À falta de boa justificativa, a administração Fernando Haddad (PT) se defende com uma desculpa esfarrapada. Atribui os atrasos a dificuldades na distribuição e ao tamanho da rede, como se fossem desconhecidos o número de alunos ou a data do início das turmas. No âmbito estadual, as falhas atingem a alimentação dos estudantes. Ao menos 90 mil deles tiveram a merenda alterada. O prato de arroz, feijão, carne e salada deu lugar a bolacha e leite. O declínio nutricional ocorreu em diversos municípios. Recebendo repasses inferiores aos custos da refeição, prefeituras decidiram suspender o convênio que mantinham com o governo paulista. Por lei, cabe a este assumir o fornecimento. A gestão Geraldo Alckmin (PSDB), porém, não se mostrou capaz de prover a rede do antigo cardápio no início do ano letivo. Afetando área estratégica para o desenvolvimento nacional, os problemas com materiais escolares e merenda seriam criticáveis mesmo se tivessem origem na penúria orçamentária que o país conhece. Os governos Alckmin e Haddad, porém, deram exemplo de outra característica deplorável do poder público: a falta de planejamento. Cumpre chamar a atenção para isso. O país vem buscando superar gargalos no ensino. Com esse fim aprovou-se, em 2014, o Plano Nacional de Educação. Entre os exageros dessa carta de boas intenções está a determinação de elevar até 10% do PIB os gastos no setor. Não que debater o orçamento seja ruim; o problema está em, como sempre, deixar a eficiência de lado. Num país como o Brasil, todos deveriam se empenhar em aproveitar melhor os recursos disponíveis. Trata-se, entre outras coisas, de bom planejamento –e tanto Geraldo Alckmin como Fernando Haddad deram mostra didática do que ocorre quando falta esse atributo. [email protected]
2016-08-03
opiniao
Opinião
http://www1.folha.uol.com.br/opiniao/2016/03/1747445-planos-nada-didaticos.shtml
Do teto de vidro a um tapete de cacos
Como um menino crescendo na Coreia do pós-guerra, lembro-me de perguntar sobre uma tradição que observava: as mulheres em trabalho de parto deixavam seus calçados em uma soleira e, em seguida, olhavam para trás com medo. "Elas se questionam se irão usá-los novamente", explicou minha mãe na ocasião. Mais de meio século depois, a memória continua a me assombrar. Em partes pobres do mundo, as mulheres ainda enfrentam risco no processo de gestação da vida, um dos muitos perigos evitáveis. Bebês do sexo feminino são vítimas de mutilação genital. Meninas são atacadas em seu caminho para a escola. Os corpos das mulheres frequentemente servem de campos de batalha nas guerras. Só podemos resolver esses problemas por meio da capacitação das mulheres como agentes de mudança. Por mais de nove anos, coloquei essa filosofia em prática nas Nações Unidas. Temos quebrado tantos telhados de vidro que criamos um tapete de cacos. Agora, estamos varrendo as suposições e os preconceitos de antes, para que as mulheres possam ultrapassar novas fronteiras. Nomeei a primeira comandante de uma Força de Paz da ONU, e levei a representação das mulheres aos maiores níveis da história de nossa organização. Mulheres são agora líderes no coração da paz e da segurança, um âmbito que já foi domínio exclusivo dos homens. Atualmente, quase um quarto de todas as missões da ONU são chefiadas por mulheres. Ainda não é o suficiente, mas o grande avanço é inegável. Para garantir que este progresso seja duradouro, desenvolvemos uma iniciativa em todo o sistema da ONU. Antes vista como uma ideia louvável, a igualdade de gênero tornou-se uma política consistente. No passado, só pequenas partes dos orçamentos da ONU eram destinadas ao tema; hoje o padrão é investir um terço deles, em tendência crescente. Confúcio ensinou que, para colocar o mundo em ordem, temos de começar por nossos próprios círculos. Armado com a prova do valor das líderes na ONU, divulguei o empoderamento das mulheres. Tenho insistido na igualdade entre homens e mulheres e pedido enfaticamente medidas para alcançá-la em diversas ocasiões, como em discursos em parlamentos e universidades, em conversas com líderes mundiais e executivos, em encontros com homens poderosos que comandam sociedades patriarcais. Quando assumi a secretaria-geral da ONU, havia nove parlamentos pelo mundo sem mulheres. Ajudamos a reduzir esse número para quatro. Lancei a campanha "Una-se" pelo fim da violência contra as mulheres, em 2008. Atualmente, dezenas de líderes e ministros, centenas de parlamentares e milhões de pessoas acrescentaram seus nomes a essa mobilização. Fui o primeiro homem a assinar a nossa campanha HeForShe –ElesPorElas no Brasil–, e mais de 1 milhão de outros se uniram desde então. Coloquei-me ao lado dos ativistas que pedem o fim da mutilação genital feminina e comemorei a primeira resolução da Assembleia Geral da ONU sobre o tema. Estou ecoando apelos de muitos para que as mulheres possam tornar bem-sucedidos o Acordo de Paris sobre o clima e nossa ambiciosa agenda 2030 para o desenvolvimento sustentável. Neste Dia Internacional das Mulheres, persisto indignado com a negação de direitos para as mulheres e meninas –e, ao mesmo tempo, me inspiro em pessoas que agem sabendo que o empoderamento das mulheres leva ao progresso de toda a sociedade. Devemos dedicar recursos contínuos, uma defesa corajosa e uma vontade política inabalável para alcançar de fato a igualdade de gênero. Não há maior investimento no nosso futuro comum. BAN KI-MOON é secretário-geral da ONU - Organização das Nações Unidas * PARTICIPAÇÃO Para colaborar, basta enviar e-mail para [email protected]. Os artigos publicados com assinatura não traduzem a opinião do jornal. Sua publicação obedece ao propósito de estimular o debate dos problemas brasileiros e mundiais e de refletir as diversas tendências do pensamento contemporâneo.
2016-08-03
opiniao
Opinião
http://www1.folha.uol.com.br/opiniao/2016/03/1747407-do-teto-de-vidro-a-um-tapete-de-cacos.shtml
Somos todas donas da rua
No começo, a Turminha era formada só de meninos: Franjinha, Cebolinha, Chico Bento. Até que começaram a perguntar para o meu pai: "Cadê as meninas?". Mauricio conhecia mais o universo dos garotos. Foi aí que ele começou a olhar em volta e percebeu que poderia se inspirar nas filhas. Em 1963, Mônica estreou na tirinha do Cebolinha e encantou todo mundo com um jeito que não era considerado exatamente feminino para a época. Ela era forte, decidida, dona da rua. Eu era também. Meu pai sempre me deixou ser do meu jeito, sem me limitar por ser menina. Para ele, minha autenticidade (e de todos nós, seus dez filhos) sempre foi importante. É só ver, nos gibis, as peculiaridades de cada personagem baseado em nós. Quando uma menina ou mulher é mais, digamos, assertiva, logo leva a fama de mandona. Mas, para mim, o que a Mônica sempre teve foi uma autoconfiança enorme, além de um grande sentimento de responsabilidade em relação a seus amigos. Meninas em todo o Brasil e em vários países do mundo se identificam com a dentucinha, cuja força maior não é a física: é a força de quem acredita em seus sonhos e capacidades. Na época em que a personagem nasceu, os anos 1960, as mulheres começavam a ganhar mais espaço no mercado de trabalho. No ano de publicação da primeira tirinha em que a Mônica aparece, a russa Valentina Tereshkova foi a primeira mulher a viajar ao espaço. Mas o caminho foi longo. Fazia pouco menos de três décadas que as brasileiras haviam conquistado o direito ao voto. Em 1964, foi criada a Magali, mais delicada, conciliadora (além de comilona, claro!). Mais alguns anos e chegou a Rosinha e tantas outras. Cada uma com seu jeito. Os meninos e meninas da Turma são diferentes? Com certeza. Mas brincam de casinha, de futebol, de viagem espacial, do que quiserem brincar. Juntos. E, como a Mônica nunca foi limitada pelo fato de ser menina, elas e eles também não são. Têm os mesmos direitos e oportunidades. São iguais na diferença. Como são, naturalmente, as crianças. Ou como deveriam ser. Mas as crianças, também naturalmente, seguem os exemplos dos adultos, não é? Por isso precisamos ser bons exemplos para eles. Pois é, em pleno século 21, ainda há muito a conquistar. Como diretora executiva de uma grande empresa, sou, do mesmo modo que a Mônica das historinhas, uma exceção. No Brasil, as mulheres ocupam apenas 5% das vagas nos conselhos das empresas e entre 8% e 16% dos cargos de alta liderança. Já temos uma mulher na Presidência, mas, no Congresso, são apenas 13 senadoras para um total de 81 vagas e 51 deputadas para 513 cadeiras na Câmara Federal. A nova geração tem a oportunidade de mudar esse quadro, com a nossa ajuda. A violência contra mulheres e meninas tem raízes na discriminação e na desigualdade e começa cedo, portanto, a prevenção precisa acompanhar esse fator desde a educação de meninos e meninas, a fim de promover relações de gênero mais respeitosas. Desde 2007, a Mônica é embaixadora do Unicef (Fundo das Nações Unidas pela Infância), emprestando sua força para defender os direitos das crianças e adolescentes. Neste ano de 2016, a Mauricio de Sousa Produções tem o orgulho de se tornar signatária dos princípios do ONU Mulheres. Fundamentada na visão de igualdade consagrada na Carta das Nações Unidas, a ONU Mulheres, entre outras questões, trabalha para a eliminação da discriminação contra as mulheres e meninas e a realização da igualdade entre mulheres e homens como parceiros e beneficiários do desenvolvimento, direitos humanos, ação humanitária e paz e segurança. Neste dia 8 de março, queremos mais que homenagens. Queremos respeito. Como a Mônica, as meninas podem ser as donas da rua e do mundo. MÔNICA SOUSA, 55, diretora comercial da Mauricio de Sousa Produções, é formada em desenho industrial pela Universidade Presbiteriana Mackenzie e especializada em marketing pela Escola Superior de Propaganda e Marketing - ESPM * PARTICIPAÇÃO Para colaborar, basta enviar e-mail para [email protected]. Os artigos publicados com assinatura não traduzem a opinião do jornal. Sua publicação obedece ao propósito de estimular o debate dos problemas brasileiros e mundiais e de refletir as diversas tendências do pensamento contemporâneo.
2016-08-03
opiniao
Opinião
http://www1.folha.uol.com.br/opiniao/2016/03/1747369-somos-todas-donas-da-rua.shtml
Sinais sinistros
Os grandes bancos brasileiros avaliam que a inadimplência vai crescer de modo expressivo a partir do segundo semestre deste ano. As maiores instituições financeiras constituem posto avançado da observação das dificuldades de pagamento na economia, dada a extensão de sua rede de atendimento. Mesmo antes desse período crítico, entretanto, tornam-se evidentes os sinais de que a crise se espalha pelas ruas. O número de pedidos de recuperação judicial triplicou no primeiro bimestre deste ano, em relação ao início de 2015, segundo dados da Boa Vista SCPC, empresa de registro de qualidade de crédito. Começam a pipocar notícias de que redes de vendas de roupas e brinquedos, por exemplo, procuram a Justiça a fim de tentar reordenar suas finanças e preservar negócios e empregos. Entre algumas das maiores empresas do país, o nível de endividamento é inédito, passando de três vezes sua geração de caixa. Trata-se do limiar do nível preocupante. Ressalte-se, ademais, que é um indicador médio: há empresas em dificuldades maiores. Grandes e tradicionais redes de lojas como o Grupo Pão de Açúcar e a Magazine Luiza registraram prejuízos no ano passado. Também em 2015 as vendas do comércio de varejo baixaram 4,3%. De 2004 a 2014, a média anual de crescimento das vendas havia sido de 7%. Este ano começou em ritmo depressivo. A Associação Brasileira de Supermercados anotou queda de 3,4% nas vendas de janeiro, ante igual mês de 2015. Trata-se de empresas que negociam produtos essenciais, do consumo cotidiano. Em setores que vendem bens de maior valor, que dependem de crédito e, enfim, que podem ter sua compra postergada, a situação é dramática. A produção das montadoras no primeiro bimestre deste ano foi 31,6% menor que nos primeiros meses de 2015. A quantidade de veículos fabricados caiu ao menor nível desde 2003. É provável que a recessão de 2016 seja equivalente à de 2015, quando o PIB recuou 3,8%. Com uma circunstância agravante: as agruras de uma economia degradada serão mais sentidas no dia a dia. O desemprego será maior, assim como a redução nacional dos salários médios. As empresas mais e mais evidenciam dificuldades de caixa. Não restaram gorduras, inadimplências tornam-se inevitáveis. Não é razoável supor que seja possível reverter tal situação ainda neste ano. O estrago está encomendado. Causa enorme preocupação que nem ao menos surjam à vista planos para atenuar a crise em 2017. Muito pior, não há à vista governo capaz de fazê-lo. Não há governo, a bem da verdade. [email protected]
2016-07-03
opiniao
Opinião
http://www1.folha.uol.com.br/opiniao/2016/03/1747014-sinais-sinistros.shtml
Campanha da Fraternidade e saneamento
O papa Francisco convidou as pessoas a se mobilizarem para a Campanha da Fraternidade desse ano afirmando que "o acesso à água potável e ao esgotamento sanitário é condição necessária para a superação da injustiça social e para a erradicação da pobreza e da fome, para a superação dos altos índices de mortalidade infantil e de doenças evitáveis e para a sustentabilidade ambiental". Oxalá essa manifestação do papa induza os serviços de saneamento, a imprensa, o Ministério Público e as organizações não governamentais a unirem esforços para reverter um quadro de atraso do Brasil em relação a países com renda per capita parecida com a nossa. É preciso transformar intenções em ações. Na prática, o que precisa ser feito? Primeiro, melhorar a produtividade dos serviços de saneamento. Fazer mais com menos. Os desafios técnicos, econômicos e financeiros devem ser enfrentados com intenso trabalho e persistência, com a consciência de que o problema não se resolve num estalar de dedos. É tarefa para muitos anos. Segundo, compreender que se o objetivo é maximizar o bem-estar da sociedade com os recursos disponíveis, o melhor é priorizar investimentos em tratamento e distribuição de água, depois na coleta de esgoto e por último no tratamento de esgoto. Ou seja, devemos fazer como os países desenvolvidos que, no estágio em que agora estamos, colocaram a saúde das pessoas acima de qualquer outra consideração. Terceiro, mudar padrões urbanísticos, jurídicos e técnicos para viabilizar a coleta de esgoto nos assentamentos irregulares. Entre o ótimo (regularizar as áreas invadidas) e o bom (atender o que tecnicamente for possível), não devemos optar pelo péssimo (manter o status quo). Quarto, beneficiar todas as famílias carentes com a tarifa social (cinco litros de água custam menos que um centavo), para que as contas de água estejam adequadas à capacidade de pagamento. Em compensação, a população com maior renda deve exigir um serviço de primeiro mundo e estar disposta a pagar o correspondente custo. Como todos, os de maior e de menor renda, devem receber idênticos serviços de saneamento, parte do custo do atendimento às famílias humildes tem que ser embutida nas contas dos demais consumidores ou coberta por repasses governamentais, arcados pelos contribuintes. A conta de água resulta de um "rateio de custos" que considera exclusivamente o serviço prestado de forma coletiva à população, e não o serviço que deveria ser prestado. Ou seja, o consumidor não paga pelo que não recebe, ao contrário do que muitos pensam. Por isso, as contas de água em Londres ou Paris –cidades com todos os investimentos para o saneamento já concluídos– são bem mais elevadas do que as contas em São Paulo ou no Rio, onde muito ainda resta fazer. Por outro lado, os rios Tâmisa e Sena são bem mais limpos do que o Tietê ou a baía de Guanabara. Como é óbvio, não é possível prestar serviço completo com tarifas que cobrem apenas parte do custo do que precisa ser feito. A Campanha da Fraternidade desse ano semeia em solo fértil porque a crise hídrica serviu para conscientizar sobre o valor da água. Mesmo agora, quando a crise passou, a população mantém os bons hábitos de combate ao desperdício. Para avançar na solução dos muitos problemas ainda pendentes relacionados ao saneamento devemos seguir o ensinamento de são Francisco de Assis: "comece fazendo o que é necessário, depois o que é possível, e de repente você estará fazendo o impossível". JERSON KELMAN é presidente da Sabesp e professor da Instituto Alberto Luiz Coimbra de Pós-Graduação e Pesquisa de Engenharia da Universidade Federal do Rio de Janeiro * PARTICIPAÇÃO Para colaborar, basta enviar e-mail para [email protected]. Os artigos publicados com assinatura não traduzem a opinião do jornal. Sua publicação obedece ao propósito de estimular o debate dos problemas brasileiros e mundiais e de refletir as diversas tendências do pensamento contemporâneo.
2016-07-03
opiniao
Opinião
http://www1.folha.uol.com.br/opiniao/2016/03/1746683-campanha-da-fraternidade-e-saneamento.shtml
Responsabilidade empresarial
Com a emergência de empresas que operam transnacionalmente, a responsabilidade das corporações em proteger os direitos humanos ganhou centralidade na agenda internacional. Em 2011, a ONU aprovou os "Princípios Ruggie", sobre o compromisso das corporações na garantia desses direitos. Para implementar os princípios, criou-se o Grupo de Trabalho Empresas e Direitos Humanos, e se debate a criação de um tratado vinculante. O grupo visitou o Brasil em 2015. A coincidência da visita com tragédia de Mariana realçou o acerto do roteiro da missão, focado na violação aos direitos socioambientais. Meses após o ocorrido, a Samarco ainda não apresentou respostas adequadas para a reparação das vítimas e do meio ambiente, nem para a prevenção de novos acidentes. Em outro caso recente, o Brasil deve ser condenado pela Corte Interamericana de Direitos Humanos pelo uso de trabalho escravo por empresários ruralistas no Pará. Essas situações ilustram a falta de consenso sobre formas e limites para responsabilizar empresas que violam direitos humanos em suas atividades econômicas. Mas há exemplos internacionais inspiradores: na última década, empresas foram denunciadas em casos de grande visibilidade nos Estados Unidos, na União Europeia e na Argentina. A busca por justiça pode ser tanto por violações em tempos democráticos quanto em contextos de guerra e autoritarismo. Comissões da Verdade do Quênia, da Libéria, de Serra Leoa, da África do Sul e do Timor Leste incorporaram o tema em suas investigações. A Argentina aprovou a criação de uma comissão exclusiva para o tema da cumplicidade empresarial com a ditadura. Em distintas medidas, os setores empresarial e financeiro apoiaram a ditadura no Brasil. O relatório da Comissão Nacional da Verdade expõe claras evidências sobre as relações entre o regime autoritário e os atores econômicos. Dentre as corporações apontadas está a Volkswagen, contra a qual foi instaurada investigação no Ministério Público Federal de São Paulo por provocação de um grupo de sindicatos que reuniu vasta documentação sobre as violações praticadas durante a ditadura. O procedimento é recente, mas a celeridade para reparação espontânea dos danos por práticas hoje consideradas abomináveis é medida esperada para uma empresa desse porte. É fundamental combinar ações voluntárias e coercitivas. Um bom exemplo é o Termo de Ajustamento de Conduta firmado pelo Itaú com o Ministério Público Federal de Minas Gerais por conta da referência ao "aniversário da revolução" de 64 em sua agenda de 2014. O Itaú assumiu espontaneamente uma responsabilidade por dano à memória coletiva, abraçando a reparação aos povos indígenas vítimas da ditadura ao arcar com projetos culturais. O cumprimento dessas obrigações é uma relação virtuosa não apenas com a democracia e os direitos humanos, mas com o Estado de Direito, combinando o dever do Estado de proteger e a responsabilidade das corporações em respeitar e garantir os direitos humanos. INÊS VIRGINIA P. SOARES, 47, é procuradora regional da República em São Paulo JUAN PABLO BOHOSLAVSKY, 39, é especialista independente da ONU para dívida externa e direitos humanos MARCELO TORELLY, 31, advogado, é membro da comissão de altos estudos do Memórias Reveladas, projeto que reúne a documentação sobre a ditadura * PARTICIPAÇÃO Para colaborar, basta enviar e-mail para [email protected]. Os artigos publicados com assinatura não traduzem a opinião do jornal. Sua publicação obedece ao propósito de estimular o debate dos problemas brasileiros e mundiais e de refletir as diversas tendências do pensamento contemporâneo.
2016-06-03
opiniao
Opinião
http://www1.folha.uol.com.br/opiniao/2016/03/1746669-responsabilidade-empresarial.shtml
Regras para a cidade
A filosofia geral do Plano Diretor adotado para São Paulo em 2014 de fato parece ter sobrevivido razoavelmente à máquina trituradora de políticas públicas instalada na Câmara Municipal paulistana. Daí não se segue, porém, que a discussão sobre mudanças feitas por vereadores constitua falsa polêmica, como quis fazer crer o secretário municipal de Desenvolvimento Urbano, Fernando de Mello Franco, em entrevista a esta Folha. A nova lei de zoneamento, aprovada por 45 votos a 8, vai disciplinar o funcionamento da cidade por pelo menos uma década. Ela define o que pode ser construído e que atividade pode existir em cada quarteirão de São Paulo. No geral, o texto mantém o princípio consensual entre urbanistas de que é desejável promover o adensamento populacional perto de eixos de transporte público e aproximar empregos das moradias. Tais objetivos se traduzem em permissões para construir prédios mais altos nas cercanias de avenidas com estrutura de transportes públicos. Outras vertentes destacadas são a multiplicação de corredores de comércio, de áreas industriais na periferia e de zonas especiais de interesse social, nas quais se incentivará a construção de unidades de moradia popular. Ocorre que, dentre as cerca de 120 emendas que os vereadores acrescentaram à proposta do prefeito Fernando Haddad (PT), existem algumas que violam flagrantemente o espírito do Plano Diretor. Liberou-se, por exemplo, a construção de apartamentos com mais de uma vaga de garagem perto de estações de metrô, trens e corredores de ônibus. A restrição visiva a inibir a adesão ao carro e evitar um estrangulamento nessas áreas, que terão prédios mais altos. Além disso, alguns bairros tombados, como Jardins, Pacaembu e City Lapa, ficaram imunes à expansão de lojas em áreas residenciais. Por pressão de igrejas, permitiu-se o funcionamento de templos em ruas pequenas e maior quantidade de frequentadores; diminuiu-se a multa por excesso de ruído. São apenas exemplos de modificações introduzidas pelos vereadores que terão de passar por escrutínio do público e da prefeitura. A vereança paulistana representa em muitos aspectos vários grupos que compõem a diversidade de São Paulo, mas de maneira imperfeita e sob a influência poderosa de interesses econômicos, imobiliários e eleitorais. Só a vigilância do público poderá garantir que o zoneamento aprovado não redunde numa colcha de retalhos que tornará a cidade ainda mais caótica do que já é hoje. [email protected]
2016-06-03
opiniao
Opinião
http://www1.folha.uol.com.br/opiniao/2016/03/1746777-regras-para-a-cidade.shtml
Nova lei de zoneamento de São Paulo será benéfica para a cidade? Sim
PROPOSTA CUMPRE SEU PAPEL Não é a primeira vez que a poderosa lei de zoneamento de São Paulo, braço operacional do Plano Diretor, passa por revisão. Foi originalmente elaborada em 1972, fruto do PDDI (Plano Diretor de Desenvolvimento Integrado), que substituiu o natimorto PUB (Plano Urbanístico Básico) encomendando pelo então prefeito Faria Lima em 1968. Ao contrário do PUB, o PDDI reafirmou o modelo de cidade rodoviarista e espraiada. A lei de zoneamento dele resultante definiu zonas estanques de baixa densidade e desestimulou o uso misto nas áreas centrais e consolidadas, uma tradição até então. Essa lei, que chegou a baixar o aproveitamento real dos terrenos de 16, 18 e até 20 vezes ou mais para algo entre 6 a 8 vezes sua área, provocou um acelerado processo de encarecimento da terra e espraiamento da mancha urbana. Ampliou, assim, em pleno milagre econômico e sob a ditadura, a sobrevida de um modelo que tornava a cidade cara para quem paga, injusta para quem usa e definitivamente dependente do transporte sobre pneus. Duas crises do petróleo depois, na década de 1980, o então prefeitos Mário Covas e o arquiteto Jorge Wilheim apresentaram o Plano 1985/2000. A sociedade, entretanto, estava ocupada com a reconstrução da democracia, e o plano acabou não vingando. Alterações importantes nunca foram implementadas. O modelo vigente, exaurido, entrou em colapso. O atual Plano Diretor (2014), com 30 anos de atraso, finalmente lançou as bases para a reversão do modelo de urbanização da cidade. A nova lei de zoneamento esforça-se, nessa revisão, em acompanhá-lo. Vamos direto ao ponto: a lei é boa? Não, eu diria. Mas se a perguntar for "ela trará avanços?", a resposta seria sim. Podemos elencar seus problemas –mantém uma estrutura arcaica que teima em ser mais coercitiva do que indutiva, em dizer o que pode e não como pode, é extensa demais–, mas é justo reconhecer que cumpre seu papel. É a lei possível. Fugiu da negociata, sendo fruto de um processo participativo que se tornou irreversível. Foi discutida por meses e votada às claras, apesar do acolhimento de emendas de última hora que ofuscaram o brilho do processo. Outros méritos estão na regulamentação da zona rural, no incentivo a construções sustentáveis, na valorização de áreas privadas de uso público, na associação densidade-infraestrutura, no reconhecimento e na regularização de parcelas da cidade real. Fora isso, provocou segmentos importantes, como os movimentos sociais e o mercado imobiliário, a repensarem conceitos e a construírem um novo posicionamento. Por essas razões, a lei possível tem saldo positivo, ainda que quiséssemos avanços estruturais. Uma lei nova, adequada a seu tempo, flexível, ágil, indutiva. Mas não foi assim. A lei possível, negociada, reflete o estágio de profundidade da discussão sobre a cidade por seus agentes produtores, ainda superficial diante da magnitude de São Paulo. Se as concessões evitaram espantar parcela da sociedade acostumada a uma zona de conforto que acabou, se é que existiu algum dia, por outro lado, ao respeitar as diretrizes do plano, não afugentaram a parte da população que ainda luta para conquistar seu espaço. Ser a lei possível é, portanto, seu grande avanço e sua fragilidade. A superação dos problemas exige o início imediato da elaboração dos planos de bairros e dos projetos locais, o que permitirá a construção da cidade de que todos precisamos. VALTER CALDANA, 53, arquiteto, é diretor da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo do Mackenzie * PARTICIPAÇÃO Para colaborar, basta enviar e-mail para [email protected]. Os artigos publicados com assinatura não traduzem a opinião do jornal. Sua publicação obedece ao propósito de estimular o debate dos problemas brasileiros e mundiais e de refletir as diversas tendências do pensamento contemporâneo.
2016-05-03
opiniao
Opinião
http://www1.folha.uol.com.br/opiniao/2016/03/1746642-nova-lei-de-zoneamento-de-sao-paulo-sera-benefica-para-a-cidade-sim.shtml
Mortes pra lá de suspeitas
O governador Geraldo Alckmin (PSDB) e seu secretário da Segurança Pública, Alexandre de Moraes, insistem em realizar proeza incompreensível: embaçar com a névoa da dúvida a redução da taxa de homicídios no Estado de São Paulo. Nenhum pesquisador sério questiona que o número de assassinatos como proporção da população tenha caído. A crer no registro oficial, a taxa despencou de 33,30 por 100 mil habitantes, em 2001, para 8,73 por 100 mil, em 2015. O tamanho da queda –74% em 14 anos– e o fato de que o governo paulista publicou os dados por todo esse período, permitindo sua averiguação, decerto eliminam suspeitas com relação à tendência geral. Sobra controvérsia, contudo, quando se examinam os detalhes. Para começar, observa-se no Palácio dos Bandeirantes um apego quase pueril ao critério de formular a taxa de homicídios em termos de casos, e não de vítimas. Para a administração tucana, se morrerem oito pessoas numa chacina, há que contar apenas um homicídio. Como esta Folha já apontou, o expediente destoa da praxe em outros países. A Secretaria da Segurança Pública alega que divulga também o número de vítimas e diz que o jornal "pode calcular as taxas em diferentes recortes". Diga-se o mesmo da secretaria. Mas o órgão teria de abrir mão do vistoso índice de 8,73/100 mil e reconhecer 10,03/100 mil. Mais: se incluídas no cômputo as mortes perpetradas por policiais, a taxa subiria para 11,92 –ainda assim notável quando se compara com a média nacional, de 28,85. Além de bater o pé, Alckmin deu para criar obstáculos a quem pede acesso a boletins de ocorrência. Contrariando a Lei de Acesso à Informação, que faz da transparência uma regra e limita o sigilo à exceção, chegou a decretar segredo sobre os documentos. Trata-se de aspecto dos mais importantes. Reportagem desta Folha mostrou que, enquanto o governo tucano anunciava diminuição de 22% nos assassinatos no intervalo de 2012 a 2015 (de 4.836 para 3.757), os episódios computados como "mortes suspeitas" aumentaram 51% (de 12.367 para 18.620). Sabe-se que alguns desses casos representam homicídios não contabilizados. Ao examinar boletins de ocorrência do ano passado, o jornal "O Estado de S. Paulo" identificou assassinatos classificados na categoria das "mortes suspeitas". Suspeitas, de fato. Se quiser afastar a percepção de que sua estratégia contra o crime envolve pedaladas estatísticas, o governo Alckmin precisa ampliar a transparência. [email protected]
2016-05-03
opiniao
Opinião
http://www1.folha.uol.com.br/opiniao/2016/03/1746682-mortes-pra-la-de-suspeitas.shtml
Problemas da Segurança Pública continuam os mesmos
O ano de 2016 começa trazendo consigo o fim dos termos "auto de resistência" e "resistência seguida de morte" nos registros de ocorrências policiais, por meio de Resolução do Conselho Nacional dos Chefes de Polícia Civil. A antiga reinvindicação das organizações de direitos humanos, agora atendida, tem como objetivo dificultar a velha prática de acobertar mortes ocorridas por má conduta policial, prejudicando por demais a imagem dos agentes de segurança pública, beneficiando apenas os maus profissionais. O uso do termo 'resistência' no ato da lavratura do boletim de ocorrência por parte do delegado, quando do comparecimento do policial na delegacia, sem dúvida abria vasta possibilidade para que abusos fossem acobertados pelas próprias autoridades, em especial em um país de proporções continentais como o Brasil, cujo número de homicídios é maior do que em zonas de guerra deflagrada. A mudança de classificação dessas ocorrências para "morte em decorrência de atividade policial" poderá facilitar até mesmo o levantamento de estatísticas mais confiáveis, inclusive aquelas apuradas por organizações não-governamentais, do número de pessoas que entram em óbito por intervenção direta ou indireta dos profissionais da Segurança Pública. Isto, certamente, significa um aperfeiçoamento da relação havida entre os cidadãos e a Polícia. No entanto, para além da simples mudança de nomenclatura, nossos gestores públicos devem seguir promovendo, entre outras mudanças, também uma valorização da própria instituição policial, remunerando o policial com melhores salários e com garantias legais-institucionais típicas das carreiras de Estado (como juízes e promotores, por exemplo). As discussões de soluções para a Segurança Pública não podem parar na superfície das nomenclaturas. Exemplo disso é o fim da Polícia Militar e o ciclo completo de polícia. A expectativa daqueles que defendem o fim da Política Militar, penso, é o de por fim à violência de alguns agentes de segurança, o que é erroneamente associada à formação militar. Porém, a questão da violência é problema diverso, que deve ser tratado mudando-se a lógica da relação do policial com a população, deslocando-se o papel do policial como ferramenta meramente repressiva para um prestador de serviços de Segurança Pública, respeitado e respaldado por todos como cultor e mantenedor da ordem constitucional e da cidadania. O mesmo se observa com o ciclo completo de polícia como se por si só, fosse capaz de resolver grande parte dos problemas ligados à Segurança Pública. Ora, o ciclo completo de polícia pode ser uma mudança necessária para aperfeiçoar o modelo legal-institucional que temos hoje, mas daí a afirmar que sua implementação seria bem sucedida sem antes, por exemplo, enfrentar o sucateamento das instituições policiais e da proletarização do próprio profissional da Segurança Pública, há uma enorme distância. Os graves problemas da Segurança Pública não serão solucionados baseados apenas em propostas que prometem soluções mágicas e tampouco em mudanças de nomenclaturas, que tem o seu valor, mas que de nada valem se não produzirem ações concretas. Vale lembrar o exemplo da Polícia Federal Brasileira cuja valorização salarial nos últimos 15 anos a transformou em uma instituição, ainda que com severos problemas estruturais, elitizada e respeitada, responsável por parte do sucesso havido no combate à corrupção. Assim, o mesmo deve ser feito com as Polícias Militares e com as Polícias Civis dos Estados. É por aí que deve começar a 'revolução' pretendida por todos, rumo a excelência na área da Segurança Pública brasileira. FERNANDO CAPANO é especialista em Segurança Pública, sócio do Capano, Passafaro Advogados, membro efetivo da Comissão Estadual de Direito Militar da Ordem dos Advogados do Brasil - Seção São Paulo * PARTICIPAÇÃO Para colaborar, basta enviar e-mail para [email protected]. Os artigos publicados com assinatura não traduzem a opinião do jornal. Sua publicação obedece ao propósito de estimular o debate dos problemas brasileiros e mundiais e de refletir as diversas tendências do pensamento contemporâneo.
2016-04-03
opiniao
Opinião
http://www1.folha.uol.com.br/opiniao/2016/03/1745985-problemas-da-seguranca-publica-continuam-os-mesmos.shtml
Rinha paulistana
Na terminologia militar, as "proxy war", ou guerras por procuração, indicam conflitos entre dois países que, no entanto, não chegam a se enfrentar diretamente. Eram bastante comuns no período da Guerra Fria, quando Estados Unidos e União Soviética, evitando um temerário confronto aberto, apoiavam lados opostos em diversos campos de batalha. Algo dessa lógica permeia a eleição interna que definirá quem, dentro do PSDB paulistano, disputará a Prefeitura de São Paulo. Os dois personagens que passaram ao segundo turno das prévias –o empresário João Doria Jr., com 43% dos votos, e o vereador Andrea Matarazzo, com 33%– espelham interesses maiores, por assim dizer, dentro da agremiação. João Doria conta com o apoio agora declarado de Geraldo Alckmin. De olho na corrida presidencial de 2018, o governador considera fundamental eleger um aliado na capital mais rica e populosa do país. Não seria exagero dizer que o tucano, talvez invejando o ex-presidente Lula nesse aspecto, quer fazer seu próprio poste. Matarazzo, por sua vez, tem a bênção do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso e dos senadores Aloysio Nunes e José Serra –este mantém o Palácio do Planalto na sua lista de desejos. Nada disso é inédito, naturalmente; quando se trata de PSDB, "cúpula partidária" e "divergências internas" soam quase como sinônimos. Desta vez, contudo, pelo menos dois aspectos chamam a atenção de modo especial. É digno de nota que, mesmo em uma metrópole como São Paulo, a máquina administrativa exerça tamanha influência –pode-se imaginar o que ocorre noutras paragens. Pesquisas Datafolha mostram um Alckmin impopular como nunca e, ademais, malposicionado nas simulações de corrida presidencial. Ainda assim, transformou Doria, um paraquedista na cena política, em favorito nas prévias. Surpreende, além disso, o nível de animosidade entre os grupos do PSDB. Cenas de pancadaria, ataques a urnas e indícios de compra de votos não só denotam um comportamento que os tucanos adorariam condenar em seus rivais mas também expõem uma fratura sem precedentes no partido. Seja porque os rancores se acumularam por tempo demais, seja porque a Presidência se apresenta ao alcance das mãos, os principais nomes do PSDB parecem dispostos inclusive a enfrentar uma guerra aberta. No caso de Geraldo Alckmin, em particular, seria a senha para trocar de legenda. O quadro partidário brasileiro, como consequência da Operação Lava Jato, dificilmente chegaria a 2018 sem alterações em relação às últimas disputas, e os caciques tucanos sem dúvida podem contribuir com novidades. O lamentável é que usem a cidade de São Paulo como campo para suas batalhas pessoais. [email protected]
2016-03-03
opiniao
Opinião
http://www1.folha.uol.com.br/opiniao/2016/03/1745726-rinha-paulistana.shtml
Agora é pra valer
A Superterça, dia em que mais de uma dezena de Estados americanos realiza prévias para escolher quais candidatos disputarão a Presidência pelos dois principais partidos dos EUA, é um divisor de águas na corrida eleitoral. Postulantes que se saiam bem nessa ocasião precisam ser levados a sério, mesmo que seu perfil sugira o contrário. Entre os democratas, Hillary Clinton assume a dianteira. Ela triunfou em 7 Estados, contra 4 de Bernie Sanders. A ex-secretária de Estado e ex-primeira-dama acumula 1.052 delegados, contra 427 do adversário. Precisa de 2.382 para assegurar a indicação. Rivalidades à parte, a sigla não terá dificuldade de sair unida. Os dois candidatos não chegaram a trocar golpes baixos em público, e a presença de Sanders dá a Clinton a oportunidade de levar seu discurso um pouco para a esquerda nesta fase inicial –o que tende a envolver a militância na campanha. Em contraste, o quadro é de caos no lado republicano. Como indicavam as pesquisas, Donald Trump saiu-se vencedor na Superterça. Conquistou 7 Estados, contra 3 de Ted Cruz e 1 de Marco Rubio. O magnata tem 319 dos 1.237 delegados necessários para garantir a vaga. Trump, porém, não será capaz de unir o partido. Analistas apostam em cenários que vão da cristianização, para usar o vocabulário político brasileiro, à ruptura formal. Com seu discurso belicoso, politicamente incorreto e radical, o empresário galvaniza o eleitorado republicano, mas é visto como um irresponsável não só pela cúpula da agremiação mas também pelos conservadores mais ideológicos. Ocorre que, a esta altura, talvez seja tarde demais para impedir que Trump leve a indicação. Não surgiu nenhuma alternativa moderada ao polêmico pré-candidato. No plano nacional, a situação mostra-se ainda pior para os republicanos. Quase todas as pesquisas indicam que Trump, que não hesita em xingar minorias das quais precisa para ser eleito, perderia para qualquer postulante democrata. Ainda que, uma vez garantido no pleito, ele venha a medir melhor suas palavras, a mudança brusca soaria pouco convincente, reforçando sua imagem de oportunista. A confirmar-se uma disputa entre o milionário e a ex-secretária, ela sairia com alguma vantagem. Em princípio, bastaria não cometer nenhum grande erro na campanha para chegar à Casa Branca. [email protected]
2016-03-03
opiniao
Opinião
http://www1.folha.uol.com.br/opiniao/2016/03/1745728-agora-e-pra-valer.shtml
Quando o SUS sairá do rascunho?
As dificuldades financeiras enfrentadas pelo Sistema Único de Saúde (SUS) mesmo rotineiramente tomando os noticiários, já não espantam a população. As tragédias anteriormente anunciadas atingiram as maiores instituições pública e filantrópicas de saúde do Brasil, até mesmo os hospitais universitários como a Unifesp e a UFRJ, além do INCA e as maiores Santas Casas do Brasil, como São Paulo, Porto Alegre e Belo Horizonte. Posso afirmar que a falta de dinheiro e a angústia de constatar a decadência do atendimento dos pacientes já foi experimentada por todos os gestores hospitalares brasileiros que trabalham no SUS. Faltam profissionais de saúde, equipamentos, medicamentos, reformas, insumos em geral, já nos falta força para gritar. Já reivindicamos, anunciamos, mas a sensibilização do governo federal não dura mais que algumas horas. Sabe-se que as causas são complexas e que se arrastam há muito tempo. Os atrasos nos pagamentos, o curto orçamento, a defasagem da tabela, a missão impossível de cumprir os tetos estipulados e outras grandes distorções do sistema já são suportadas pelas Santas Casas e hospitais filantrópicos ao longo da história, mas a situação se apresenta com dificuldades generalizadas para todo o setor. Os filantrópicos são responsáveis por 56% de todo o atendimento SUS no país. 63% de todas as internações de alta complexidade no SUS, 59% dos transplantes, 68% dos procedimentos de quimioterapia, 66% das internações em cardiologia e 69% da cirurgias oncológicas. Não podemos esquecer também que estes hospitais também são importantes no setor produtivo e no desenvolvimento econômico. Geram mais de 480 mil empregos diretos e atualmente acumulam dívidas de 21 bi. Do total da fatura pelos serviços prestados, considerando procedimentos de todos os graus de complexidade, o Governo paga apenas 60% dos custos e essa prática alcançou a imoralidade. Não há mais como suportar o déficit contínuo e crescente. A maioria das instituições já foram atingidas e se arrastam, refletindo sua situação nos usuários. O orçamento atual não seria suficiente para cobrir os gastos que tivemos na saúde em 2014. Estamos cansados de pregar no deserto. O SUS na prática é o rascunho de um sistema e já passamos do estágio de bancarrota, basta olhar as manchetes do Estado do Rio de Janeiro. Não que os paulistas encontrem situação melhor. Temos um castelo de cartas e pouca ilusão de que alguma boa notícia chegue com a urgência necessária. O pobre e dilapidado orçamento não é suficiente. Ponto, a conversa se encerra sempre assim. Não há um indicador de que na prática algo será feito para socorrer a população. Do outro lado, restam administradores enlouquecidos, acusados de má gestão e desanimados e um olhar da população de expectativa, de incredibilidade e indignação. Potencialize a situação com o aumento de usuários do SUS já que a atual crise provocou o aumento do número de brasileiros sem plano de saúde privado, cerca de 160 mil, por enquanto. A frustração diante deste cenário é fato, os problemas políticos e econômicos dispersam a atenção, já que há muitos desafios impostos nesse momento aos brasileiros, mas o socorro à saúde não pode esperar. Estamos cansados de ver o conceito de saúde universal, integral e prioritária só para fins de publicidade. EDSON ROGATTI é presidente da Federação das Santas Casas e Hospitais Beneficentes do Estado de São Paulo - Fehosp e da Confederação das Santas Casas e Hospitais Filantrópicos - CMB * PARTICIPAÇÃO Para colaborar, basta enviar e-mail para [email protected]. Os artigos publicados com assinatura não traduzem a opinião do jornal. Sua publicação obedece ao propósito de estimular o debate dos problemas brasileiros e mundiais e de refletir as diversas tendências do pensamento contemporâneo.
2016-03-03
opiniao
Opinião
http://www1.folha.uol.com.br/opiniao/2016/03/1745527-quando-o-sus-saira-do-rascunho.shtml
É tempo de ousar
O Brasil precisa mudar e ousar, e a hora é agora! O Executivo precisa apresentar ao Congresso Nacional projetos de reforma constitucional. Do contrário, enfrentaremos três anos de recessão e um longo período de crescimento pífio. A presidente da República precisa ousar. As reformas da Previdência e da legislação trabalhista, a desindexação e desvinculação das verbas do orçamento são inadiáveis. Além disso, as sempre faladas, mas nunca implementadas, reformas tributária e da legislação político-eleitoral não podem mais esperar. O corte de despesas correntes não ocorreu de fato. O país continua com 31 ministérios, quase 40 partidos políticos e um número elevado de assessores nas várias esferas do Executivo federal. Como afirmou o professor Delfim Netto em recente entrevista ao jornal "Valor Econômico", o PIB brasileiro cairá entre 7% e 8% nos próximos dois anos se a presidente Dilma Rousseff não reassumir o protagonismo de seu governo. "Ou ela reassume e atrai o investimento do setor privado, ou será muito pouco provável não perdermos de 7% a 8% do PIB", advertiu. A grave crise que o país atravessa precisa passar pelo entendimento dos cidadãos; as soluções não podem ser ideologizadas. O exemplo do que aconteceu na Espanha, quando partidos políticos, sindicatos e empresários firmaram em 1977 Pacto de Moncloa, o que permitiu o crescimento sustentado e a transição democrática no país, pode servir de paradigma. O Executivo deve aproveitar e corrigir as falhas que impediram a eficácia do chamado Conselhão (Conselho de Desenvolvimento Econômico e Social), criado em 2003 para aproximar o governo da sociedade. Era uma boa ideia, mas não deu os resultados esperados. A diversidade dos temas tratados e a ausência de efetiva representatividade dos "escolhidos" reduziram o aspecto prático do órgão a um mero caderno de sugestões, como apontou a Folha em recente editorial. O governo não deve fazer do aumento da carga tributária o remédio amargo para a redução do deficit fiscal. A famigerada CPMF, repelida pela sociedade, não pode ser acolhida pelo Congresso Nacional. Antes de cogitarmos o aumento da carga tributária, deveríamos criar políticas públicas visando dar aos contribuintes serviços de qualidade na educação, na saúde, na mobilidade urbana, na segurança, na inclusão social. Enfim, retribuir à sociedade o que se arrecada. Precisamos rever e renovar as instituições, reorganizar o Estado, reinventar os partidos, base direta da democracia. As nossas instituições públicas carecem de modernização. Só assim o Brasil poderá retomar a confiança, ingrediente indispensável para o desejado e indispensável desenvolvimento. RUY MARTINS ALTENFELDER SILVA, 76, é presidente da Academia Paulista de Letras Jurídicas, presidente emérito do CIEE - Centro de Integração Empresa-Escola e curador do prêmio Fundação Bunge * PARTICIPAÇÃO Para colaborar, basta enviar e-mail para [email protected]. Os artigos publicados com assinatura não traduzem a opinião do jornal. Sua publicação obedece ao propósito de estimular o debate dos problemas brasileiros e mundiais e de refletir as diversas tendências do pensamento contemporâneo.
2016-02-03
opiniao
Opinião
http://www1.folha.uol.com.br/opiniao/2016/03/1745226-e-tempo-de-ousar.shtml
Oportunismo sanitário
Como se os cofres públicos estivessem repletos de dinheiro e como se o país não enfrentasse emergência sanitária representada pelo avanço da dengue, da zika e da chikungunya, médicos e enfermeiros de diversas capitais brasileiras entraram em greve nos últimos dias ou ameaçam iniciar paralisações. O mosquito Aedes aegypti, contudo, não para. Em 2016, registraram-se 170 mil possíveis casos de dengue até o início de fevereiro, alta de 46% em relação ao mesmo período de 2015 –detentor do recorde de infecções pela doença. A presença dos vírus da zika e da chikungunya também aumenta. O primeiro já circula em 22 unidades da Federação; o segundo, em 13. Acumulam-se, desde outubro, 4.222 episódios de suspeita de microcefalia, além de 641 confirmados, um surto associado à zika. Com esse pano de fundo, profissionais da rede municipal de saúde estão parados em Fortaleza e Maceió desde a semana passada. No Recife, enfermeiros prometem entrar em greve nesta quarta (2). Servidores estaduais na Bahia e no Tocantins também estão de braços cruzados; os do Rio ainda discutirão a suspensão das atividades. Como seria de esperar, as mobilizações no mais das vezes têm o objetivo de arrancar a fórceps reajustes ou gratificações. Não se trata de condenar o mérito; ocorre que, num momento de crise econômica nacional, a penúria orçamentária inviabiliza gastos adicionais. Os servidores dificilmente ignorarão esse quadro. Valendo-se de tática tão conhecida quanto condenável, aproveitam o grave momento para tentar obter ganhos salariais. Em outras palavras, fazem da saúde pública refém das demandas da categoria. Felizmente a emergência não fomenta apenas o oportunismo. Exemplo disso é a atitude de cientistas paulistas, que elevaram a carga de trabalho para também estudar o vírus da zika, como mostrou reportagem desta Folha. São pesquisadores integrantes da chamada Rede Zika, formada por laboratórios e universidades de todo o Estado. Passa por eles, entre outros, os esforços para a produção de uma vacina contra a doença ou o aprofundamento do conhecimento sobre a relação do patógeno com a microcefalia. Mesmo que os resultados tardem a chegar, esses cientistas já demonstraram, no mínimo, que compreendem bem melhor que muitos colegas da saúde pública a urgência do momento. [email protected]
2016-02-03
opiniao
Opinião
http://www1.folha.uol.com.br/opiniao/2016/03/1745276-oportunismo-sanitario.shtml
Máxima culpa
Anos atrás, passei por um desses linchamentos ferozes da internet em razão de um comentário improvisado durante programa da TV paga. Manifestei na ocasião minha dúvida a respeito de bicicletas serem alternativa viável de transporte em São Paulo. Ponderei as ladeiras, a insegurança e o clima. A reação foi violenta nas mídias sociais, nos blogs, nos comentários de site. Durante uns 40 dias me ameaçaram de estupro, espancamento e morte –sentença decretada a "carrocratas" insensíveis e ultrapassados. Exigiram a abjuração do meu erro, pedido de desculpas, retratação. Foi muito assustador, e também didático. Aprendi, primeiro, que os cicloativistas podem até conhecer a rota que nos levará a um mundo melhor, mas em geral não são lá muito cordiais. Depois, e mais importante, compreendi o risco que se corre ao invadir, desavisada, um tema que, a certa altura, já tem militância suficiente para interditar por variados meios a opinião discordante. Um mea-culpa público teria sido irrelevante em face da maré cheia de opiniões educadas pela militância do ciclismo. A máxima culpa possível de ser admitida foi a de ignorar o modo como os ativismos operam em relação aos "de fora". Durante o período de ataque, no entanto, garanto que é muito sofrido distinguir o que é pessoal e o que é luta política dos outros. Não é possível saber se os virulentos comentários despejados sobre Fernanda Torres, entre o primeiro e o segundo artigos que escreveu a respeito do feminismo para o blog "#AgoraÉQueSãoElas", da Folha – e que provocaram tanto a ira como um pedido de desculpas–, foram sua estrada para Damasco. Fernanda pode ter experimentado uma epifania ao compreender a impertinência de seu "lugar de fala", esse da privilegiada "mulher branca de classe média". Só ela sabe se, de fato, sentiu sobre os ombros a responsabilidade por todas as ignomínias da história ou se ficou convencida de que contribuíra para as abominações causadas por racismo e machismo. Porque foi disso tudo que a acusaram. Pedir desculpas para ativistas é uma escolha entre a grandeza e a autocomiseração. Qualquer que seja o motivo, a intenção é estancar o mais rapidamente possível a enxurrada de insultos e recompor a autoimagem solidária às boas causas. O problema é que não há mea-culpa capaz de expiar o pecado de ignorar o cânone de conceitos e o índex de interditos das militâncias. O caso é que o pedido de desculpas de Fernanda Torres não foi aceito pelos setores mais duros do feminismo, a quem se dirigia. Fernanda continuou sendo a "mulher-branca-de-classe-média" acusada de blasfemar contra verdades cabais. Não deixa de ser conveniente que uma pessoa pública entre sem aviso nem malícia num debate como esse. Ativistas de qualquer causa estão sempre atentos e bem municiados. A barafunda de argumentos, ofensas e desqualificações com que atacam é tão avassaladora que a retratação do pecador é inócua. Tornar alguém um saco de pancadas pela maior duração possível é o modo de operar da luta política no século 21. Entretanto, não tem sido fácil para alguns grupos feministas firmar no mundo a ideia de que vivemos numa "cultura do estupro" –e talvez isso explique a agressividade com que sustentam o argumento. Relatem-se a dor e o sofrimento de quem passou por episódios de violência, e, ainda assim, não sabemos se seremos todos convencidos um dia de que há um estuprador em cada ser do sexo masculino. Ou um repugnante abusador. Ou, no mínimo, um assediador abjeto. As ideias têm de ser experimentadas como os vestidos. Nem todas servem, nem todas aderem ao corpo social, à época, ao que já é conhecido; há ideias e militâncias que não conseguirão se firmar. Sendo a liberdade de expressão a mãe de todas as causas, bom seria se as diferentes topografias da fala fossem levadas em consideração. Por enquanto, ativistas parecem lutar por um direito intangível e inacessível: o de não serem ofendidos pela opinião dos outros. Esse é um mundo impossível. Porque, como alguém disse no Twitter, "se organizar direitinho, todo mundo poderá se ofender". MÔNICA WALDVOGEL é jornalista e apresentadora do programa "Entre Aspas" (GloboNews) * PARTICIPAÇÃO Para colaborar, basta enviar e-mail para [email protected]. Os artigos publicados com assinatura não traduzem a opinião do jornal. Sua publicação obedece ao propósito de estimular o debate dos problemas brasileiros e mundiais e de refletir as diversas tendências do pensamento contemporâneo.
2016-02-03
opiniao
Opinião
http://www1.folha.uol.com.br/opiniao/2016/03/1745224-maxima-culpa.shtml
A representação simbólica da farda
A publicação pela Polícia Militar, em redes sociais, de foto de uma criança vestindo o uniforme da corporação reacendeu antiga discussão acerca da possibilidade de determinados símbolos interferirem negativamente no desenvolvimento emocional infantil. "A criança foi colocada em situação constrangedora e vexatória", disse um ativista da área de direitos humanos. "A prática pode eventualmente envolvê-la em situações de tensão social", disse um professor de psicologia. Com a retirada da foto das redes para encerrar a discussão, pais de outras crianças, mesmo não militares, começaram a postar fotos de seus filhos fardados. Com todo o respeito aos que opinaram, algumas questões ficaram no ar: quais seriam exatamente o constrangimento e o vexame impostos à criança? E qual situação de tensão social foi criada pela exposição da foto? Parece não haver respostas convincentes a essas perguntas. Talvez as questões mais relevantes, as que realmente mereçam reflexão, sejam estas: por que a farda exerce tanto fascínio entre as crianças?; por que esse fascínio também alcança os adultos, a ponto de vestirem seus filhos com réplicas infantis?; qual o real impacto do uso de uma réplica de farda no desenvolvimento emocional da criança? Com suporte em teorias consagradas, pode-se afirmar que o imaginário da criança é habitado por fantasias relacionadas ao desejo inconsciente de realização e reconhecimento, na perspectiva da construção da própria identidade. Assim, na fantasia, ela pode ser um grande jogador de futebol ou um militar que participa de algum ato heroico. Nesse contexto, o fascínio por certos elementos materiais, como o uniforme de um clube ou a farda de uma instituição militar, decorre de seu expressivo valor simbólico, já que estão ligados ao reconhecimento social que a criança quer alcançar. São elementos concretos idealizados em sua fantasia. Por que, então, esse fascínio pode perdurar na idade adulta? Não raro, muitos adultos se surpreendem envolvidos em pensamentos mágicos ou fantasias recorrentes, por conta de situações concretas de difícil solução ou de desejos não realizados. Para essas pessoas, vestir uma farda em seus filhos significa muito mais do que aderir à fantasia do infante. Significa realizar-se por meio dela, recuperando seu lado infantil, ou mesmo projetar para o filho um futuro em que essa construção imaginária torne-se realidade. E a utilização de fardas em brincadeiras infantis causaria algum problema futuro para a criança? A resposta é negativa. Para o pediatra e psicanalista britânico D.W. Winnicott, o ato de brincar –de jogador, médico ou policial, por exemplo–, além de não prejudicar, tem papel decisivo no processo de adaptação à realidade. Já em sentido inverso, se for um símbolo socialmente reconhecido e houver alguma relação entre ele e a realidade próxima, como ter um militar na família, poderá atuar positivamente em seu desenvolvimento. Concluindo, inexiste explicação fundamentada para a polêmica, sustentada apenas no preconceito contra as instituições militares ou na frustração dos autores das críticas, por nunca terem realizado eventual desejo de vestir uma farda. ROBERTO ALLEGRETTI, 64, coronel da reserva da Polícia Militar e mestre em psicologia, é presidente da Associação Fundo de Auxílio Mútuo dos Militares do Estado de São Paulo * PARTICIPAÇÃO Para colaborar, basta enviar e-mail para [email protected]. Os artigos publicados com assinatura não traduzem a opinião do jornal. Sua publicação obedece ao propósito de estimular o debate dos problemas brasileiros e mundiais e de refletir as diversas tendências do pensamento contemporâneo.
2016-01-03
opiniao
Opinião
http://www1.folha.uol.com.br/opiniao/2016/03/1744803-a-representacao-simbolica-da-farda.shtml
O assassinato da história
Quando governos propõem reformular o ensino de história, abre-se uma brecha para questionar didáticas e conteúdos tradicionais e sugerir mudanças. Pode ser uma oportunidade ou um desastre. Desde o ano passado, o MEC está elaborando um novo currículo de história. As reações têm sido duras, a começar pelo próprio ministro à época da divulgação da primeira proposta. Demitido do MEC, Renato Janine Ribeiro explicitou suas críticas: falhas de conteúdo; exclusão de horizontes essenciais da trajetória humana; ênfase exagerada em uma perspectiva endógena de história do Brasil, preocupada sobretudo com a atualidade; abandono da cronologia, comprometendo o entendimento temporal dos processos sociais. O que está em jogo é crucial: o que ensinar sobre o passado e como fazê-lo. O conhecimento histórico, sabemos, tem impacto decisivo nas concepções de mundo de grupos e sociedades, na formação de seus interesses morais e materiais e na fabricação de seus projetos de futuro. A proposta original da comissão sepultou quase tudo o que concebíamos como história, rejeitando o que julgava demasiado eurocêntrico. A Antiguidade e a Idade Média praticamente desapareceram. Os processos centrais da Modernidade e da Época Contemporânea (como a colonização, o desenvolvimento do capitalismo ou o imperialismo) foram reenquadrados a serviço do novo foco: uma história do Brasil vista como desdobramento da história africana e indígena. Essa visão germinou por décadas nas faculdades de pedagogia e de humanidades. Propõe reler a história pelo viés dos dominados e busca versão historiográfica da pedagogia do oprimido de Paulo Freire. Com uma atualização: à cartilha tradicional da esquerda (na qual o oprimido era, por excelência, a classe trabalhadora) juntou-se a leitura multiculturalista e pós-moderna, que valoriza opressões a grupos específicos (negros, indígenas, mulheres). Em tempos de petismo, tornou-se projeto de reforma do ensino. Há muito, historiadores e professores afirmam ser inadmissível a marginalização ou ausência das histórias africana e indígena nos currículos. É uma lacuna grave, que deve ser corrigida. Entretanto, a maior vítima da proposta atual é a própria história. Vítima como realidade, pois o projeto desconsidera a matriz ocidental, europeia, capitalista e judaico-cristã da formação histórica brasileira. Parece temer que isso soasse como compactuar com os horrores do processo: do genocídio indígena à inquisição católica, da escravidão africana ao espólio da natureza. Nada mais enganoso, já que apenas o mapeamento objetivo dessas realidades infames permitiria ao aluno a sua devida crítica. Vítima como conhecimento, pois, sob argumento de valorizar histórias africana e indígena, propõe-se substituir conhecimento rotulado de conservador pelo admirável mundo novo dos saberes identitários. Reconhecer-se no passado seria mais importante do que conhecê-lo. É outra falácia, pois os múltiplos saberes –que existem e são legítimos – só podem ser analisados historicamente no bojo de um sistema de pensamento de linhagem europeia. Chama-se isso de historiografia. Ela deve ser criticada e incessantemente reformulada, mas é o melhor instrumental que temos para produzir conhecimento histórico. Ninguém pensaria em substituir biologia ou física porque são eurocêntricas. As ciências humanas, porém, tornaram-se laboratório das experiências temerosas dos que pregam a reengenharia social. Se quisermos continuar a ensinar história nas escolas, o MEC precisa refazer a lição de casa. MARCELO REDE, 50, doutor em história pela Universidade de Paris 1 (Panthéon-Sorbonne), é professor de história antiga da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da USP * PARTICIPAÇÃO Para colaborar, basta enviar e-mail para [email protected]. Os artigos publicados com assinatura não traduzem a opinião do jornal. Sua publicação obedece ao propósito de estimular o debate dos problemas brasileiros e mundiais e de refletir as diversas tendências do pensamento contemporâneo.
2016-02-29
opiniao
Opinião
http://www1.folha.uol.com.br/opiniao/2016/02/1744204-o-assassinato-da-historia.shtml
É correta a decisão do STF de autorizar prisão após julgamento de 2ª instância? Sim
FREIO NA IMPUNIDADE Finalmente o Supremo Tribunal Federal, ainda que de forma um pouco acanhada, resgatou a Justiça brasileira, diminuindo a impunidade e, consequentemente, a criminalidade, aproximando o Brasil das nações mais desenvolvidas. Isso porque a retrógrada e injustificável tese de que o réu condenado só poderia ser preso após o trânsito em julgado da sentença penal foi sepultada em 17 de fevereiro, em memorável e histórica sessão plenária da Suprema Corte brasileira. No julgamento do habeas corpus nº 126.292, ficou decidido que o réu condenado em primeira instância, e confirmada a condenação em grau de recurso pelo respectivo Tribunal de Justiça ou Tribunal Regional Federal, conforme o caso, não precisa mais aguardar o julgamento de eventuais recursos junto ao STJ (Superior Tribunal de Justiça) e ao STF para que seja recolhido à prisão. Importante assinalar que o disposto na Constituição Federal, ao estabelecer no art. 5º "que ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado da sentença penal condenatória", estava sendo interpretado errônea e injustificavelmente, impedindo a expedição, por anos, de mandado de prisão para o réu já condenado pelas instâncias ordinárias. A defesa recorria quase que indefinidamente ao STJ e ao STF, muitas vezes com propósito protelatório. Em países como Estados Unidos, Inglaterra, Alemanha, França e Itália, entre outros, apesar de existir na legislação a presunção de inocência, não há qualquer empecilho para que o réu possa desde logo ser preso –em alguns casos, no máximo depois da sentença final proferida pelo juiz de primeiro grau. Isso ocorre independentemente da confirmação da sentença pela instância recursal, desde que haja prova suficiente para afastar a relativa e sempre mencionada presunção de inocência, como aliás prevê a Convenção Americana de Direitos Humanos, conhecida como Pacto de São José da Costa Rica. A convenção, da qual o Brasil é signatário sem quaisquer reservas, estabelece expressamente que a presunção de inocência deve ter valor até que seja comprovada a culpa do acusado. Assim, o princípio previsto na nossa Constituição Federal, que presume o réu inocente até o trânsito em julgado, pode e deve ser relativizado. A já referida convenção determina que a presunção de inocência prevalecerá enquanto não for legalmente provada a culpa. Comprovada a prática criminosa, impõe-se de imediato o recolhimento do réu ao cárcere, ainda que não estejam presentes os motivos para a decretação da prisão preventiva, nos termos do artigo 312 do Código de Processo Penal. Desse modo, quando proferir uma sentença condenatória à prisão, o magistrado deverá recolher o réu ao cárcere, independentemente do julgamento de qualquer recurso, sem risco de ter cometido algum tipo de injustiça. Isso porque, nos recursos, o tribunal não apreciará o fato, mas sim matéria de direito e de legalidade, que poderá desafiar habeas corpus. Se for o caso, o réu será colocado imediatamente em liberdade. FÁBIO UCHÔA é juiz titular do Primeiro Tribunal do Júri da cidade do Rio de Janeiro * PARTICIPAÇÃO Para colaborar, basta enviar e-mail para [email protected]. Os artigos publicados com assinatura não traduzem a opinião do jornal. Sua publicação obedece ao propósito de estimular o debate dos problemas brasileiros e mundiais e de refletir as diversas tendências do pensamento contemporâneo.
2016-02-27
opiniao
Opinião
http://www1.folha.uol.com.br/opiniao/2016/02/1743952-e-correta-a-decisao-do-stf-de-autorizar-prisao-apos-julgamento-de-2-instancia-sim.shtml
Universidade cidadã
Ocorre hoje nas universidades brasileiras um inexplicável retrocesso democrático. Antes palco de debates brilhantes e efervescentes e berço de ideias transformadoras e libertárias, a academia tranca-se em um círculo vicioso e perigoso, dando às costas aos cidadãos. Nos campi das universidades, a democracia deve pulsar na criação intelectual e no debate político, científico. São direitos que devemos defender sempre, pois trata-se de garantir liberdades individuais e coletivas. Entretanto, jamais podemos perder de vista que uma universidade é uma célula da sociedade. A ela deve retorno e respostas. A comunidade universitária, formada de alunos, professores, funcionários e técnicos administrativos em educação, necessita ter participação na escolha de dirigentes comprometidos com a educação, a pesquisa, o ensino e a extensão em toda plenitude. Não significa, contudo, que tenhamos de nos dobrar a uma espécie de ditadura interna. Uma universidade deve atender aos interesses do coletivo, do Estado, dos cidadãos, todos eles, sem qualquer ideologia ou tendência partidária. Dentro dela, todas as ideologias e tendências partidárias precisam e têm que se manifestar livremente. Daí a aparelhá-la a uma distância abismal. Hoje, algumas importantes universidades do Brasil trilham retrocesso. Alunos sofrem as consequências de gestões incompetentes, sem transparência e cravadas em interesses partidários. Um mau reitor imposto pela comunidade universitária, sem debate e participação de outras forças sociais, impõe suas vontades e convicções por meio de apadrinhamentos e favores políticos. Exigimos respeito à liberdade, tolerância, exercício da solidariedade humana, pleno desenvolvimento do educando, preparo ao exercício da cidadania, qualificação para o trabalho e formação. Queremos uma universidade formadora e transformadora; viva, pulsante, inquieta, crítica. Para tanto, temos que rever imediatamente os processos de eleição de reitores. Tal cargo exige liderança, conquistada ao longo de sua vida, pelo testemunho do trabalho. A meritocracia deve ser contemplada, assim como a produção científica. Porém, não é isso que acontece habitualmente. Não dá para continuar querendo gerir a formação e a educação da Nação em moldes forjados nos anos 60, quase seis décadas atrás. O ideal é que o reitor seja indicado por uma comissão externa, escolhida por instituições sólidas da sociedade civil. Seria apresentada uma lista tríplice e a comunidade universitária definiria por votação. Prevalece dessa maneira o interesse da comunidade, dos cidadãos, não os de pequenos grupos, sem ferir a autonomia universitária. Quando no exercício do cargo, é essencial contínua fiscalização, visando coibir distúrbios de gestão, de modo que a universidade não vire instrumento a serviço de grupelhos. Não podemos perder, por irresponsabilidade política e omissão, mentes brilhantes. Uma vez que em algumas universidades, também pululam mentes medíocres, precisamos de ferramentas sérias para separar o joio do trigo. É preciso comprometimento; não apenas bater o ponto, como acontece em muitas universidades hoje. O esvaziamento dessas instituições de ensino é uma triste realidade e conta com dois motivos: falta de recursos e absoluta carência de gestão competente, agregadora, motivadora. Criar órgãos fiscalizadores, estabelecer meios de fato democráticos de eleição, entre outras medidas são ações urgentes. Até porque a universidade é da comunidade, é do país. E são esses interesses maiores que devem ser preservados e garantidos até o fim. ANTONIO CARLOS LOPES é presidente da Sociedade Brasileira de Clínica Médica * PARTICIPAÇÃO Para colaborar, basta enviar e-mail para [email protected]. Os artigos publicados com assinatura não traduzem a opinião do jornal. Sua publicação obedece ao propósito de estimular o debate dos problemas brasileiros e mundiais e de refletir as diversas tendências do pensamento contemporâneo.
2016-02-27
opiniao
Opinião
http://www1.folha.uol.com.br/opiniao/2016/02/1743834-universidade-cidada.shtml
Justiça previdenciária
Se a profunda crise econômica por que passa o país ao menos serviu para tirar do limbo o debate sobre a reforma da Previdência Social, pode-se reconhecer nas ainda incipientes propostas do governo o mérito de apontar que o modelo brasileiro de aposentadorias é, além de insustentável, injusto. Dados recém-computados ilustram a disparidade existente, por exemplo, entre o quanto se destina aos benefícios dos trabalhadores celetistas –a vasta maioria do mercado de trabalho formal– e aos regimes exclusivos dos servidores públicos estatutários. No INSS, que atende ao setor privado, o desequilíbrio entre a receita com as contribuições e o pagamento de pensões e auxílios atingiu, em 2015, R$ 85,8 bilhões; este, em outras palavras, é o montante transferido por toda a sociedade, por meio dos impostos, a cerca de 28 milhões de segurados. Não muito menos se consome com a previdência do funcionalismo federal, que apurou deficit de R$ 72,5 bilhões. Assusta, porém, que tal soma se direcione a não mais de 1 milhão de aposentados e pensionistas civis e militares. Completa a sangria orçamentária o rombo de R$ 60 bilhões dos regimes dos quadros de pessoal dos Estados, que reúnem hoje 2,4 milhões de beneficiários. As distorções foram atenuadas nas reformas previdenciárias de 1998 e 2003. Nesta última, acabou a absurda paridade de rendimentos entre servidores ativos e inativos. Apenas em 2012, no entanto, pôs-se em prática a norma mais crucial aprovada nove anos antes –a imposição ao serviço público do mesmo teto válido para os pagamentos do INSS (hoje, R$ 5.190 ao mês), que dependia da criação de fundos de previdência complementar para o funcionalismo. As mudanças, de todo modo, ainda podem e devem ser aprimoradas. Num exemplo, servidores estatutários, que resistem a aderir aos novos fundos complementares, ainda conseguem obter vantagens com o acúmulo de proventos não salariais para engordar o valor de suas aposentadorias. O governo indicou como diretriz de reforma a igualdade de condições entre trabalhadores públicos e privados, rurais e urbanos, homens e mulheres. A primeira, já encaminhada, poderá se tornar real nas próximas gerações; o equacionamento financeiro dos regimes, porém, é ainda uma meta remota. [email protected]
2016-02-27
opiniao
Opinião
http://www1.folha.uol.com.br/opiniao/2016/02/1744000-justica-previdenciaria.shtml
Cuba livre
A pequena ilha de Cuba compreende um dos maiores êxitos e um vistoso fracasso da política externa de Barack Obama. No mês que vem, o presidente americano viajará a Havana para colher os frutos midiáticos da já avançada normalização das relações com o país caribenho. Estados Unidos e Cuba concordaram, ao final de 2014, em deixar para trás 60 anos de aversão mútua, restabelecer embaixadas e ampliar os vínculos comerciais. Tal movimento, é claro, só foi possível porque a geopolítica mundial alterou-se radicalmente desde o fim da Guerra Fria, tornando as desavenças entre os dois regimes um anacronismo. Ainda assim, Obama teve de empenhar-se nas negociações e vencer as resistências do poderoso lobby dos cubanos de Miami para dar esse passo. Não há dúvida de que o melhor caminho para eliminar os traços ditatoriais do regime cubano seja reinserir a ilha na economia global de mercado e exercer pressões diplomáticas pelo respeito aos direitos humanos. É em Cuba também que está localizada a base naval norte-americana de Guantánamo, que se tornou uma das maiores máculas na trajetória democrática dos EUA e um malogro pessoal de Obama ao longo de seus dois mandatos. Foi para lá que George W. Bush decidiu mandar os prisioneiros que fez em sua guerra ao terror. Passaram pela base quase oito centenas de detentos aos quais foram negados inicialmente até mesmo as proteções previstas nas convenções de Genebra. Muitos sofreram abusos psicológicos e tortura física. Pior, Washington não conseguiu reunir provas para processar a maioria dos ali detidos, o que não impediu os EUA de mantê-los encarcerados por vários anos sem apresentar acusações. Tal é a condição de 46 dos 91 presos que ainda restam em Guantánamo. Mantê-los nesse limbo é uma atitude esperada de regimes autoritários, como o dos irmãos Castro, mas incompatível com uma democracia madura. Obama elegeu-se em 2008 com a promessa de fechar a prisão, mas até hoje foi incapaz de cumprir o compromisso, em parte por oposição de um Congresso dominado pelo Partido Republicano, em parte porque o presidente cede às pressões internas dos serviços de inteligência do país. O fato de Obama ser também professor de direito constitucional só acrescenta vergonha à infâmia. Ele acaba de anunciar um novo plano para aposentar a prisão; em último ano de mandato, as chances não parecem promissoras. [email protected]
2016-02-26
opiniao
Opinião
http://www1.folha.uol.com.br/opiniao/2016/02/1743492-cuba-livre.shtml
Biodiesel e saúde humana
As mudanças do clima batem à nossa porta já há alguns anos. Os períodos de estiagem por que passam as regiões Nordeste e Sudeste do Brasil, a emergência de doenças transmitidas por insetos vetores, como a do vírus Zika pelo Aedes aegypti, e as ilhas urbanas de calor compõem um retrato do que vem por aí. Dada a gravidade da situação, vários países, notadamente do G7, propuseram o banimento dos combustíveis fósseis até o final do século, como ficou demonstrado na Conferência do Clima das Nações Unidas, no final do ano passado em Paris. Mas as fronteiras tecnológicas para atingir esta meta não são simples. Felizmente, nosso país possui condições para enfrentar o desafio imposto pela deterioração do clima. Nesse contexto, os biocombustíveis são a alternativa mais rápida e eficiente para enfrentar a gravidade da questão ambiental. Eles emitem quase nenhum gás de efeito estufa e, ao mesmo tempo, exibem menor emissão de poluentes tóxicos de efeito local, nas cidades. Os gases responsáveis pelo aquecimento global exibem uma vida média de décadas. Portanto, medidas para reduzir sua emissão só terão efeito depois de muito tempo. Por outro lado, os mesmos processos de combustão de onde eles resultam emitem, simultaneamente, poluentes de permanência muito reduzida na atmosfera, mas que causam danos à saúde humana, sobretudo o material particulado fino. Em outras palavras, fontes de combustão aquecem o planeta pela emissão de gás carbônico e metano, de longo prazo, e também como partículas finas com efeito nocivo à saúde, de curta duração, mas igualmente prejudicial. Neste cenário, os biocombustíveis contribuem para a solução, principalmente o biodiesel. Nas cidades brasileiras, os veículos movidos a óleo diesel são responsáveis por mais da metade da poluição por partículas finas, o poluente mais associado à mortalidade precoce por doenças cardiovasculares, respiratórias e câncer no pulmão. Quanto maior a mistura de biodiesel no diesel mineral, menor será a emissão de gases de efeito estufa, de efeito global, bem como de material particulado tóxico, com impacto local. Sustentabilidade e saúde andam juntas num caminho virtuoso. Estudo do Instituto Saúde e Sustentabilidade, com apoio da Associação dos Produtores de Biodiesel do Brasil (APROBIO), mostrou que o aumento de 5% para 7% de biodiesel no litro do diesel determinado em 2014 é capaz de evitar, numa visão conservadora, mais de 2.000 mortes prematuras, apenas nas regiões metropolitanas de São Paulo e Rio de Janeiro nos próximos 10 anos. Em outras palavras, 2% de acréscimo de biodiesel corresponderão, em termos de saúde pública, a algo como evitar a mortalidade por dengue nestas duas regiões. Fica claro, assim, que mudanças nas políticas energéticas podem levar, sim, a significativas melhoras na saúde humana. Por outro lado, caso a proporção de biodiesel na mistura do diesel seja elevada para 20%, nos próximos dez anos seriam evitadas cerca de 13 mil mortes nas mesmas manchas populacionais. Ao mesmo tempo, seriam economizados mais de R$ 2 bilhões em custos de internações hospitalares e mortalidade prematura. Quando se leva em conta as demais regiões metropolitanas do país, os números são ainda maiores, embora menos precisos devido à precariedade de dados. PAULO HILÁRIO NASCIMENTO SALDIVA é professor e diretor do Departamento de Patologia da Faculdade de Medicina Universidade de São Paulo - USP * PARTICIPAÇÃO Para colaborar, basta enviar e-mail para [email protected]. Os artigos publicados com assinatura não traduzem a opinião do jornal. Sua publicação obedece ao propósito de estimular o debate dos problemas brasileiros e mundiais e de refletir as diversas tendências do pensamento contemporâneo.
2016-02-26
opiniao
Opinião
http://www1.folha.uol.com.br/opiniao/2016/02/1743336-biodiesel-e-saude-humana.shtml
Com Dilma, resultado será desastroso
Começamos o novo ano sem concluirmos o anterior. Os planos traçados no início de 2015 nem sequer puderam ser iniciados. Com exceção dos progressos nas investigações policiais, o país está paralisado. As prisões deflagradas na Operação Lava Jato podem dar um sentimento de justiça. Todavia, isoladamente e sem a coragem das lideranças, para promover transformações profundas, e da sociedade, para enfrentar essas mudanças, elas não assegurarão nosso avanço civilizatório. O século 21 será diferente de tudo o que já vimos e exigirá grandes adaptações. As nações precisarão trabalhar para que a inovação, o empreendedorismo e a cooperação vençam os desafios do desenvolvimento desigual. Governos terão de operar como facilitadores, e não concorrentes, dos cidadãos. Infelizmente, o modelo corporativista cartorial brasileiro, com as decisões concentradas nas mãos do Estado, ficou obsoleto e incapaz de prover a governança mínima para enfrentarmos as adversidades. Na arquitetura do futuro de nossa sociedade, é que trago para discussão o processo de impeachment contra a presidente Dilma Rousseff. As razões para o impedimento não são unânimes, e não cabe a mim aprofundar suas implicações jurídicas. Contudo, o risco da inação é alto e seria irresponsabilidade omitir minha opinião. O conluio do governo federal com uma minoria corporativista destruiu conquistas e expropriou os brasileiros. A crise atual é resultado do fracasso da liderança da presidente, fundamentada em conceitos de desenvolvimento equivocados. Em sua trajetória, Dilma demonstra dificuldades para compreender o processo de mudança em curso. Nos últimos anos, conduziu o país para o caminho oposto à evolução, com prejuízos financeiros e morais. Nas decisões sobre o futuro do Brasil, tem optado por atender a interesses particulares, ao invés de enfrentar os problemas que impedem o avanço do país. Além disso, a derrocada de sua credibilidade em meio às denúncias de corrupção destruiu sua popularidade, fragilizou sua relação com o Congresso Nacional e comprometeu sua capacidade de governar. A Petrobras é a maior expressão da falta de visão estratégica e da competência de Dilma. A corrupção e os prejuízos decorrem do desrespeito fiduciário com a riqueza nacional. Dilma tem a cegueira própria de burocratas de economias fechadas, buscando apoio por meio de concessões a grupos desacostumados à competição e favorecendo o clientelismo. O impeachment não diz respeito ao futuro da presidente, mas sim aos desafios para construir um país que assegure às futuras gerações oportunidades num mundo cada vez mais competitivo. Se mantivermos Dilma no cargo, o resultado será desastroso. Portanto, não podemos nos intimidar diante do medo da mudança. Uma nação é construída com base em princípios que conduzem a sociedade a agir com coragem e a superar as adversidades. O impeachment da presidente –ou sua renúncia, em gesto de reconhecimento de que sua gestão causa mais danos que ganhos– é um passo necessário para o país, apesar de não decisivo. Exigirá, para garantir nosso futuro, uma nova liderança comprometida com a governança, a abertura irrestrita à produtividade, a punição implacável dos malfeitos e o fim dos privilégios. O Brasil é maior do que tudo isso, mas precisa reconhecer suas diferenças e deficiências. A complexidade do país demanda uma reorganização profunda, fundamentada na igualdade e no trabalho honesto. Sem a liberdade de sonhar com o futuro e a esperança de alcançá-lo, é impossível exigir sacrifícios para ousarmos em novos rumos. GUSTAVO DINIZ JUNQUEIRA, 43, é presidente da Sociedade Rural Brasileira * PARTICIPAÇÃO Para colaborar, basta enviar e-mail para [email protected]. Os artigos publicados com assinatura não traduzem a opinião do jornal. Sua publicação obedece ao propósito de estimular o debate dos problemas brasileiros e mundiais e de refletir as diversas tendências do pensamento contemporâneo.
2016-02-25
opiniao
Opinião
http://www1.folha.uol.com.br/opiniao/2016/02/1742992-com-dilma-o-resultado-sera-desastroso.shtml
O bolso e o coração
Variam, conforme a cultura política de cada país, as reações e o interesse que desperta a vida particular das personalidades públicas. Nos Estados Unidos, a imagem presidencial se constrói de modo a contentar um ideal doméstico de classe média. Sabe-se o nome do cãozinho da família, a Casa Branca é ao mesmo tempo residência e sede administrativa, fotógrafos se dedicam a registrar momentos em que o presidente vive como simples pai e marido. Adquirem poder de especial comoção, portanto, as revelações –e, mais ainda, os negaceios– de algum envolvimento extraconjugal do chefe de Estado. Na França, um exemplo oposto, aventuras românticas e adultérios longamente mantidos se recebem com indiferença, quando líderes de Estado cedem a seus riscos e tentações. Um pouco entre uma coisa e outra, o Brasil consegue chegar a uma espécie de equilíbrio no tratamento desse tema pela opinião pública. Casos extraconjugais de políticos e governantes, não raro resultando em filhos fora do casamento, são vistos com moderada curiosidade. Para que se transformem em escândalo, outros ingredientes são necessários –e, sem dúvida, não faltam. Há alguns anos, tornou-se rumoroso o envolvimento do senador Renan Calheiros (PMDB-AL) com a jornalista Mônica Veloso. A acusação de que o funcionário de uma empreiteira havia se encarregado de pagar a pensão devida por Renan à jornalista, com quem tivera um filho, por pouco não determinou a cassação do peemedebista por seus colegas do Senado. De peripécia amorosa, o assunto passou a ter implicações para o bolso dos contribuintes e para a estrutura, que se quer impessoal, dos negócios públicos. É neste ponto, na visão desta Folha, que cumpre aos meios de comunicação iluminar o que se passa. Do mesmo modo, as declarações da jornalista Miriam Dutra a respeito de seu romance com o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso teriam pouco mais que um vago interesse histórico, não fosse a denúncia que as acompanha. A jornalista apresentou contrato que firmou em 2002 com a empresa Brasif, dedicada à gestão de lojas de duty-free, para um trabalho que diz não ter realizado –seria uma forma de disfarçar remessas de dinheiro que FHC teria endereçado à jornalista, em benefício do filho desta. Tanto o ex-presidente como a empresa negam tal finalidade, mas restam dúvidas razoáveis sobre as circunstâncias do contrato. É esse o aspecto que cumpre esclarecer, não importando para ninguém o que este ou aquele político faz de sua vida amorosa. O bolso, parodiando Pascal, tem razões que o coração desconhece. [email protected]
2016-02-25
opiniao
Opinião
http://www1.folha.uol.com.br/opiniao/2016/02/1743050-o-bolso-e-o-coracao.shtml
Hora da indústria de São Paulo agir
O Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) acaba de publicar estudo em que mostra que a indústria do Estado de São Paulo produziu 11% menos em 2015 em relação ao ano anterior, fato este, que registra seu pior desempenho na atual série histórica da pesquisa iniciada pelo instituto em 2003. Em reportagem publicada na Folha (5/2/2016), foram destacados que o volume de produção industrial regrediu aos níveis de setembro de 2003, que o resultado foi também pior que a queda da produção industrial brasileira de 8,3% em 2015. Como o restante do país, o parque fabril de São Paulo, sofreu ao longo do ano com a menor demanda por seus produtos e estoques elevados, o que resultou em corte de produção, férias coletivas e demissões de funcionários. Além de São Paulo, houve queda na produção em 12 dos 15 locais pesquisados pelo IBGE no ano passado. E ainda, os cortes na produção foram disseminados e ocorreram em todos os 18 ramos da indústria acompanhadas pelo IBGE no Estado de São Paulo. Mas o que fez a indústria neste período? Pouco ou quase nada, além das tradicionais, reduções de custos. Acostumados aos períodos de "vacas gordas", os industriais de São Paulo e do Brasil, sempre fazem as mesmas coisas nos períodos de crises, cortam os custos, férias coletivas e demissões de funcionários. Existem alternativas? Sim existem. Enquanto outros países e empresas foram construindo alternativas através da pesquisa e desenvolvimento, e por consequência da implantação de processos de inovação e assim produzindo produtos mais baratos e adequados a população de seus respectivos países, os industriais brasileiros se tornaram "importadores", "reclamões", "zangões", "vítimas", de suas próprias escolhas de não fazer nada, para construir alternativas possíveis para oferecer alternativas para sair da crise. Desde os anos 2000, o Brasil conta com profissionais de inteligência competitiva, capazes de oferecer o que há de melhor para aparelhar as empresas com competência e habilidade para fazê-las se diferenciar não só da concorrência, mas com possibilidades de pesquisa e desenvolvimento. Isso é possível uma vez que dentre os milhares de profissionais hoje formados no Brasil, com especializações no exterior, existem muitos mestres e doutores que podem colaborar com as melhores decisões para minimizar riscos para as indústrias diante das maiores complexidades que estas possam enfrentar. Porém, "nossos industriais", ainda estão no tempo, de "O Quinze" de Rachel de Queiroz, escrito em 1930, que aborda a luta de um povo contra a miséria e a seca. Em nosso caso, lutamos contra a indústria "chinesa" e o "baixo salário". "Nossos industriais", convidam especialistas internacionais da maior expressão, mas ouvem suas orientações "por um ouvido e deixam escapar pelo outro". Exemplo é o que aconteceu com John Kao, um dos maiores especialistas em inovação e criatividade, convidado pela CNI (Confederação Nacional da Indústria) e Sebrae. Kao, que veio ao Brasil para o 6° Congresso Brasileiro de Inovação da Indústria, em maio 2015, falou uma série de questões muito importante para serem aplicadas. Mas, nunca foram aplicadas, tão pouco discutidas pelas entidades que o convidaram para o congresso. Assim, como CNI e Sebrae, a principal federação do Estado, também tem um presidente que reclama muito do governo e agora, aderiu ao "impeachment" da presidente da República. Mas na prática, em vez de fazer "o bloco do Pato", que tal agir e fazer ações mais objetivas e com foco, para indústria, reagir e crescer do que ficar apenas fazendo "micaretas", e as mesmas ações de cortes, férias e demissões que já se mostraram ineficientes para as indústrias? Que tal mudar? O mundo mudou! Só "os nossos industriais", ainda não perceberam! Por incrível que isso possa parecer. ALFREDO PASSOS é especialista em Inteligência competitiva, professor de administração da Faculdade Oswaldo Cruz e membro da Strategic and Competitive Intelligence Professionals - SCIP * PARTICIPAÇÃO Para colaborar, basta enviar e-mail para [email protected]. Os artigos publicados com assinatura não traduzem a opinião do jornal. Sua publicação obedece ao propósito de estimular o debate dos problemas brasileiros e mundiais e de refletir as diversas tendências do pensamento contemporâneo.
2016-02-25
opiniao
Opinião
http://www1.folha.uol.com.br/opiniao/2016/02/1742988-hora-da-industria-de-sao-paulo-agir.shtml
Intenções sem limite
O editorial "Intenções no Limite", publicado pela Folha no dia, comenta e elogia sem fé, o desejo do Ministro Nelson Barbosa de propor uma lei específica para fixar limites para os gastos do governo federal. O autor do editorial prevê dificuldades para o projeto, a começar pela aversão da Presidente Dilma a normas que "possam manietar a administração, contendo inclusive dispêndios em benefícios sociais". Mas, a deficiência do modelo brasileiro de administração dos tributos não está na ausência de limites para os gastos e menos ainda nas amarras impostas ao Estado pelas vinculações prévias, como se dá para a Educação e Saúde e seja lá mais para o quê. Tão pouco no grau de liberdade que têm os Presidentes para mexer como bem entendem nos orçamentos públicos ou "pedalarem" a execução deles. O problema está no zero de liberdade que tem o contribuinte para decidir sobre o aumento e criação de impostos. Pudesse o cidadão dizer que tributos está disposto a pagar, teríamos o melhor sistema de controle dos gastos pelo exercício pleno da cidadania. Está aí a CPMF! Ela terminará por acontecer como resultado de acordos e conchavos entre presidente, ministros, parlamentares e governadores. Goste disso o contribuinte ou não. O novo imposto virá para adaptar o governo à máxima que tem mais oratória que prática: "governo responsável é o que só gasta o que arrecada". Então, para fechar a conta e agradar ao autor da frase, o governo gasta quanto quer, porque pode aumentar a receita quanto precisar. Há quem acredite, com sinceridade, que o povo exercerá o poder de veto à CPMF nas eleições, ao punir quem votou contra a vontade dele. Vá lá que isso aconteça! Entretanto, qual o efeito prático disso para o contribuinte, chamado a pagar a conta, imediatamente, antes de poder colocar o caso no processo de seleção do voto? Nenhum efeito prático, como nenhum tem sido a aplicação da lei n° 12.741/12 - "Lei da Nota", que impôs a obrigação de quem coloca produtos à venda em todo território nacional, de informar ao consumidor o valor dos tributos que influi na formação do preço final de venda. De que me serve o dado, se não para irritar e indignar? A "lei da nota" e todas as suas irmãs e a própria mãe, a Constituição Federal, não me oferecem instrumentos para agir contra o valor dos tributos e menos ainda contra a criação deles. Desesperador também é o "impostômetro", uma iniciativa, que sem instrumentos de exercício da cidadania para frear a ânsia gastadora e perdulária dos governos, tem para o contribuinte serventia idêntica aos dos painéis de controle de um Transatlântico desgovernado em rota de colisão com um gigantesco iceberg. O placar informou que o Estado conseguiu arrancar de nós, contribuintes, em 2015, mais de R$ 2 trilhões. Isso dá muita raiva, principalmente, pelo conjunto tributos pagos/ roubalheira. Mas, o que se pode fazer a partir de conhecer o problema? Nada ou quase nada. Os agentes do Estado fazem o que bem entendem com o dinheiro e nós ficamos com a conta e só com um certo e curto alívio, quando soltamos toda sorte de impropérios na direção da presidente da República, ao ouvi-la dizer, no Congresso, sobre a CPMF: "Levem em conta dados e não opiniões, que tornam a CPMF a melhor opção disponível para ampliar no curto prazo a receita fiscal". Os dados, evidentemente, são dela. As opiniões, as nossas, pobres contribuintes e meros detalhes na relação do Estado com os impostos. JACKSON VASCONCELOS, diretor-presidente da Estratégia & Consultoria * PARTICIPAÇÃO Para colaborar, basta enviar e-mail para [email protected]. Os artigos publicados com assinatura não traduzem a opinião do jornal. Sua publicação obedece ao propósito de estimular o debate dos problemas brasileiros e mundiais e de refletir as diversas tendências do pensamento contemporâneo.
2016-02-24
opiniao
Opinião
http://www1.folha.uol.com.br/opiniao/2016/02/1742539-intencoes-sem-limite.shtml
Racionamento é desastre anunciado
Se os enormes potenciais hidrelétrico, eólico, fotovoltaico e bioenergético disponíveis no Brasil fossem aproveitados criteriosamente, toda a energia consumida no país poderia vir de fontes renováveis e não poluidoras. No entanto, a presidente Dilma Rousseff, confirmando a sua total ignorância em matéria de energia, vetou a entrada de fontes renováveis (exceto a hidráulica) na matriz prevista no Plano Plurianual 2016-2019, desabonando assim o compromisso que assumiu na COP 21, no final do ano passado. Embora as vazões dos rios brasileiros estejam caindo ano a ano, cerca de 70% da energia elétrica brasileira ainda vem de usinas hidrelétricas. A presente recessão implica uma queda na demanda de eletricidade que nos livra de racionamentos. Uma possível recuperação da economia, no entanto, será dificultada por frequentes apagões. As bacias dos rios São Francisco, Paraíba, Tietê, Paraná e Iguaçu são devastadas pela pecuária, pelas plantações de soja e cana e pelas serrarias. As mudanças climáticas comprometem ainda mais suas vazões. No caso do São Francisco, a situação é especialmente grave. Sua nascente, na serra da Canastra, em Minas Gerais, está devastada, assim como as matas que margeavam os rios da região. Essa é uma das causas da escassez de água, que já aflige algumas cidades. Todavia, não se vê nenhum dignitário falar do desastre anunciado que será a perda destas extraordinárias riquezas: a abundância de água e de hidreletricidade. Em vez de agirem para preservar as bacias hidrográficas, mediante estímulos ao reflorestamento das nascentes e margens dos rios, o governo e as empreiteiras agravam o quadro, insistindo no projeto de transposição de águas do São Francisco. Atualmente, o fluxo médio deste rio, ao longo do ano, é da ordem de 2.900 m³/s (metros cúbicos por segundo) mas, durante a estação seca, é de apenas 1.000 m³/s. O projeto prevê a retirada de 280 m³/s, portanto, durante esta estação, a transposição "sangrará" 28% do fluxo de um rio moribundo. Não contente com isso, o governo pensa em implantar centrais nucleares, precisamente quando esta opção é abandonada por países da vanguarda tecnológica, como Alemanha, Bélgica, Suíça e Japão, que reativou apenas 3 centrais nucleares, das mais de 50 que operavam antes da catástrofe de Fukushima. Os adeptos da opção nuclear (como eu já fui, no passado) apontam a intermitência dos ventos e das radiações solares como desvantagem das fontes renováveis. Ocorre que o aproveitamento das fontes renováveis pode ser muito aperfeiçoado, começando pela implantação de malhas inteligentes para interligar usinas hidrelétricas com parques eólicos e instalações fotovoltaicas, permitindo que as energias eólica e fotovoltaica fiquem parcialmente "armazenadas" nos reservatórios hidráulicos. Com isso, aumenta o fator de capacidade do sistema interligado e compensa a intermitência dos ventos e das radiações solares. Como uma carteira de ações na bolsa de valores, a produção conjunta de todos os parques varia menos do que as produções de cada parque, isoladamente. Por fim, a eficiência dos painéis solares e das turbinas eólicas pode ser melhorada. JOAQUIM FRANCISCO DE CARVALHO, 80, é doutor em energia, foi engenheiro da CESP - Companhia Energética de São Paulo, diretor da Nuclen (atual Eletronuclear) e pesquisador associado ao Instituto de Energia e Ambiente da USP * PARTICIPAÇÃO Para colaborar, basta enviar e-mail para [email protected]. Os artigos publicados com assinatura não traduzem a opinião do jornal. Sua publicação obedece ao propósito de estimular o debate dos problemas brasileiros e mundiais e de refletir as diversas tendências do pensamento contemporâneo.
2016-02-24
opiniao
Opinião
http://www1.folha.uol.com.br/opiniao/2016/02/1742573-racionamento-e-desastre-anunciado.shtml
Reação do marqueteiro João Santana é "vitimose hipócrita", afirma leitor
O marqueteiro João Santana está com mandado de prisão para explicar os milhões de dólares recebidos de empreiteiras no exterior. Ele declarou que vai voltar da República Dominicana, mas que "as acusações são infundadas" e causadas por "um clima de perseguição no Brasil". O rótulo apropriado dessa reação do marqueteiro é "vitimose hipócrita". CLAUDIO JANOWITZER (Rio de Janeiro, RJ) * * O ainda senador Delcídio do Amaral fará um bem enorme à nação se denunciar os seus pares e, assim, colaborar para o afastamento do Senado daqueles que apenas se aproveitam das benesses do cargo (Delcídio ameaça entregar colegas caso seja cassado ). Do contrário, ao final do seu mandato, será lembrado como um novo José Izar, antigo vereador de São Paulo que apelou aos amigos que dizia ter "na mão" de modo a evitar sua cassação na Câmara. Pensando no futuro do país, é necessário saber o tamanho da mão do Delcídio e quantos amigos ela consegue carregar. CARLOS CARMELO BALARÓ (São Paulo, SP) * Será que Delcídio do Amaral quis dizer que metade do Senado é corrupta? Só por essa declaração, ele deveria ter o mandato cassado. Ou será que os senadores endossarão a declaração? Se assim o fizerem, é melhor fechar o Senado. ARNALDO DE SOUZA CARDOSO (São Paulo, SP) * Um trabalhador que, com seu trabalho, não consegue pagar as contas não considera em seu planejamento uma promoção ou um emprego melhor. Assim também o governo não deveria planejar o ano com tanta certeza na CPMF e na reforma da Previdência. O ano não está para promoção nem emprego melhor. RODRIGO ENS (Curitiba, PR) * Delcídio do Amaral deve saber de muita coisa que incrimina muita gente. Ele está livre e vai cuidar da própria defesa, durante 120 dias, longe do Senado e recebendo o salário pago pelos contribuintes. JOSÉ CARLOS SARAIVA DA COSTA (Belo Horizonte, MG) * A mais desprezível das ameaças é a de chantagem. O senador Delcídio do Amaral ameaça entregar "metade dos senadores" se for cassado. Com essa bravata, ele torna público que metade do Senado é composta por delinquentes e que lá permanecerão se não o incriminarem. Isso é mais um fato que demonstra a podridão por onde chafurda a política brasileira. FRANCISCO MANOEL DE SOUZA BRAGA (Rio Claro, SP) * PARTICIPAÇÃO Os leitores podem colaborar com o conteúdo da Folha enviando notícias, fotos e vídeos (de acontecimentos ou comentários) que sejam relevantes no Brasil e no mundo. Para isso, basta acessar Envie sua Notícia ou enviar mensagem para [email protected]
2016-02-23
paineldoleitor
Painel do Leitor
http://www1.folha.uol.com.br/paineldoleitor/2016/02/1742113-reacao-do-marqueteiro-joao-santana-e-vitimose-hipocrita-afirma-leitor.shtml
Buraco no teto
Há duas décadas a despesa do governo se expande a taxas superiores às da economia do país, tendência já perceptível nos anos de vacas magras e agora escancarada pela severa recessão. Dito de outra maneira, uma parcela crescente dos recursos nacionais direciona-se ao financiamento da máquina estatal, que se mostra incapaz de ajustar suas necessidades à renda disponível. O fenômeno se deve, em parte, à índole de nossos políticos, em geral mais afeitos à generosidade com dinheiro alheio do que ao planejamento –e, principalmente, às normas constitucionais que impedem a queda, quando não determinam o aumento, de grande parte dos gastos, em especial os destinados à área social. É bem-vinda, portanto, a adoção de um mecanismo legal que discipline a evolução do dispêndio público, como o que o governo Dilma Rousseff (PT) acaba de sugerir para os próximos anos. Entretanto, além de a proposta se mostrar incompleta, os atos concretos do Executivo estão longe de indicar maior propensão à austeridade. Em linhas gerais, pretende-se estabelecer, a cada quatro anos, limites máximos para a despesa total, em percentuais do PIB. Quando o teto estiver sob ameaça, serão tomadas providências como cancelamento de concursos, redução de benefícios ao funcionalismo e, em último caso, suspensão de reajustes reais do salário mínimo. Note-se que, como se trata de projeto de lei, as regras da Constituição, mais importantes, não são afetadas –entre elas, gastos mínimos em saúde e educação e a estabilidade dos servidores estatutários. As medidas em tela, em sua maioria, estão ao alcance de um Orçamento bem feito. É justamente o que não temos neste 2016. A lei orçamentária autoriza gasto não financeiro equivalente a 19,5% do PIB, acima dos 18,5% de 2015 (quando excluído o pagamento extraordinário das chamadas pedaladas fiscais). Ainda assim, o governo optou por um bloqueio modesto de desembolsos, de 0,4% do PIB, e quer autorização do Congresso para novo rombo bilionário em suas contas –pleito que certamente contará com mais boa vontade do que a imposição do teto legal de despesas. [email protected]
2016-02-23
opiniao
Opinião
http://www1.folha.uol.com.br/opiniao/2016/02/1742145-buraco-no-teto.shtml
Líder empresarial 4.0
Inteligência artificial, nanotecnologia, biotecnologia, internet das coisas e todo este mundo novo já estão sinalizando mudanças em nossa forma de viver. Modificarão substancialmente os relacionamentos entre pessoas e empresas. Produzirão impactos nas famílias, na educação, nas estruturas de trabalho. É inexorável. E é preciso desde já que sejam repensados os padrões de gestão pública e privada. Como a informação está disponível a todos, seu valor é tanto maior e estratégico quanto mais governos, empresas e sociedade tenham capacidade de filtrar adequadamente os conteúdos para definir quais informações servem para determinados objetivos, e assim transformá-las em ativo, produto ou serviço. Esse ambiente exigirá transparência dos governos e de todas as instituições, acarretando ampla reformulação do sistema legal e o enfrentamento do desafio de ajustar o compliance (termo em inglês relacionado a boas normas de conduta nos negócios) à realidade. Nesse novo mundo, quais serão os desafios, as oportunidades e os requisitos para que empreendedores tenham sucesso? Líderes empresariais atuarão em sociedades nas quais as máquinas farão praticamente tudo o que os humanos fazem hoje, nas quais a educação estará disponível por diversos canais à distância, nas quais chips e sensores farão da prevenção na saúde uma prática comum, nas quais realidade virtual e implantes neurais em homens-robôs serão frequentes. O novo líder precisará conduzir organizações guiadas por ideias, deverá tirar proveito do crescente nível de colaboração propiciado pelas emergentes tecnologias de informação e de comunicação, terá de vencer barreiras hierárquicas e praticar a cultura do poder descentralizado. Desde os anos 1980, graduados em economia e administração assumiam rapidamente boa parte das posições de liderança no chamado "C level" das empresas, porém a realidade vem se transformando a passos largos. Já a partir dos dois últimos anos, profissionais formados em ciência da computação e biotecnologia têm conquistado papel de liderança nas empresas americanas. A inteligência artificial está migrando rapidamente da academia para a vida real, como alertou reportagem recente do jornal britânico "Financial Times". Haverá pouco tempo para nos ajustarmos a uma vida com veículos autoguiados, com diversos tipos de máquinas inteligentes que saberão "ouvir" e "ver" como nós, aptas, portanto, a substituir a mão de obra humana, o que impactará o número de postos de trabalho. A chamada Quarta Revolução Industrial, tema central da edição deste ano do Fórum Econômico Mundial em Davos e de reportagem da revista "Fortune" deste mês de fevereiro, levanta várias questões. Quais transformações acontecerão nos negócios e nas economias? Como serão administrados emprego, desigualdade e meio ambiente? Qual será o papel dos empresários e dos líderes empresariais? Como identificar, formar e preparar sucessores? Para que servirão os conselhos de administração? Muitas dessas perguntas serão respondidas em futuro próximo. É certo que os novos líderes deverão promover energia, paixão e criatividade. Precisarão buscar constantemente o conhecimento, valendo-se de todas as ferramentas disponíveis, desde cooperação, alianças, fusões e associações até pesquisas e trabalhos em rede, com propriedade intelectual difusa. Os líderes da geração 4.0 terão múltiplas habilidades, serão um pouco empreendedores e um pouco advogados, um tanto cientistas e outro tanto romancistas. Precisarão ser mais flexíveis, ter causas e advogar por elas, sonhar e construir seus sonhos, mas nunca sozinhos. E as associações empresariais se transformarão em espaços compartilhados de trabalho colaborativo, nos quais atividades de "think tank" se somarão às de cientistas e "fazendeiros biológicos". Portanto, empreendedores, especialmente os jovens, abram suas mentes e apertem os cintos. O futuro bate à porta. DAVID FEFFER é presidente da Suzano Holding * PARTICIPAÇÃO Para colaborar, basta enviar e-mail para [email protected]. Os artigos publicados com assinatura não traduzem a opinião do jornal. Sua publicação obedece ao propósito de estimular o debate dos problemas brasileiros e mundiais e de refletir as diversas tendências do pensamento contemporâneo.
2016-02-23
opiniao
Opinião
http://www1.folha.uol.com.br/opiniao/2016/02/1742110-lider-empresarial-40.shtml
Não se morre só de fome
O programa Aqui tem Farmácia Popular é uma conquista da sociedade brasileira. Lançado em 2007 em conjunto com o Ministério da Saúde, o programa ampliou significativamente o acesso da população a medicamentos contra doenças crônicas, ao possibilitar a venda subsidiada dos remédios nas redes de farmácias privadas. O modelo de co-pagamento foi inspirado em países da Europa e também nos Estados Unidos, onde os resultados foram excepcionais. Em 2015, mais de 25 milhões de brasileiros foram beneficiados pela parceria público-privada. A média de clientes atendidos mensalmente passou de 335 mil para 1,9 milhão, entre 2007 e 2014. Neste mesmo período, o número de unidades de medicamentos vendidas subiu de 8,89 para 58,8 milhões. Os números revelam não só o sucesso, mas referendam a credibilidade que este programa governamental goza entre a população. Entretanto, entre o fim de 2015 e o início deste novo ano, a grande conquista da população passou a correr sérios riscos. Não bastasse a burocracia do sistema público que emperrava o acesso ainda maior aos medicamentos, por problemas como receitas com prazos curtos e prescrições preenchidas de forma incompleta pelo médico, a proposta orçamentária do governo federal previa a extinção da verba para o co-pagamento, mantendo apenas o sistema de gratuidade. O custeio acabou sendo mantido por meio de emenda no Congresso Nacional, que garantiu ao menos R$ 400 milhões para a modalidade do co-pagamento. Alheio à aprovação da emenda, o Ministério da Saúde começou a discutir a redução no valor de referência dos medicamentos a partir deste mês de fevereiro, tornando praticamente inviável a manutenção do programa pelas redes privadas. Além deste valor nunca ter sido reajustado ao longo de todos estes anos, mesmo com a inflação corroendo margens e com o aumento galopante de custos, o governo insiste em reduzir o valor pago às farmácias, que já está abaixo do aceitável há muito tempo. E para piorar, nada menos que 13 Estados resolveram aumentar a alíquota de ICMS dos medicamentos, alegando perda de arrecadação. Sem o canal privado das farmácias, que servem de ponto de distribuição com um alcance em muitos locais onde o governo não consegue estar presente, muitos pacientes ficarão desassistidos. Como consequência, uma lista de produtos importantíssimos pode deixar de ser encontrada em 35.400 drogarias e farmácias no país. Ela inclui medicamentos contra glaucoma, incontinência, mal de Parkinson, osteoporose, rinite e colesterol. Em uma nação onde quase 60 milhões de pessoas sofrem de doenças crônicas, pode-se ter uma dimensão do prejuízo à saúde pública. Temos alertado o governo federal sobre o desastre que será a redução dos preços de referência, que expulsará parte importante da rede de atendimento do programa. A entidade tem ainda reforçado a luta para combater a excessiva carga tributária que incide sobre os artigos farmacêuticos. Para se ter uma ideia, no Brasil, os medicamentos pagam entre 17 a 19% de ICMS, enquanto que a alíquota sobre os alimentos é de 7%. Mas aqui no Brasil, insistimos em tratar o estratégico como supérfluo. E assim jazem a saúde e a justiça social. Decisões equivocadas como essa podem elevar, e muito, o custo da saúde no país. A grande conquista da população, a do acesso aos medicamentos proporcionada pelo programa Aqui Tem Farmácia Popular, corre sérios riscos. Em ano de recessão econômica, desemprego e salários corroídos pela inflação, as classes menos favorecidas ainda terão de lidar com ausência de remédios subsidiados ou gratuitos nas prateleiras das farmácias e drogarias. Definitivamente, a propalada inclusão social e o Brasil para todos revelam-se, a cada dia, reles peças de marketing. SÉRGIO MENA BARRETO é presidente executivo da Abrafarma - Associação Brasileira de Redes de Farmácias e Drogarias * PARTICIPAÇÃO Para colaborar, basta enviar e-mail para [email protected]. Os artigos publicados com assinatura não traduzem a opinião do jornal. Sua publicação obedece ao propósito de estimular o debate dos problemas brasileiros e mundiais e de refletir as diversas tendências do pensamento contemporâneo.
2016-02-23
opiniao
Opinião
http://www1.folha.uol.com.br/opiniao/2016/02/1742080-nao-se-morre-so-de-fome-mas-tambem-de-falta-de-medicamentos.shtml
Início de cobrança de pedágio não passa de especulação, diz agência
Em resposta a uma carta, a reportagem atribuiu equivocadamente à Artesp a informação de que novas praças de pedágio começarão a funcionar no próximo verão (Painel do Leitor. No atual estágio do projeto não é possível prever quando será iniciada a cobrança, uma vez que os editais de concessão das rodovias nem sequer foram lançados. A autorização para cobrança é feita pela Artesp só após a verificação de que as melhorias iniciais exigidas em contrato foram implantadas pelas concessionárias. A licitação ainda nem começou, por isso qualquer previsão de início de cobrança é precipitada e não passa de especulação. EDUARDO REINA, assessor de imprensa da Artesp (Agência de Transporte do Estado de São Paulo) RESPOSTA DO JORNALISTA MARCELO TOLEDO - A Artesp informou que editais devem ser publicados em abril e que vencedores da concorrência devem ser conhecidos em julho. Como concessionárias e a própria Artesp informaram que as melhorias exigidas em contrato antes de iniciar a cobrança de pedágio levam em média seis meses, a cobrança pode iniciar-se nos primeiros meses de 2017. * PARTICIPAÇÃO Os leitores podem colaborar com o conteúdo da Folha enviando notícias, fotos e vídeos (de acontecimentos ou comentários) que sejam relevantes no Brasil e no mundo. Para isso, basta acessar Envie sua Notícia ou enviar mensagem para [email protected]
2016-02-23
paineldoleitor
Painel do Leitor
http://www1.folha.uol.com.br/paineldoleitor/2016/02/1742117-inicio-de-cobranca-de-pedagio-nao-passa-de-especulacao-diz-agencia.shtml
Ex-comandante da Polícia Militar defende uso de fardas por crianças
Qual é o erro dos policiais militares ao incentivarem seus filhos a usarem fardas? As crianças precisam de bons exemplos: de honestidade, caráter, comprometimento, dever, honra, dedicação, lealdade, tudo o que a farda e os militares bem representam. * * PARTICIPAÇÃO Os leitores podem colaborar com o conteúdo da Folha enviando notícias, fotos e vídeos (de acontecimentos ou comentários) que sejam relevantes no Brasil e no mundo. Para isso, basta acessar Envie sua Notícia ou enviar mensagem para [email protected]
2016-02-23
paineldoleitor
Painel do Leitor
http://www1.folha.uol.com.br/paineldoleitor/2016/02/1742131-ex-comandante-da-policia-militar-defende-uso-de-fardas-por-criancas.shtml
Brilho inútil
Reluz na cidade de São Raimundo Nonato, interior do Piauí, o novíssimo Aeroporto Internacional Serra da Capivara. A obra, cuja construção consumiu quase R$ 20 milhões em recursos federais e estaduais e se arrastou por longos 12 anos deveria, em tese, servir para incrementar o desenvolvimento da região e facilitar o acesso de turistas ao parque nacional de mesmo nome. Quatro meses após a inauguração, entretanto, o aeroporto ainda não recebeu nenhum voo comercial. A calmaria só é quebrada por aeronaves particulares, que trazem cerca de 80 passageiros por mês. Segundo o secretário de Turismo do Piauí, as companhias aéreas alegam que não há demanda. Nem mesmo a disposição do governo local de oferecer isenção de tarifas e até patrocinar voos com publicidade nas aeronaves conseguiu reverter a situação. Se a as companhias nacionais não aterrissam no local, certamente não serão as estrangeiras que o farão. Apesar da denominação do aeroporto, sua pista não só é muito curta para receber voos internacionais como não há estrutura para aduana e imigração. A situação levanta dúvidas óbvias sobre a qualidade do projeto executivo do empreendimento, bem como dos estudos de viabilidade que o ampararam –ou será que se imaginou que a mera oferta criaria sua própria demanda? Os problemas não param por aí. De acordo com o Ministério Público Federal, são fortes os indícios de corrupção na execução das obras do aeroporto. O órgão também aponta que falhas na construção da faixa de decolagem podem reduzir sua vida útil e até danificar os aviões que a utilizarem. Como se tudo isso não bastasse, o aeroporto de São Raimundo Nonato é ainda uma proeza da falta perdulária de planejamento. Enquanto se dava a construção da pista, a razão principal de sua criação, o Parque Nacional Serra da Capivara, se degradava pela carência de recursos. Criada em 1979, a unidade de conservação abriga a maior concentração de sítios arqueológicos do país e é considerada Patrimônio da Humanidade pela Unesco. Segundo a arqueóloga Niède Guidon, principal responsável pela existência do complexo, na última década o número de funcionários reduziu-se de 270 para 40. Das 28 guaritas de segurança, diz ela, apenas seis estão funcionando. Em vez de amparo ao parque ora em decadência, o aeroporto piauiense se converteu em exposição didática dos vícios do investimento público nacional. [email protected]
2016-02-22
opiniao
Opinião
http://www1.folha.uol.com.br/opiniao/2016/02/1741696-brilho-inutil.shtml
Tabus petrolíferos
Preferências ideológicas costumam ser imunes à realidade, mas a cada dia se torna mais difícil para o governo Dilma Rousseff (PT) ignorar as consequências dos erros cometidos nas regras fixadas para a exploração do petróleo no país. Com a vertiginosa queda de 70% nos preços do produto desde o ano passado e o colapso da capacidade financeira da Petrobras, não se consegue mais disfarçar que é insustentável o modelo concebido no final da década passada para a exploração das riquezas descobertas na camada do pré-sal. Não espanta, portanto, que ganhe força o projeto de lei 131/2015, de autoria do senador José Serra (PSDB-SP), que elimina a obrigatoriedade de a estatal petrolífera ser operadora única e detentora de pelo menos 30% de participação em todos os campos. Ampara o texto a constatação singela de que a empresa não dispõe de dinheiro para honrar essas exigências –como já indicou seu próprio presidente, Aldemir Bendine, ao tratar da presença em leilões de novas áreas de exploração. Não faz sentido continuar a comprometer a extração do petróleo e a atividade econômica nos muitos municípios que a ela se acoplam em nome de um pretenso interesse nacional, atualmente mais aviltado que protegido. Um número crescente de prefeitos dessas regiões defendem que se abra a exploração para outras empresas. Precisam, afinal, trazer empregos e renda para suas cidades, que estão à míngua, como os investimentos da Petrobras. Também indicaram apoio à proposta nomes como o governador do Rio, Luiz Fernando Pezão, e o presidente do Senado, Renan Calheiros (AL), ambos do PMDB. Do Planalto, os sinais ainda não são claros, mas ao menos inexiste rejeição explícita. A proposição oferece salvaguardas para amortecer eventuais pruridos estatistas. Estará garantida, por exemplo, a preferência da Petrobras nas licitações dos campos definidos pelo Conselho Nacional de Política Energética, presidido pelo ministro de Minas e Energia. Nada haveria de absurdo em definir simplesmente que os leilões sejam vencidos por quem der a melhor oferta. Permanecerá prerrogativa do governo, afinal, licitar os campos e determinar obrigações e investimentos. Seria oportuno, ademais, examinar mais detidamente a eficácia da política de conteúdo nacional e a possibilidade de que os campos do pré-sal sejam licitados no regime de concessão, em que o vencedor dos certames é dono da produção, pagando royalties ao erário. O que o país precisa, basicamente, é extrair o máximo de petróleo ao menor custo possível. [email protected]
2016-02-22
opiniao
Opinião
http://www1.folha.uol.com.br/opiniao/2016/02/1741692-tabus-petroliferos.shtml
Paradoxo penal
Parece natural, à primeira vista, a mudança de posição do Supremo Tribunal Federal (STF) a respeito do momento em que o réu condenado em processo criminal pode começar a cumprir pena de prisão. Até o julgamento de quarta-feira (17), a condenação tinha efeito apenas depois de esgotadas todas as possibilidades de recurso judicial, com o trânsito em julgado. Por 7 votos a 4, a corte resolveu que não é mais necessário esperar tanto para aplicar a pena. Basta que a sentença condenatória seja confirmada por magistrados de segunda instância, como os dos Tribunais de Justiça e os dos Tribunais Regionais Federais. Segundo observou o ministro Teori Zavascki, relator do caso no Supremo, em nenhum país, afora o Brasil, é necessário aguardar a aprovação de dois tribunais superiores para executar uma pena discutida em dois níveis do Judiciário. Sabe-se bem o quanto essa peculiaridade brasileira prejudica o combate ao crime em geral e à corrupção em particular. Manuseada por advogados habilidosos e caríssimos, converte-se em verdadeiro caminho para a impunidade. Criminosos endinheirados encontram pouca dificuldade para, se condenados em segunda instância, bancar defensores capazes de apresentar recursos ao Superior Tribunal de Justiça e ao STF. Tais iniciativas, ao menos até agora, pouco correspondem à tentativa legítima de contestar um magistrado. São simples manobras protelatórias, com o intuito de arrastar o processo e forçar a prescrição –com o que a Justiça perde a possibilidade de punir o réu, mesmo que ele tenha sido condenado. Essa deformação penal, ao lado de outra, produz comparação eloquente: enquanto certos condenados valem-se de chicanas para preservar sua liberdade, quase 40% dos mais de 600 mil presos no Brasil nem sequer foram julgados. Ainda que o objetivo encampado pelo STF mereça aplausos, não se pode deixar de indicar as preocupações que a decisão suscita. "Ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória", estatui a Constituição entre as garantias fundamentais. O paradoxo salta aos olhos: o Supremo, contrariando a Lei Maior que deveria resguardar, autorizou a prisão de pessoas formalmente inocentes. Já não seria pouco assistir silente à mais alta corte do país aviltar um preceito constitucional, mas há mais. O entendimento que vigia até quarta fora adotado em 2009. Que segurança jurídica existe quando um tribunal muda de opinião, e sobre assunto de máxima importância, em intervalo tão curto? Teria sido muito melhor que a batalha contra as exasperantes chicanas se desse pela via legislativa. Bastava mudar as regras para a prescrição quando o processo penal já está em curso –outra bizarrice brasileira– e alterar as normas de acesso aos tribunais superiores, sobretudo para consolidar o papel constitucional do STF. [email protected]
2016-02-21
opiniao
Opinião
http://www1.folha.uol.com.br/opiniao/2016/02/1741432-paradoxo-penal.shtml
O supremo guardião
Tenho um imenso respeito pelo professor Ives Gandra da Silva Martins. Democrata que é, soube sempre perseverar no reconhecimento da alteridade de posições e pensamentos, mesmo quando contrários aos que professa. Não é por outro motivo, então, que venho afirmar minha divergência com o professor Ives, sabedor que a amizade e o respeito só são consistentes quando acompanhados de convicções. O Supremo Tribunal Federal (STF) adotou em Ação por Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF 378) uma importante baliza para a condução de um processo de impeachment da presidente da República, Dilma Rousseff. Estabeleceu três paradigmas fundamentais: a publicidade do processo e da tomada de decisão; a primazia dos partidos na formação das comissões processantes e julgadoras; e a independência do Senado para instauração do processo. No artigo "O Supremo constituinte", publicado nesta Folha na última segunda (15), o professor Ives Gandra alude ao papel secundário do Senado Federal em face da Câmara dos Deputados, destacando o pecado original na formação da Casa Alta do Congresso nos Estados Unidos da América: proteção do sistema escravocrata então vigente. É pertinente observar que a abolição da escravidão nos EUA, com a 13ª Emenda Constitucional, teve sua batalha épica não no Senado (que já a havia aprovado), mas na Câmara dos Deputados, palco de acirrado debate e apertada votação. O fato é que o STF não adotou interpretação alheia à Constituição Federal, mas antes aplicou-a em sua integralidade. Não agiu como constituinte, e sim como guardião da Carta Magna. Importante destacar que, desde 1824, o sistema constitucional brasileiro atribuía à Câmara a declaração de procedência da acusação, como registrado no art. 85 do texto da Constituição de 1967: "O presidente, depois que a Câmara dos Deputados declarar procedente a acusação pelo voto de dois terços de seus membros, será submetido a julgamento perante o STF, nos crimes comuns, ou perante o Senado, nos de responsabilidade". Todavia, o texto constitucional de 1988 alterou substancialmente essa sistemática ao estabelecer que compete à Câmara autorizar, por dois terços de seus membros, a instauração de processo contra o presidente e o vice-presidente da República e os ministros de Estado (art. 51, I da Constituição), e ao Senado instaurar o processo (art. 86, § 1º, II, da Constituição). Dessa forma, somente após a instauração do processo é que o presidente ou o vice-presidente da República é afastado de suas funções. Aliás, isto está em consonância com o artigo 86 da Constituição, no qual se determina que o afastamento do presidente depende do recebimento de denúncia pelo STF, no caso de crimes comuns. Assim como o STF pode deixar de receber a denúncia encaminhada pela Câmara, pode o Senado deixar de instaurar o processo por crime de responsabilidade. Nisso não há novidade, pois não é a primeira vez que o Supremo se posiciona na matéria. Em 1992, em sessão administrativa, o STF fixou o rito do procedimento no âmbito do Senado e decidiu que, se rejeitado pelo plenário, o parecer pela instauração do processo de impeachment seria extinto, com o consequente arquivamento dos autos (lei nº 1.079/50, art. 48). Portanto, apesar da multiplicidade de opiniões que possam emergir em um ambiente político e jurídico controvertido, vale ao final a recomendação de Cícero: "...onde tudo está sob o poder de uma parte, não se pode dizer que existe República". LUÍS INÁCIO LUCENA ADAMS, 50, é ministro-chefe da Advocacia-Geral da União * PARTICIPAÇÃO Para colaborar, basta enviar e-mail para [email protected]. Os artigos publicados com assinatura não traduzem a opinião do jornal. Sua publicação obedece ao propósito de estimular o debate dos problemas brasileiros e mundiais e de refletir as diversas tendências do pensamento contemporâneo.
2016-02-21
opiniao
Opinião
http://www1.folha.uol.com.br/opiniao/2016/02/1741224-o-supremo-guardiao.shtml
Imposto kafkiano
Em boa hora, o Supremo Tribunal Federal suspendeu provisoriamente a validade de parte de uma norma que alterou o modo de pagamento do ICMS. O regulamento vinha atazanando, em particular, micro e pequenas empresas dedicadas ao comércio eletrônico. Conforme entendimento dos secretários estaduais de Fazenda, tais empreendimentos deveriam se adequar à determinação, aprovada em 2015 pelo Congresso, de que o imposto devido nas transações de venda pela internet seja partilhado entre o Estado de origem e o de destino das mercadorias. Com isso, as empresas inscritas no Simples, que em circunstâncias normais apenas recolhem ao fisco uma parcela fixa de sua receita, tiveram de gastar tempo e dinheiro em uma rotina kafkiana de impressão de múltiplas guias de pagamento e consulta às tabelas de alíquotas do ICMS, que variam de Estado para Estado. Por pequeno que pareça, o episódio é ilustrativo da instabilidade legal e do inferno burocrático que caracterizam o sistema tributário brasileiro, líder mundial em tarefas exigidas dos contribuintes –para nada falar da carga equivalente a mais de um terço da renda nacional, extravagante para um país emergente. Tributo de maior arrecadação do país e principal fonte de receita dos Estados, o ICMS é alvo contumaz de propostas de reforma que se acumulam há décadas nos escaninhos do Congresso. A complexidade desse e de outros impostos e contribuições sociais impõe o custo da criação de departamentos grandes de administração tributária. Energias empresariais se voltam à faina de reivindicação de regimes especiais nos lobbies brasilienses. A alocação do capital é distorcida pelos favores concedidos por União, Estados e municípios: benesses estatais, não as condições de mercado, acabam por reger decisões de investimento. Estímulos fiscais dos tempos de bonança precisam ser revertidos em tempos de vacas magras como os atuais. Nesse edifício precário e insalubre de puxadinhos legais ampara-se o sistema tributário brasileiro, causa de ineficiência e de atraso. Dadas a penúria orçamentária, a pequenez e a falta de visão dos governantes, tão cedo não vai se dar cabo dessa barafunda. [email protected]
2016-02-21
opiniao
Opinião
http://www1.folha.uol.com.br/opiniao/2016/02/1741431-imposto-kafkiano.shtml
Presidência russa nos Brics
O ano da presidência russa nos Brics (grupo formado por Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul), entre abril de 2015 e 15 de fevereiro deste ano, tem sido um período de trabalho ativo e intenso. Buscamos o fortalecimento da união, a sua transformação gradual em um mecanismo de pleno formato da interação estratégica e coerente sobre os assuntos cruciais da política e economia global. O quinteto constitui simultaneamente o resultado e a força propulsora do estabelecimento do sistema policêntrico das relações internacionais. Representa a consolidação dos esforços com base na agenda construtiva, orientada para a busca coletiva e democrática de soluções para os problemas comuns a todos. É exemplo de abordagem inovadora na parceria multilateral que une 27% do PIB mundial e 42% da população do planeta. Os membros do grupo, representantes de várias culturas e civilizações, são países com as economias de mercado em formação e um potencial de crescimento imenso. Nos Brics não há líderes ou liderados. Todas as decisões tomadas representam um verdadeiro denominador comum, uma ligação dos interesses dos cinco países, que não necessariamente coincidem em tudo. O grupo é a personificação da diplomacia de rede, quando os parceiros, partindo do princípio de não existência de alternativas para a busca de soluções mutuamente aceitáveis na mesa de negociações, elaboram o consenso de modo criativo e respeitoso, com base no papel coordenador central da ONU, nas normas e nos princípios do direito internacional. Mas os Brics não são só economia. Uma prioridade dos trabalhos conjuntos do quinteto é o fortalecimento da segurança e estabilidade no mundo. Sem tentar impor nada a ninguém, levando em conta os interesses de cada um de seus participantes e de todos eles juntos, a associação busca respostas conjuntas aos desafios e ameaças globais. Os países dos Brics partem do princípio de que a estabilidade deve ser duradoura e a segurança, indivisível. A interação não é direcionada contra ninguém, pelo contrário, serve para garantir a estabilidade internacional e estabelecer as premissas para o crescimento estável e equilibrado. O evento chave da presidência russa foi a Cúpula em Ufá, em julho de 2015, que reforçou a estratégia de longo prazo para o desenvolvimento da parceria. Promoveu ainda o acordo entre os governos dos Estados membros sobre a cooperação na área da cultura e o memorando de entendimento sobre a criação de site conjunto. Os países dos Brics também estão interessados em diversificar os laços no âmbito não governamental, na dimensão social, cultural e humanitária. Em 2015, realizamos uma série de fóruns (parlamentar, cívico, sindical, da juventude etc.). Durante o ano da presidência russa, foi iniciada a cooperação em várias áreas novas, tais como energia, telecomunicações, assistência ao desenvolvimento internacional, migração e meio ambiente. Implementamos também uma série de ideias conjuntas nas esferas da ciência, da educação e das políticas para a juventude. No total, durante o ano da presidência da Rússia, teremos realizado mais de 100 eventos. SERGEY AKOPOV, 61, é embaixador da Rússia no Brasil * PARTICIPAÇÃO Para colaborar, basta enviar e-mail para [email protected]. Os artigos publicados com assinatura não traduzem a opinião do jornal. Sua publicação obedece ao propósito de estimular o debate dos problemas brasileiros e mundiais e de refletir as diversas tendências do pensamento contemporâneo.
2016-02-19
opiniao
Opinião
http://www1.folha.uol.com.br/opiniao/2016/02/1740896-presidencia-russa-nos-brics.shtml